A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), uma articulação descentralizada, não-hierárquica e de abrangência nacional, com objetivo de promover o debate político-jurídico, a prestação de assessoria jurídica aos movimentos sociais e o resgate da utopia da advocacia voltada ao interesse das causas populares1, vem, respeitosamente, perante Vossas Excelências, manifestar sua posição sobre o julgamento da medida liminar que suspendeu o Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU, nos seguintes termos.
O Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU, emitido pela AGU e aprovado pelo governo do Presidente Michel Temer, intenta vincular toda a administração pública federal, direta e indireta, ao que teria decidido o Supremo Tribunal Federal na Pet. 3.388/RR (caso Raposa Serra do Sol). Em sua interpretação, a AGU defende que a tese do marco temporal, que sequer foi aplicada no próprio caso Raposa Serra do Sol, limita os direitos indígenas às posses das áreas ocupadas no dia 05 de outubro de 1988, data
da promulgação da Constituição Federal de 1988, ao tempo em que busca impor efeito vinculante às 19 condicionantes fixadas exclusivamente para o julgamento do caso Raposa Serra do Sol.
Visando restabelecer os direitos Constitucionalmente assegurados, a Comunidade indígena Xokleng, Kaingang e Guarani, litisconsortes nos autos de repercussão geral, com apoio de organizações indígenas, indigenistas e de outras comunidades indígenas acolhidas na qualidade de amicus curiae, propuseram medida cautelar incidental no RE-RG 1.017.365 SC, requerendo fosse suspenso o Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU e os processos judiciais em curso, notadamente ações possessórias, anulatórias de processos administrativos de demarcação, bem como os recursos vinculados a essas ações até julgamento final da Repercussão Geral, nos termos do art. 1.035, §5º do CPC – excluindo-se as ações judiciais movidas com a finalidade de reconhecer e efetivar os direitos territoriais dos povos indígenas.
A propositura visou que se possa dar segurança e estabilidade jurídica às partes e comunidades indígenas que aguardam as demarcações de suas terras tradicionalmente ocupadas. Foi argumentado, também, sobre a situação vivenciada no Brasil e no mundo em decorrência da pandemia de coronavírus (COVID-19), conforme declaração pública da Organização Mundial da Saúde – OMS, de 11 de março e das consequências para os povos indígenas.
No mesmo sentido, a Defensoria Pública da União (DPU) peticionou no RE-RG Nº 1017365, requerendo a qualidade de amicus curiae e a suspensão dos efeitos do Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU, através de Tutela Provisória Incidental.
No dia 6 de maio de 2020, o Ministro Edson Fachin determinou a “suspensão nacional dos processos judiciais, notadamente ações possessórias, anulatórias de processos administrativa de demarcação, bem
como os recursos vinculados a essas ações, sem prejuízo dos direitos territoriais dos povos indígenas, modulando o termo final dessa determinação até a ocorrência do término da pandemia da COVID-19 ou do julgamento final da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365, o que ocorrer por último, salvo ulterior decisão em sentido diverso”.
No dia 7 de maio de 2020, em nova decisão, o Ministro Edson Fachin concedeu a tutela provisória incidental requerida “a fim de suspender todos os efeitos do Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU até o final do julgamento de mérito do RE 1.017.365”. Na mesma decisão, determinou à FUNAI que se abstenha de rever processos administrativos de demarcação de terras indígena, com base no Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU até o julgamento da repercussão geral”.
Em sua decisão, o Ministro Edson Fachin determinou ainda a inclusão em plenário virtual para exame do referendo da liminar. O julgamento virtual foi agendado para ser iniciado no dia 22/05/2020.
Sobre o julgamento a ser realizado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a Comunidade indígena tem a dizer que o Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU vem sendo utilizado pela FUNAI como fundamento para deixar de promover a defesa judicial de seus atos administrativos, abandonando processos, bem como para anular processos administrativos de demarcação e delimitação que tramitam no poder Executivo há anos ou décadas.
Isso significa que se o Parecer da AGU continuar sendo utilizado pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, como vinha ocorrendo, dezenas de Comunidades indígenas podem ser expostas á muitas violências física e cultural e ter sua subsistência comprometida. No mesmo sentido, muitas Comunidades indígenas podem ser forçadas a deixar suas terras tradicionais onde estão estabelecidas há muito tempo e ficar sem destino.
Ademais, bom é dizer que as Comunidades indígenas encontram-se inseridas no grupo de risco da COVID-19 e permanecem em isolamento em suas aldeias para evitar o contágio da epidemia que se alastra por todo o país.
Diante do julgamento do caso pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a RENAP manifesta sua posição pela manutenção da decisão do Ministro Edson Fachin para manter suspenso o Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU, até o julgamento do mérito do RE 1.017.365 (Tema 1031), já reconhecido como de repercussão geral, para a segurança e estabilidade jurídica das Comunidades indígenas de todo o Brasil.
Nestes termos, Pede deferimento.
Brasília, 22 de maio 2020.
Nota:
1 https://www.renap.org.br/blank
Assinam:
Alessandra Farias Pereira
OAB/DF 57.092
Adalene Ferreira Figueiredo da Silva
OAB/RS 107.645
Rodrigo de Medeiros Silva
OAB/RS 102235A
OAB/CE 16193
Mariana Mei de Souza
OAB/DF 53.390
OAB/SP 174.581
Luiz Henrique Eloy Amado
OAB/MS 15.440
Antônio Fernandes de Jesus Vieira
OAB/BA 31.615
Isabella Cristina Lunelli
OAB/SC 45.167
Erina Batista Gomes
OAB/PA 15.601
Marcilene Aparecida Ferreira
OAB/DF 63.541
Jucimara Garcia Morais
OAB/MS 10.087
Carlos Eduardo Lemos Chaves
OAB/BA 16.4630
Emiliano Maldonado
OAB/RS 82.227
Pedro igolin Neto
OAB/RS 100.698
Paulo Freire
OAB/DF 50.755
Denise da Veiga Alves
OAB/DF 24.399
Carlos Eduardo Lemos Chaves
OAB/BA 16.430
Lethicia Reis Guimarães
OAB/MG 180.215
Dailor Sartori Junior
OAB/RS 78.906
Bruna Medeiros Bolzani
OAB/RS 112239
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.