Damares diz ter feito ação sigilosa com generais para apurar “contaminação criminosa” de indígenas

Ministra e órgãos de defesa dos povos originários já eram questionados por omissão; ela afirma ter feito a apuração no Amazonas e Roraima para investigar o que seria uma estratégia da esquerda de “dizimar aldeias para colocar nas costas de Bolsonaro”

Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, acusou “a esquerda”, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril, de “contaminação criminosa” de indígenas por coronavírus. O vídeo da reunião foi divulgado pelo ministro Celso de Melo, do STF, na última sexta-feira (22), como parte das investigações sobre a denúncia do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro teria tentado intervir na Polícia Federal para obter informações privilegiadas sobre investigações contra seus familiares e amigos.

Segundo Damares, o objetivo seria “dizimar aldeias e povos inteiro pra colocar nas costas do presidente Bolsonaro”. A ministra citou duas vezes, como prova do suposto sucesso de sua política indígena, que a primeira morte de um indígena teria acontecido no dia 12 de abril. Na verdade, a primeira morte contabilizada de um indígena em consequência do coronavírus foi no dia 9 de abril, um Yanomami de 15 anos.

No dia da fala da ministra já eram nove mortes, segundo levantamento feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Na época da primeira morte oficialmente registrada, organizações como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontavam a subnotificação de casos nas aldeias. O Ministério Público Federal chegou a abrir uma investigação sobre duas mortes não notificadas.

MINISTRA ESTEVE, DE FATO, EM RORAIMA E AMAZONAS

A ministra foi mais longe. Afirmou que esteve na Amazônia com “o presidente da Funai e o secretário Nacional de Saúde Indígena para acompanhar o primeiro óbito”. Ela se refere à Fundação Nacional do Índio e ao chefe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde — ele, um coronel.

Segundo ela, a viagem foi feita porque receberam “a notícia que haveria contaminação criminosa em Roraima e Amazônia, de propósito, em índios, pra dizimar aldeias e povos inteiros pra colocar nas costas do presidente Bolsonaro”.

Ela disse ainda, na reunião do dia 22 de abri, que se reuniu “com generais da região e o superintendente da Polícia Federal, pra gente fazer uma ação ali meio que sigilosa, porque eles precisavam matar mais índio pra dizer que a nossa política não tava dando certo”.

A ministra viajou de fato para Roraima e Amazonas no dia 12 de abril, dias depois da morte do jovem indígena, ocorrida em Roraima. Ela passou seis horas e meia no primeiro estado e outras duas horas e meia no segundo, segundo dados da Força Aérea Brasileira.

A reunião dela anterior com o presidente da Funai foi no dia 19 do mês anterior, ao meio-dia, no próprio ministério.

PASTA EMPENHOU APENAS MIL REAIS PARA AJUDAR INDÍGENAS

Assim como Damares, o presidente da Funai é uma figura no mínimo controversa. Delegado da Polícia Federal, Marcelo Augusto Xavier da Silva é próximo dos deputados da bancada ruralista. Ele teve sua atuação como policial investigada em duas apurações internas da PF e chegou a ser afastado de uma operação em terra indígena.

Silva foi reprovado em uma primeira avaliação psicológica para ingressar na polícia e foi acusado pelo próprio pai de agressão.

Em Boa Vista, segundo reportagens locais, Damares esteve com o governador Antonio Denarium (PSL) e o general Antonio Manoel Barros. Eles visitaram sede da Operação Acolhida, onde militares cuidam de imigrantes venezuelanos. A ministra também visitou a sede estadual da Funai.

Em Manaus, a ministra se reuniu com o governador Wilson Lima (PSC) para discutir o atendimento à população indígena. No dia anterior, outras duas mortes de indígenas tinham sido contabilizadas oficialmente: um Tikuna de 78 anos e uma Kokama de 44.

Antes da reunião, Damares e os órgãos ligados à proteção indígena já vinham sendo questionados sobre uma possível omissão em meio à pandemia. No começo de abril, foram destinados R$ 10,8 milhões para a Funai o combate à pandemia entre as comunidades originárias. Duas semanas depois, nada havia sido empenhado.

Com R$ 45 milhões em caixa, Damares empenhou apenas R$ 1.059,00 para o tema. Por isso, o Ministério Público Federal entrou com um pedido de explicações. No dia da reunião, o Estadão mostrou que usou mais de R$ 1 milhão da verba emergencial para o combate à Covid-19 para comprar caminhonetes.

Não apenas a pandemia tem preocupado os indígenas. A crise na saúde pública aumentou as invasões ilegais de garimpeiros, madeireiros e grileiros a seus territórios. Outro grupo que tem usado o período para entrar ilegalmente em terras são os missionários evangélicos. A própria ministra é ligada a esses grupos, como já mostrou o De Olho nos Ruralistas: “ONG ligada à ministra Damares levou malária a indígenas isolados“.

PANDEMIA DISPAROU ENTRE INDÍGENAS NAS ÚLTIMAS SEMANAS

Esses grupos também têm como aliado o coordenador-geral de povos isolados ou recém-contatados da Funai, Ricardo Lopes Dias. Ele próprio um ex-missionário acusado de manipular indígenas e dividir aldeias.

Pouco mais de um mês depois da fala de Damares na reunião, os dados são preocupantes. A Apib divulgou que já são 130 mortes entre os indígenas, com uma taxa de mortalidade próxima de 12%, quase o dobro do registrado na população em geral.

Isso significa um aumento de 70% no número de mortos em duas semanas. Mais de 60 povos, em todas as regiões do país, já registraram casos de coronavírus.

Foto (Governo de Roraima): Damares durante visita ao estado, no dia 12 de abril

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