Fernanda Marques, Fiocruz Brasília
Profissionais de saúde que atuam em territórios indígenas e também aqueles em contato direto ou indireto com usuários indígenas na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) contam com uma cartilha que reúne e discute aspectos primordiais sobre saúde mental e psicossocial desta população. A cartilha compõe a série Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia Covid-19, elaborada por pesquisadores colaboradores do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes/Fiocruz), sob coordenação de Débora Noal e Fabiana Damásio, diretora da Fiocruz Brasília.
“Planejar uma estratégia e realizar atendimento psicossocial em situações de emergência requer um primeiro momento de reflexão e análise ética e metodológica. Isso implica reconhecer que as comunidades indígenas, além da situação de pandemia, já vivem em um contexto em que são ameaçadas diariamente, não apenas em sua saúde psicossocial, mas, em geral, em seu bem-estar ou bem viver”, sublinham os autores da cartilha. De acordo com os pesquisadores, são vários os desafios na consolidação da cidadania, da equidade, da justiça social e dos direitos humanos para estes povos.
Eles representam significativa diversidade sociocultural: em nosso país, são 305 grupos étnicos, falantes de 274 línguas diferentes, com modos singulares de se organizar e viver. São grupos populacionais que se encontram em diferentes conjunturas e espaços, desde os isolados, há pouco tempo em contato com a sociedade envolvente, até os que residem em centros urbanos e ocupam espaços marginalizados, pela ausência de território ou porque tiveram seus territórios invadidos. “Estas realidades plurais dialogam com uma série de violências que a população indígena enfrenta desde a ‘invasão do Brasil’, sendo expostos a genocídios, ecocídios, violações de direitos humanos e ausência de políticas públicas. Neste sentido, o atual cenário da pandemia da covid-19, que representa uma ameaça mundial, acena um alerta para as tratativas de atenção à saúde dos povos indígenas, diante das singularidades socioculturais desta população e das fragilidades da assistência nas mais diferentes esferas governamentais”, analisam os pesquisadores.
A cartilha, primeiramente, aborda o direito à saúde dos povos indígenas no Brasil para, em seguida, compreender as questões da atenção à saúde mental e psicossocial deste povos. “Cabe refletir sobre os processos de subjetivação das sociedades coletivas, as que diferem da sociedade em geral por sua significativa relação com o ambiente em que vivem, as que norteiam sua espiritualidade e visão de mundo adotando concepções particulares quanto à noção de pessoa e às concepções de corpo/mente”, propõem os autores. “É necessário abandonar a dimensão restritiva e exclusiva do ‘mental’ e abrir-se a uma estratégia que incorpore a esta o social, o cultural e o cosmológico como dimensões que também precisam ser consideradas”, acrescentam.
Os pesquisadores destacam que, no enfrentamento da pandemia, as comunidades indígenas “implementam suas próprias estratégias de promoção da saúde psicossocial, relacionadas à manutenção de aspectos culturais de suas vidas diárias e cotidianas, e isso deve ser respeitado e considerado em primeiro plano”. O grande desafio, contudo, é que muitas dessas estratégias – como rezas, danças, rituais etc. – são práticas coletivas e estão suspensas em função da exigência do isolamento social. “Sem muitas possibilidades de contato direto e pessoal, torna-se imperativa a busca por meios alternativos de contato. O uso de redes e veículos digitais pelas comunidades está aumentando e o fortalecimento desses meios deve ser promovido nas estratégias que buscamos nesse novo contexto. O contato à distância exige maior sensibilidade na escuta, em especial, ouvir a partir do lugar das próprias interpretações e cosmologias das comunidades contactadas nesse contexto de emergência”, recomendam os autores.
Ao final da cartilha, os profissionais irão encontrar cerca de 30 recomendações, apresentadas de forma sistematizada. Entre elas, construir com os indígenas e órgãos competentes alternativas de renda e segurança alimentar; auxiliar na construção de alternativas de comunicação entre os parentes de comunidades distantes; e buscar compreender as especificidades culturais do paciente e elaborar conjuntamente as estratégias de cuidado, tanto durante a internação quanto no retorno à comunidade. A cartilha destaca, ainda, que “a saúde é sempre integral; portanto, se não houver cuidado, respeito e valorização dos aspectos culturais, o adoecimento socioemocional decorrente destas faltas tende a agravar os quadros clínicos da Covid-19”.
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