Pandemia entre indígenas já atinge os nove estados da Amazônia Legal

Após casos no Acre, somente Maranhão e Tocantins ainda não têm mortes por Covid-19 entre os povos originários; dados da Apib mostram que já são 75 etnias atingidas no Brasil, quatro vezes mais que no fim de abril 

Por Maria Fernanda Ribeiro, em De Olho nos Ruralistas

Os casos de contaminação pelo coronavírus entre indígenas já atingiram os nove estados que compõem a Amazônia Legal. Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Rondônia e Roraima têm ao todo 51 etnias atingidas pela Covid-19, com 996 casos confirmados. As informações são da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Maranhão e Tocantins são os únicos estados que não registram mortes entre indígenas na Amazônia. São 141 óbitos no total, sendo o Amazonas, o estado onde o sistema de saúde foi um dos primeiros a colapsar, a região mais crítica, com 104 mortes, seguido pelo Pará (23) e Roraima (9). No Acre são dois casos. Rondônia, Amapá e Mato Grosso registram um óbito cada.

O Acre registrou ontem as duas primeiras mortes, um do povo Jaminawa e outra da etnia Huni Kui. Também foi divulgada ontem a primeira morte de uma indígena do Vale do Javari, no Oeste do Amazonas. Ela estava internada em Manaus desde novembro para tratamento de um tumor. O Vale do Javari é onde está concentrado o maior número de indígenas isolados do mundo.

DISTÂNCIA DAS ALDEIAS É FATOR AGRAVANTE

O povo Kokama é, disparado, o que mais tem sentido os impactos da pandemia, com 51 mortes, seguido pelos Tikuna com 12 mortes. Foi entre os Kokama o primeiro registro de contaminação no Brasil entre os povos indígenas, após o contato com um médico que voltou de férias e foi trabalhar sem ser testado. No início do mês eles fizeram um alerta sobre o estado de emergência: “Povo Kokama pede socorro e diz que mortos pela Covid-19 estão sendo registrados como pardos“.

Segundo dados da Rede de Apoio Mútuo Indígena no Sudoeste do Pará, há 102 casos confirmados e oito óbitos somente nessa região, atingindo quatro Terras Indígenas. As aldeias da Amazônia Legal estão, em média, a 315 km de um leito de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS)

De acordo com informações publicadas em reportagem do InfoAmazônia, resultado de um cruzamento de dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde com a localização das aldeias amazônicas disponibilizadas no sistema da Fundação Nacional do Índio (Funai), mais da metade (58,9%) das 3.141 aldeias analisadas está a mais de 200 quilômetros de distância de uma UTI.

A maior parte delas, entre 200 e 700 quilômetros de distância. E em 10% das aldeias, a distância está entre 700 e 1.079 quilômetros. Para se ter uma ideia, a distância entre São Paulo e Brasilia, em linha reta, é de 873 quilômetros. De carro, mil.

COIAB APONTA CRESCIMENTO ‘DESENFREADO’

Os números da Coiab agrupam dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), boletins informativos e informações levantadas com líderes das comunidades, profissionais de saúde e organizações da rede criada pela coordenação indígena com o objetivo de registrar os casos que não entram nas estatísticas da Sesai, órgão ligado ao Ministério da Saúde e que não inclui nos dados os indígenas em contexto urbano.

A subnotificação tem gerado críticas de associações e entidades indígenas e da sociedade civil por não retratar com fidelidade a pandemia entre os povos originários.

Uma nota da Coiab informa que o crescimento de contaminados e de mortes pela doença está “desenfreado” e que os povos indígenas da Amazônia brasileira vivem uma situação de emergência jamais imaginada. Em todo o Brasil, de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, são 159 mortes, 1.604 infectados e 75 etnias atingidas. O Nordeste é a segunda região mais atingida, com nove mortes em Pernambuco e sete no Ceará.

No dia 27 de abril, há pouco mais de um mês, noticiamos que eram 18 as etnias atingidas, a partir de levantamento próprio. Uma semana depois, quando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coiab já contabilizavam os casos também por etnia, esse número tinha saltado para 29, conforme reportagem publicada no dia 06. A Sesai não faz essa contagem.

FLUXO ENTRE RURAL E URBANO É INTENSO

Associações indígenas pedem à Sesai um plano emergencial de apoio às comunidades, que atenda a demandas específicas de cada um dos territórios e povos e não um plano genérico, como o estabelecido até o momento. Enquanto o plano não vem, os indígenas têm realizado, por conta própria, diversas ações para impedir o avanço da pandemia nos territórios, como bloqueios sanitários e fechamento das aldeias.

No entanto, a necessidade de ida para as cidades em busca do auxílio emergencial tem sido consideradoaum dos principais fatores de transmissão, assim como a presença nos territórios de profissionais de saúde não testados para o coronavírus e que se transformam em agentes de contágio.

Uma publicação elaborada pelo Instituto Mamirauá, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a Universidade de Harvard, mostra que, embora sejam vistas como isoladas, as comunidades tradicionais e indígenas da Amazônia estão intensamente conectadas às áreas urbanas por meio da extensa rede hidrográfica da região, mantendo vínculos econômicos e de acesso a serviços públicos e privados essenciais.

O fluxo intenso entre as localidades rurais e as sedes municipais e a falta de infraestrutura de saúde básica adequada tornam as populações da Amazônia extremamente suscetíveis à Covid-19.

Foto principal: Laila Menezes/Cimi

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