No Pará, norte do Brasil, os ambientalistas sofrem ameaças e atrocidades, às vezes fatais. Na mira estão indígenas da Amazônia desmatada, quilombolas de zonas industriais poluídas, ativistas anti-hidrelétricas e camponeses sem terra.
por Corine Chabaud, em La Vie. Tradução de André Langer, em IHU On-Line
Ela conta sua história em voz neutra, sob o olhar benevolente de seu marido, em um escritório situado em Belém, a capital engarrafada do Pará. Bem longe de sua aldeia situada no coração da Amazônia, teve que fugir há um ano e meio. Ela fala sobre as ameaças de morte, sobre sua cabeça colocada a prêmio e sobre as intimidações. E conclui, em lágrimas: “Todos aqueles que continuaram nosso trabalho foram executados. Já são cinco mortos”. Osvalinda Marcelino Alves Pereira, 51 anos, e Daniel Alves Pereira, 48, são agricultores do Assentamento São Mateus, na Floresta Nacional do Trairão, sul do Pará. Em 1998, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) instalou ali, no meio da selva, famílias carentes. Ali, o casal construiu uma casa para morar com os dois filhos, em uma comunidade isolada.
Em 2000, Osvalinda assumiu o comando da associação de mulheres Areia II, preocupada com a agroecologia, culturas livres de pesticidas, no coração de uma natureza que conta com uma biodiversidade excepcional. Esses pequenos agricultores, convencidos da necessidade de proteger os ecossistemas, ousaram barrar o caminho dos fazendeiros. “Fomos contra a exploração ilegal de madeira, a agricultura intensiva e o trabalho escravo para o reflorestamento. Os fazendeiros nos viam como ativistas do meio ambiente: inimigos a serem mortos!”, relata a ativista de saúde frágil. O casal foi acusado de denunciar os desmatadores ao Ibama. Eles eram incorruptíveis, a ponto de recusar uma mala de ingressos em troca do fim da associação. A partir de então tornaram-se o alvo daqueles para quem a Amazônia rima com desfolhantes e tratores. Na cidade, Osvalinda soube que os traficantes de madeira haviam dado cada um o equivalente a 80 euros para matá-los, a ela e ao seu marido.
Acordaram com o barulho da picareta
No coração da cobiçada Amazônia, sua vida tornou-se infernal. O casal, depois de escapar por pouco da morte, viveu uma fuga rocambolesca dos pistoleiros. Ajudados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que apoia a população rural e combate a destruição do meio ambiente, Osvalinda e Daniel apresentaram uma queixa à Polícia Federal em Santarém.
Graças à CPT, o casal tentou retomar uma vida normal. Mas em cada reunião da associação, os pistoleiros desembarcavam. Até 20 de maio de 2018, quando o casal foi acordado de madrugada por um barulho de picareta: dois túmulos, encimados por cruzes, tinham sido cavados em seu jardim. Tiveram que capitular. Mudaram-se para Brasília, beneficiando-se de um programa federal para proteção dos defensores dos direitos humanos. Depois para Belém. Na cidade, perderam o rumo. Em meados de fevereiro, quando nos conhecemos, os “ativistas” ainda estavam sendo intimidados por telefone. Mas decidiram ir para casa, sob escolta policial: dois funcionários passariam a viver com eles constantemente.
“O maior crime para nós é a destruição da natureza, revelou Daniel. Nós fazemos parte da floresta, ela nos faz viver. Queremos continuar a protegê-la de seus inimigos”. “Em casa, pelo menos, produziremos nossos alimentos e viveremos perto dos nossos filhos, dos nossos 11 netos e dos amigos da comunidade, acrescentou Osvalinda. Mas estamos com muito medo. Porque, com Bolsonaro como seu aliado, os grandes fazendeiros superarmados são insuflados. Suas palavras ainda ecoam nos meus ouvidos: ‘Você vai morrer como Dorothy Stang!’”.
O Estado mais desmatado do Brasil
No norte do Brasil, o Estado do Pará é o mais desmatado do país. É também o mais perigoso para os defensores do meio ambiente. Cidades como Altamira, campeã do desmatamento, quebram recordes de violência. Dorothy Stang, religiosa católica americana, foi assassinada em Anapu (Pará) aos 73 anos de idade, em 12 de fevereiro de 2005. Membro da CPT, ela defendeu os pequenos agricultores contra os grandes proprietários de terras, grileiros e madeireiros ilegais que queimam as áreas desmatadas. Em 2020, as associações comemoram o décimo quinto aniversário de sua morte.
Antes de Dorothy Stang, Chico Mendes, que havia se tornado um modelo inspirador, tinha sido executado em 1988 em Xapuri, no Acre, sob as ordens de um rico proprietário de terras: esse seringueiro também lutara contra o desmatamento, fonte de destruição e liberação de estoques de carbono.
Após o assassinato da freira, o Brasil conheceu vários assassinatos de ativistas que, assim como ela, militavam pela preservação do “pulmão verde” do planeta. Até Zezico Guajajara, um indígena “Guardião da Floresta”, morto a tiros no dia 31 de março de 2020. Segundo a ONG Global Witness, em 2015, 50 ambientalistas foram mortos no Brasil. E 57 em 2017. No Pará, o segundo maior Estado do país, 16 ativistas foram assassinados em 2018 e 22 em 2017, incluindo 10 no massacre de Pau d’Arco, a 850 km ao sul de Belém. Em Anapu, em 2019, houve 20 assassinatos.
Números impressionantes, numa época em que a Amazônia continua sofrendo incêndios e saques. “Bolsonaro dá luz verde às máfias para destruir a Amazônia e não protege os ambientalistas”, disse Daniel Wilkinson, diretor de direitos humanos e meio ambiente da ONG Human Rights Watch (HRW), em um relatório documentado intitulado “Máfias da floresta tropical”, publicado em setembro de 2019.
Décadas de superexploração
Os estragos ecológicos na floresta amazônica começaram nos tempos da ditadura militar (1964-1985). O regime queria criar neste novo El Dorado polos de desenvolvimento. Por um pedaço de pão, distribuiu milhares de hectares de terra para grandes proprietários. É ao longo de décadas, portanto, que a imensa floresta tropical vem sendo superexplorada. Contrabandistas e fazendeiros são incentivados mais do que dissuadidos, ainda mais desde a eleição do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, cético climático aliado ao lobby da carne, para quem os interesses econômicos têm precedência. E aqueles que a defendem estão sob pressão. No norte da Amazônia, a algumas dezenas de quilômetros do Oceano Atlântico, a floresta foi substituída no final da década de 1970 pelo complexo industrial de Barcarena.
Hoje, a fundidora de alumínio norueguesa Hydro Alunorte, a maior do mundo fora da China, opera aí seus fornos enferrujados, perto da Imerys, uma multinacional francesa de processamento de caulim (argila). Com 2.200 funcionários, a Hydro produz milhões de toneladas de alumina. Aqui, os caminhões se cruzam em uma estrada esburacada, colorida de vermelho pelo minério. Nos terminais portuários vizinhos, gado vivo, soja transgênica e matérias-primas são transportados em navios de carga para outros continentes.
Regularmente, as barragens de retenção de rejeitos transbordam. Lençóis freáticos e rios são contaminados com efluentes ou a lama vermelha da Norsk Hydro. “Houve 26 acidentes industriais e crimes ambientais na área em 20 anos”, confirma Iury Paulino, gerente regional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O Procurador da República Ricardo Augusto Negrini, no exercício há três anos, está investigando esses crimes. Em seus sólidos estudos, o Instituto Evandro Chagas também demonstra que os rios e as correntes marítimas, entre Barcarena e Abaetetuba, estão poluídos com metais pesados, como após as chuvas de fevereiro de 2018: arsênico, mercúrio, urânio, cobre, etc. envenenam a água, que se tornou imprópria para o consumo e a pesca. Mas os habitantes, mesmo com o risco de afetar sua saúde, bebem-na.
Alguns assumem os riscos denunciando energicamente tanta poluição. Como Maria do Socorro, 56 anos, que se chama a si mesma de “Mary Help”, que mora no bairro muito atingido de Vila do Conde, em Barcarena. Descendente de escravos (quilombola), líder desde 2018 da associação Caiquiama, ela denuncia incansavelmente, inclusive perante as Nações Unidas quando é convidada, os danos ecológicos em sua terra natal. Sua casa está localizada perto da fundição de alumínio e de outras terras limpas, sujeitas à especulação imobiliária. Ela reivindica indenizações da empresa a serem pagas à população local como indenização pela contaminação. Na parada de ônibus ou no supermercado, a combativa Maria do Socorro “nunca se sente tranquila, como se estivesse constantemente sendo vigiada”. Dois membros de sua associação foram mortos recentemente, em circunstâncias muito confusas. Um dia, a polícia apareceu na casa dela sem aviso prévio. Certa de estar em seu direito.
Barragens ilegais e um gasoduto clandestino
“No rio, há pouquíssimos peixes, e seus olhos não são vivos. As palmeiras produzem menos açaí. Por que as barragens ilegais da Hydro Norte, e até seu gasoduto clandestino, continuam em operação? Eu protesto e recebo muito ódio em troca, porque gostaria de tirar dos ricos para dar aos pobres”, diz ela, enfrentando a corrupção dos políticos, regada pelas multinacionais. Em frente à barragem de retenção, quando as pick-ups dos vigias da Hydro Norte ou os veículos da polícia militar nos ultrapassam, ela acelera o passo.
Nesta região, perto do imenso delta do Amazonas, o litoral está devastado e desfigurado. O Pará busca expandir a zona industrial, apesar dos danos constantes, em uma zona cada vez mais populosa. Em outubro de 2015, um cargueiro com 5.000 vacas vivas e 750 toneladas de petróleo afundou em Abaetetuba: ele ainda está no fundo, com parte de sua carga.
Nosso guia local, Lorenzo Bezerra, agrônomo da Fase, que faz parte da rede CCFD-Terre Solidaire, nos leva à agora limpa praia de Beja, onde os brasileiros bebem água de coco, comem camarão e escutam samba nos fins de semana. O técnico, que em breve será engenheiro, fica triste com a devastação ambiental que resulta de uma política de expansão dos sistemas de produção em larga escala, com pouca preocupação com a ecologia. Na maior economia da América Latina, que possui a segunda maior área florestal do mundo, as lavouras estão substituindo a floresta, da soja às palmeiras para a produção do óleo de palma. “Antes, as sebes de arbustos plantados ao longo da estrada as escondiam, explica ele. Agora, as empresas, incentivadas pelo Estado, não têm mais escrúpulos e não se escondem mais. No entanto, essas culturas têm efeitos desastrosos: desaparecimento de espécies animais, destruição da biodiversidade com pesticidas altamente tóxicos e trabalho escravo”.
Um território altamente cobiçado
Nesta zona contaminada, a comunidade quilombola de Pirocaba defende seu território altamente cobiçado. Diante de multinacionais poderosas, as mulheres formadas na agroecologia defendem um modelo de desenvolvimento sustentável. Instalada há muito tempo em uma das regiões de colonização mais antigas da Amazônia, a comunidade, durante muito tempo, não se preocupou em possuir um título de propriedade, como costuma acontecer no Brasil. Ora, a Cargill, empresa especializada no comércio de matérias-primas, decidiu instalar um porto seco em seu território. Para isso, os ocupantes devem ser desalojados. E resistir requer muita ousadia. Especialmente para Daniela Araújo, 32 anos, mãe de duas meninas, de origem indígena.
Para os homens, que a Cargill queria consultar em separado das mulheres, a líder provou que não podiam mais pescar. Ela teve que demonstrar que a construção de um porto em um assentamento era ilegal. “Consegui desmontar o belo discurso da Cargill, sua ideia de desenvolvimento que significava para nós a perda de um modo de vida tradicional, coletivo e ecológico”, explica ela perto da escola criada por sua avó.
Problema: os representantes da multinacional americana, obrigados a consultá-los antes da implantação de um projeto, conforme exigido pela Convenção 169 da OIT, queriam dividir a comunidade. Colocar alguns membros contra a sua líder. Daniela, que se reuniu com alguns advogados, redigiu um protocolo no quadro da Convenção 169. Mas ela foi alvo de ameaças: espionada e até seguida por… um drone! Na frente de sua casa, cercada por plantas medicinais, Daniela diz: “Eu defendo a minha terra e a riqueza natural da Amazônia, porque eu preciso delas para respirar e me alimentar. Se eu tiver que ir morar na cidade com os outros, eu morro. Então vou lutar até o fim, pelas minhas filhas e por todos os outros”.
Defesa da dignidade humana
De volta para Belém, para encontrar Jane Cabral, uma das líderes do Movimento Sem Terra (MST). Desde 1985, essa organização popular ajuda os pequenos camponeses brasileiros em 23 Estados, incluindo o Pará, a ocupar terras onde podem cultivar sem pesticidas para o seu consumo, ou até para a exportação, em um modo de produção solidário. O problema é que esses defensores da terra são vítimas de violência – 1.722 militantes foram assassinados, incluindo várias centenas no Pará. Entre eles, José Valmeristo Soares, o Caribé.
Com Jane Cabral, tomamos o caminho rumo ao acampamento onde ele travou sua luta, perto de Santa Luzia do Pará, na fronteira do Maranhão. “Essas pessoas defendem o meio ambiente, mas também a dignidade humana”, disse a ativista durante o caminho. Depois de seis horas de viagem, a última delas em uma estrada esburacada que margeia uma enorme propriedade com pouco gado, estamos no Acampamento Quintino Lira, na Fazenda Cambará. Com 150 famílias, o jovem José Valmeristo ocupou, em 2007, uma pequena parte dessa propriedade nas mãos de Josué Bengtson, pastor da Igreja Evangélica Quadrangular e deputado de um partido populista. Em abril de 2010, o MST deu uma mão ao Caribé e seus parentes que queriam se estabelecer ali. Agora, a escola, frequentada por uma nuvem de crianças, leva seu nome e exibe seu retrato. Caribé é o herói desses camponeses que vivem aqui modestamente, sem água corrente, e vendem frutas e legumes no mercado. E que estão em busca da regularização da terra.
Aos 39 anos, João Batista Galdino, conhecido como Clone, pai de dois meninos, mora em uma casa de barro redonda construída com suas mãos, de frente para um hectare de floresta que restou. Está separado de sua esposa, que mora um pouco mais acima. Ainda traumatizado, apesar do apoio psicológico, o homem conta relutantemente sua dolorosa história. Se seu amigo, o líder Caribé, foi assassinado, ele escapou por pouco dos pistoleiros contratados pelo pastor Bengtson e seu filho Marcos para eliminá-los. Na madrugada de 03 de setembro de 2010, eles foram emboscados, torturados, espancados e, em seguida, enroscados em suas calças, tiveram que correr na frente dos pistoleiros que os mantinham na mira. Milagrosamente, Clone conseguiu escapar para a mata. O corpo sem vida de Caribé, 26 anos, pai de cinco filhos, foi encontrado no dia seguinte na grama. Ele repousa no cemitério em frente à casa de sua jovem viúva.
Clone, sem expressão, ainda hoje fica confuso quando relata que os policiais, forçados por um comissário honesto a fazer sua declaração, estremeceram quando disse seu nome: “Mas a polícia militar declarou que você morreu ontem com o Caribé!”. Durante três anos, protegido por associações de direitos humanos, ele se escondeu longe de sua comunidade. Sempre ameaçado. Depois voltou a morar em sua terra, neste campo onde ondula a bandeira vermelha e branca do MST. “Espero que o nosso estatuto seja regularizado. Se tivermos o direito de morar aqui reconhecido, eu poderei morrer tranquilo”, diz.
Mas a impunidade reina. Se o pastor foi condenado por enriquecimento ilícito e perdeu seu mandato por ter participado da máfia das ambulâncias, uma grande rede de corrupção, não foi condenado por esse crime. Seu filho Marcos, mandante do assassinato, passou apenas algumas semanas na prisão. Além disso, no último ano, a situação dos Sem Terra piorou no Brasil. Porque Jair Bolsonaro declarou guerra ao MST, que ele gostaria de classificar como organização terrorista. “Os Sem Terra estavam prestes a ganhar. Agora, suas sementes estão sendo destruídas e os fazendeiros estão se tornando arrogantes novamente”, suspira Jane Cabral.
Assassinar para silenciar os demais
Os homicídios se sucedem, sem que se faça justiça. Mais ou menos divulgados, quando os próprios jornalistas são ameaçados. A morte de Dilma Ferreira Silva, 45 anos, assassinada em sua casa em 22 de março de 2019, Dia Internacional da Água, teve grande impacto: ela pode ser vista em foto ao lado da ex-presidenta Dilma Roussef. Há 30 anos, ela lutava contra a maior usina hidrelétrica considerada genuinamente brasileira instalada em Tucuruí, no Rio Tocantins, que é responsável pelo deslocamento de 32 mil pessoas – a barragem de Belo Monte, com 18 megaturbinas perto de Altamira, provocou o deslocamento de 50 mil camponeses brasileiros. Ela denunciou os danos ao meio ambiente. Nesse dia, os pistoleiros mataram seis pessoas: ela, o marido, um vizinho que estava na sua casa e outros três camponeses. Dizem que esses assassinatos em massa são frequentes, porque são mais baratos para os mandantes. Sua filha de 20 anos agora é órfã.
Em Belém, Iury Paulino, líder do Movimento dos Atingidos por Barragens, testemunha. “Eles a torturaram e degolaram, para mandar um recado: fique quieto. Lutar tornou-se muito mais perigoso hoje. A polícia sabe quem matou e quem ordenou os crimes. Mas não faz nada. Neste caso, como teve grande repercussão, a polícia prendeu quatro dos cinco assassinos, e outros dois foram mortos, para que não falassem mais. Quanto ao mandante, o poderoso fazendeiro Fernando Ferreira Rosa Filho, conhecido como Fernandinho, certamente não ficará preso por muito tempo”. Dilma o acusou antes de sua morte de construir uma pista de pouso na floresta para o tráfico de drogas. Ele se diz inocente. E Dilma não está mais viva para contradizê-lo. Em 22 de março de 2020, em meio a uma pandemia de coronavírus, a imprensa brasileira mal comemorou o primeiro aniversário de sua morte.
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Foto principal: CPT-PA