Despejos no campo atingem maior patamar desde 2016, aponta CPT

Dados da Comissão Pastoral da Terra sobre os conflitos em 2019 mostram aumento de 16% no número de despejos judiciais; Mato Grosso tem maior número de famílias despejadas; Paraná detém o maior aumento no número de conflitos entre os estados

Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

O número recorde de conflitos no campo sob o governo de Jair Bolsonaro não se resume à perseguição e assassinato de líderes. Lançado na última sexta-feira (17), o caderno Conflitos no Campo 2019, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostra um crescimento expressivo na violência contra a ocupação e posse de terras por camponeses, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

Em todo o país, foram registrados 1.254 conflitos por terra, um aumento de 12% em relação a 2018 nos casos de ameaças de despejo judicial,  tentativas de expulsão por entes privados e novas ocupações. É o maior número de ocorrências desde 2016.

Destas, 106 resultaram em ações de reintegração de posse, que removeram, com aparato policial, 10.362 famílias. O número é 16% maior que 2018, quando 91 despejos judiciais foram efetuados.

O primeiro ano do governo Bolsonaro também teve o maior número de hectares em conflito: 53 milhões de hectares, uma área equivalente ao território da Bahia. Um cenário preocupante em 2020, em contexto de pandemia, como mostramos nesta reportagem: “Covid-19: defensorias de oito estados e DF tentam barrar despejos“.

AMEAÇAS DE DESPEJO DISPARAM NO PARANÁ

Entre as unidades federativas, o Maranhão lidera o ranking de 2019, com 174 conflitos por terra, seguido por Pará, 150, e Bahia, 139. O estado governado por Flávio Dino (PCdoB) é alvo de críticas de defensores de direitos humanos pela violência empregada em reintegrações de posse, como a expulsão de 21 famílias da comunidade Cajueiro, na capital São Luis, em agosto, pressionadas pela construção de um porto graneleiro de capital chinês.

Em relação ao número de famílias despejadas, a lista é encabeçada por Mato Grosso (3.359 famílias), São Paulo (1.175), Bahia (1.061), Amazonas (900) e Rondônia (864). Juntas, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste respondem por 81% do total de famílias removidas de áreas ocupadas no ano passado, em grande parte vivendo próximas a fronteiras agropecuárias, como o Matopiba e os estados que compõem o novo Arco do Desmatamento.

O maior aumento, no entanto, fica com o Paraná, do governador Ratinho Jr. (PSD), cujos episódios de ameaça de despejo ou expulsão saltaram de 17, em 2018, para 72, em 2019. Entre eles, há episódios marcados pela violência estatal, como a reintegração de posse do acampamento Companheiro Sétimo Garibaldi, em Querência do Norte.

Em 3 de dezembro, cerca de 150 policiais militares, com apoio de drones e helicóptero, atacaram com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e spray de pimenta cerca de 50 famílias de agricultores que ocupavam a área havia um ano e meio, exigindo sua destinação à reforma agrária. A ação foi realizada à revelia do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que, horas antes, havia suspendido a ordem de reintegração de posse.

‘ARTICULAÇÃO ENTRE EXECUTIVO E JUDICIÁRIO LEGITIMA CONFLITOS’

Se, por um lado, os dados da CPT mostram uma redução de 20% nas ocorrências de expulsão concretizadas por entes privados (16 em 2019, contra 20 em 2018), houve um aumento preocupante no número de casos de pistolagem. Ao todo, foram 10.171 episódios envolvendo uso de arma de fogo, o que representa 59% das tentativas ou ameaças de expulsão, 553 casos a mais do que no ano anterior. O levantamento aponta também 1.826 casas e 2.212 roças destruídas durante essas ações.

Para Maíra Moreira, assessora jurídica da Terra de Direitos, a atuação do Estado nos despejos colabora para acirrar os conflitos no campo. “Embora existam mecanismos de mediação, como no caso do Paraná, temos uma ação das forças policiais em operações de despejo e reintegrações de posse que legitimam o proprietário a acirrar os conflitos pela posse de terras”.

Para a especialista, a esse quadro soma-se uma tendência de setores do Judiciário em sobrepor o direito à propriedade à função social da terra. “É uma posição que acirra esses conflitos e, ao mesmo tempo, vulnerabiliza trabalhadoras e trabalhadores rurais, comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas”, afirma. “Essa articulação entre Executivo e Judiciário, tanto estadual como federal, legitima conflitos com populações mais vulneráveis”.

Despejo do acampamento Beleza, em Aliança (PE). (Foto: MST-PE)

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