Nota: Mobilização Nacional Indígena Exige Medidas Urgentes em Defesa da Saúde e da Vida dos Povos Originários do Brasil

A nota publicada nesta segunda, 27, denuncia o governo brasileiro por não adotar medidas sanitárias de forma planejada para enfrentar a grave ameaça da covid-19 nas comunidades

Cimi

No Brasil, assim como em todo o mundo, a covid-19 afeta dramaticamente a vida das pessoas. Preocupa-nos, em especial, a situação dos povos originários, que sofrem os efeitos de uma história de mais de 500 anos com processos de genocídios, muitos causados com a disseminação de vírus entre suas populações, de violências e de negação de direitos fundamentais à terra e à diferença. O coronavírus surge como um grave problema que vem se somar aos demais que que os povos indígenas enfrentam cotidianamente.

A situação de alerta e de risco à vida que enfrentada nestes tempos de pandemia é agravada pela omissão e negligência criminosa dos gestores do Estado, que não demarcam e regularizam os territórios indígenas e que permitem as invasões dessas terras. E essa parece ser uma tendência crescente, fruto da lógica que orienta as políticas do governo brasileiro para os povos indígenas, para os quilombolas e outras comunidades tradicionais.

No que se refere às ações e serviços em saúde, notamos uma evidente intencionalidade do governo Bolsonaro de impedir que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, que tem por base os Distritos Sanitários Especiais, funcione e assim justificar a sua substituição por ações paliativas a partir de uma perspectiva de municipalização ou privatização da atenção à saúde indígena.

Os povos indígenas e suas organizações, neste período de pandemia, denunciam que o governo brasileiro não adota medidas sanitárias de forma planejada para enfrentar a grave ameaça da covid-19 dentro das comunidades. Isso se torna evidente com a falta de profissionais em saúde – especialmente médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e epidemiologistas -, a ausência de infraestrutura para atendimento nos postos de saúde, em polos-base, a precariedade dos equipamentos para o enfrentamento de endemias e epidemias. A chegada da covid-19 também evidencia as frágeis estruturas de comunicação e de informação, mostra que as medidas de esclarecimento e outras ações foram tomadas tardiamente junto às populações indígenas, quanto a essa pandemia, ficando a atribuição sob a responsabilidade dos agentes de saúde indígena e lideranças regionais ou locais do movimento indígena.

Para além, trata-se de um grande absurdo a notificação de casos de doentes e óbitos de indígenas não serem notificados, sendo considerado apenas o Boletim Epidemiológico da Sesai, que exclui 40% da população indígena, que se encontra fora de seus territórios. Tal subnotificação condiz com o estado de invisibilidade que os governos insistem em dar aos povos indígenas quanto aos seus direitos.

Denunciamos também que a pandemia afeta dramaticamente os povos que não têm terras demarcadas, que estão há muito tempo em situação de vulnerabilidade, pois lhes falta saneamento básico, água potável, alimento, espaço para sustentar adequadamente suas formas de vida. Há situações em que famílias não têm o que comer, pois o governo federal determinou que a Funai não preste assistência em terras não regularizadas ou naquelas em que os povos indígenas lutam por demarcação.

Diante deste contexto, de extrema gravidade, exigimos do governo federal:

  1. A imediata demarcação, regularização, fiscalização e proteção de todas as terras indígenas;
  2. A revogação do Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União;
  3. A retirada de todos os invasores de terras indígenas – garimpeiros, grileiros, madeireiros, fazendeiros – dado que eles são agentes propagadores de doenças e em especial, neste momento, da covid-19; e constituem um grave risco para todos os povos, em especial os povos indígenas voluntariamente isolados.
  4. A adoção de medidas que restrinjam o acesso de pessoas estranhas nas comunidades indígenas, dentre eles garimpeiros, comerciantes, madeireiros, bem como de grupos religiosos fundamentalistas proselitistas que propagam, nas terras indígenas, a demonização de modos de vida, espiritualidades, saberes tradicionais, formas de tratar as doenças;
  5. A implementação de ações que visem garantir saneamento básico, água potável, habitação adequada e demais equipamentos que assegurem boa infraestrutura sanitária nas comunidades;
  6. A adoção de medidas que garantam boa situação nutricional em todas as comunidades indígenas;
  7. A viabilização de ingresso e permanência das equipes de saúde em área, assegurando-se com isso, que as ações de prevenção e proteção a pandemia sejam efetivas e continuadas;
  8. A infraestrutura e logística adequadas para as equipes de saúde, destinando-lhes todos os equipamentos necessários para o desenvolvimento das ações de proteção e prevenção às doenças, tais como medicamentos, soros, luvas, máscaras, transporte, combustível;
  9. A garantia de que haja, para além das comunidades – nos municípios e capitais – hospitais de referência para o atendimento de média e alta complexidade, onde se poderá realizar exames clínicos e promover adequada internação para tratamento dos doentes da covid-19 e de outras doenças;
  10. A destinação de recursos financeiros para a aquisição de materiais de proteção para todas as pessoas das comunidades indígenas, tais como água limpa, sabão, água sanitária, álcool gel, luvas e máscaras, bem como que haja a adequada orientação das pessoas quanto a uso e sua importância neste período de pandemia;
  11. A capacitação dos agentes indígenas de saúde, dos agentes sanitários e ambientais, das parteiras e de todos os que atuam na área da saúde, dentro das comunidades, tendo em vista a proteção e prevenção da covid-19;
  12. A imediata contratação de profissionais em saúde – médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, epidemiologistas – para atuarem em áreas indígenas, compondo e ampliando as atuais equipes de saúde;
  13. A contratação, de imediato, de testes, para realização de exames da covid-19 em todas as comunidades, em todas as pessoas, para com isso se obter um diagnóstico efetivo sobre a atual situação da pandemia dentro das terras indígenas e aprimorar as ações quanto a sua prevenção, controle e tratamento;
  14. A subnotificação de indígenas deve ser interrompida, pois todos os agravos de indígenas devem sejam notificados, como um todo, independente de estarem em Terras Indígenas regularizadas, ou não. Que o Ministério da Saúde e o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública garantam que o Boletim Epidemiológico da Covid-19 inclua todos os casos de contaminação e óbitos de todos os indígenas, inclusive a fim de apoiar a inclusão de dados que orientem as políticas públicas;
  15. A formação de um Comitê de Crise Interinstitucional, com assentos assegurados para os povos indígenas, nomeados pela APIB, para definição das estratégias de proteção dos povos indígenas, visando o monitoramento conjunto de ações de proteção territorial, segurança alimentar, auxílios e benefícios, insumos e protocolos contra transmissão, para todos os povos indígenas. Este Comitê não se confunde com o Comitê de Crise Nacional, o qual envolve unicamente a Secretaria Especial de Saúde Indígena, e exclui cuidados junto aos indígenas fora das Terras Indígenas.
  16. Que A Funai e a Sesai, assim como as Coordenações Regionais da Funai e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) sejam incorporados nos Centros de Operações de Emergência em Saúde Pública em níveis nacional, estaduais e municipais;

A Mobilização Nacional Indígena, neste contexto de pandemia, exige responsabilidade do governo federal para que passe a assumir seu dever constitucional de proteger e promover, de forma específica e diferenciada, a saúde dos povos originários no Brasil, incluído os indígenas que moram nas cidades cujos casos de contaminação não estão sendo contabilizados pelo fato de não morarem nos seus territórios ou aldeias.

Brasília – DF, 27 de abril de 2020.

ASSINAM A PRESENTE NOTA:

APIB-Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

APOINME- Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

Arpinsul- Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul

Arpinsudeste- Articulação dos povos Indígenas da Região Sudeste

Aty Gussu- Grande Assembleia do Povo Guarani e Kaiowá

Conselho do Povo Terena

COIAB- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

Yvy Rupã – Organização do Povo Guarani

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CTI- Centro de Trabalho Indigenista

INA – Indigenistas Associados

ISA – Instituto Socioambiental

INESC – Instituto de Estudos Sociais e Econômicos

IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil

IEPE- Instituto de Pesquisa e Formação Indígena

Uma Gota No Oceano

ISPN- Instituto Sociedade, População e Natureza

RCA – Rede de Cooperação Amazônica

Greenpeace Brasil

OPI – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato

A presente nota está aberta para demais adesões.

Povos indígenas estão desassistidos e isso poderá motivar a saída das aldeias em busca de alimentos e remédios. Crédito da foto: Matheus Alves/MNI

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