A pandemia veio apenas para agravar a desigualdade social e o auxílio emergencial deixa ainda mais clara a necropolítica
Yanne Teles*, Brasil de Fato
Recentemente foi lançado o Auxílio Emergencial, um benefício financeiro destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados, que tem como objetivo garantir uma renda mínima aos brasileiros em situação mais vulnerável durante a pandemia da covid-19.
Esses trabalhadores vulneráveis, por meio de um aplicativo em telefone móvel, inserem seus dados e se candidatam a receber o auxílio emergencial de R$ 600,00, que será pago por três meses, para até duas pessoas da mesma família.
Todo procedimento para receber o auxílio é por meio do dito aplicativo. Quem estava no Cadastro Único até o dia 20 de março, atendendo a todas as regras do Programa, recebe o benefício sem precisar se cadastrar. e as pessoas que não estavam no Cadastro Único até a data mencionada, mas que têm direito ao auxílio, poderão também fazer o cadastro.
Pode receber o auxílio a pessoa que cumpra os requisitos exigidos: ter 18 anos de idade ou mais, ter renda mensal de até meio salário mínimo ou ter renda mensal de até três salários mínimos por família e não ter sido obrigada a declarar Imposto de Renda em 2018, ter recebido até 28.559,70 em rendimentos tributáveis no ano de 2018.
Nesta renda familiar, serão considerados os rendimentos obtidos por todos os membros da mesma residência, salvo o dinheiro do Bolsa Família que não entra nesta conta. Também, duas pessoas da mesma família podem receber o benefício, sendo o auxílio permitido de 1.200 reais por família. A mulher, a chefe de família, pode receber 1.200 reais. Já os beneficiários do Bolsa Família podem receber por três meses o auxílio, se o valor for maior. E por fim, o auxílio não vale para quem tem carteira assinada ou é servidor público.
É certo que os procedimentos e os requisitos foram divulgados. No entanto, um auxílio que deveria atender às pessoas que mais precisam, como bem denomina o governo, os vulneráveis”, chegar em lugares onde o vírus é mais perverso, não está chegando, justamente pela situação precária que vivem essas pessoas.
As exigências cadastrais como o uso do celular, por exemplo, para se conseguir baixar o aplicativo, são hoje os empecilhos para que este benefício alcance as pessoas que sequer têm água na torneira de casa e nem tampouco sabão para fazer sua higiene e enfrentar a pandemia, quanto mais ter um aparelho celular e saber manuseá-lo e executar esse tipo de transação digital.
Essas pessoas vivem à margem, já morrem todos os dias pela miséria, pela violência, pela fome, pela falta do olhar desse sistema de privilégios em que vivemos, dessa visão rentista e liberalizante da vida, em detrimento de quem é invisível socialmente, em benefício da força do mercado.
A pandemia veio apenas para agravar a situação de crise em que já vivem essas pessoas e o auxílio emergencial parece deixar ainda mais clara a necropolítica. O governo adotando políticas de controle social, exercendo este poder sobre a mortalidade, definindo quem importa e quem não importa, quem é “descartável” e quem não é. Relativizando a gravidade da situação, deixando a população racializada, jogada à própria sorte. Seja pela falta de acesso a mínima ajuda emergencial ou a existente e constante falta de acesso ao sistema de saúde e saneamento básico.
*Yanne Teles é professora, advogada e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Edição: Rodrigo Chagas
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Imagem: Milhares de pessoas que vivem à margem, já morrem todos os dias pela miséria, pela violência, pela fome – Foto: Paula Cavalcanti