Símbolo da ditadura e alvo de seis denúncias, Curió ‘pousa’ no Palácio do Planalto. MPF não comenta

As pessoas têm medo dele até hoje, diz representante do Instituto Vladimir Herzog

Por Vitor Nuzzi, da RBA

São Paulo – Objeto de seis denúncias do Ministério Público Federal (MPF), o coronel da reserva Sebastião Curió, 81 anos, foi recebido ontem por Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto e provocou nova onda de indignação. Para Lucas Paolo Vilalta, do Instituto Vladimir Herzog, por exemplo, o episódio é mais uma demonstração de que o governo tem uma “política de morte”, contrariando as funções básicas do Estado. Assim, não à toa o presidente recebeu “um dos maiores assassinos da história deste país”, conforme define Lucas ao repórter Glauco Faria, em entrevista à Rádio Brasil Atual nesta terça-feira (5).

Desde 2012, a Força-Tarefa (FT) Araguaia, do MPF, apresentou nove denúncias relativas a crimes cometidos por agentes do Estado durante a Guerrilha do Araguaia, na primeira metade dos anos 1970. Seis pelo assassinato de nove militantes, duas por sequestro e carcere privado de seis vítimas e uma por falsidade ideológica. Curió foi acusado em seis dessas denúncias. Sobre a visita de ontem, o Ministério Público disse que não irá comentar.

Em 30 de agosto de 2012, o militar foi denunciado pelo desaparecimento de Hélio Luiz Navarro de Magalhães, Maria Célia Corrêa, Daniel Ribeiro Callado, Antônio de Pádua e Telma Regina Cordeiro Corrêa. O MPF lembra que ele se tornou o primeiro réu do país por crimes contra a ditadura. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) concedeu habeas corpus a Curió, e o processo parou, a Procuradoria recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e aguarda julgamento.

Denúncias rejeitadas

Em 29 de janeiro de 2015, nova denúncia, agora pela ocultação dos cadáveres de André Grabois, João Gualberto Calatrone e Antônio Alfredo de Lima. Em março daquele ano, a Justiça Federal em Marabá (PA) rejeitou a denúncia, e o MPF também recorreu, ao TRF1.

Depois, em 18 de março de 2019, a denúncia dos procuradores foi pelo assassinato, tortura e ocultação de cadáveres de Cilon da Cunha Brum e Antônio Teodoro de Castro. A Justiça Federal de Marabá também rejeitou, e o caso está pendente.

Ainda no ano passado, em 16 de dezembro, o militar foi denunciado pela morte e ocultação do corpo de Osvaldo Orlando da Costa. O processo, na 1ª Vara Federal de Marabá, aguarda decisão. Dois dias depois, o MPF ofereceu denúncia pelo assassinato e ocultação do cadáver de Lúcia Maria de Souza, rejeitada pelo Judiciário no último dia 22. Também nesse caso, a Procuradoria apresentou recurso.

Por fim, em 19 de dezembro, houve denúncia pela morte de Dinaelza Soares Santana Coqueiro. A 2ª Vara Federal de Marabá mais uma vez rejeitou, e o MPF aguarda decisão sobre recurso.

Fora da agenda

O encontro na manhã de ontem, que durou aproximadamente meia hora, não estava na agenda oficial. Foi revelado pelo repórter Rubens Valente, do portal UOL, e incluído apenas à noite. Também estava presente Sebastião Curió Júnior, filho do militar, e Léo Índio, sobrinho de Bolsonaro e assessor do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), que divulgou fotos da visita.

Para Lucas Vilalta, que coordena a área de memória, verdade e justiça do IVH, com o fato é possível traçar um paralelo com a política do governo contra o coronavírus. “É uma politica que não se preocupa com a função primordial do Estado, o direito à vida, à saúde das pessoas, a uma vida plena, ao trabalho, às mínimas condições para minimizar a desigualdade.”

Durante a entrevista, ele contou ter ouvido vários relatos sobre “atrocidades” cometidas durante o período do Araguaia – e pelo personagem conhecido como “major Curió”. “Ainda hoje, esse é um dos caras mais temidos daquele lugar. As pessoas não ousam falar o nome, ainda vivem num regime de medo ainda. É sinal dos tempos que a gente está vivendo. Não só a apologia da tortura vai ser feita, como a promoção de um genocida.”

Serra Pelada

Ainda durante a ditadura, Sebastião Curió Rodrigues de Moura foi nomeado interventor no garimpo de Serra Pelada. Posteriormente, em 1982, elegeu-se deputado federal pelo PDS (herdeiro da Arena, partido de sustentação do regime autoritário) e prefeito da cidade que leva seu nome, Curionópolis, também no Pará, emancipada em 1988.

Para o representante do IVH, não se pode mais tolerar as atitudes do presidente da República. “Não tem capacidade, sanidade, para ocupar o posto que ocupa. A gente precisa estar atento e forte, e ter a memória cada vez mais viva”, afirmou.

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