Nota da Organização Consulta Popular: Combinar Frente Popular e Coalizão Democrática para derrotar o neofascismo e salvar vidas

A crise sanitária em escala global está impactando no desenvolvimento da própria luta de classes, impondo novas práticas sociais e culturais, ditando o ritmo das cadeias produtivas, imprimindo novas contradições entre as classes e intensificando as tensões geopolíticas no sistema de nações.

A garantia do isolamento social é a forma mais eficiente para salvar as vidas de milhões da classe trabalhadora no Brasil. Ocorre que, sem emprego e renda, cai a eficiência do isolamento social e aumenta a disseminação do vírus. É necessário, portanto, seguir pressionando o governo Bolsonaro e o parlamento, assim como os governos estaduais e prefeituras, para que medidas de garantia do emprego, manutenção de níveis salariais e renda para trabalhadores informais sejam efetivadas e, assim, concretizar o isolamento social.

Porém, diante da chamada postura negacionista de Bolsonaro, no contexto de pandemia, a eficácia do isolamento social depende essencialmente da luta política. A convergência das crises econômica, política, social e sanitária deixou mais evidente para o conjunto das forças democráticas que o bolsonarismo tem por objetivo estratégico aprofundar a deterioração da democracia liberal ou mesmo efetivar uma saída autoritária que permita a transição para um novo regime político. Mas não somente isto, almeja impor um isolamento de longo prazo aos setores mais combativos da esquerda.

Não podemos ter dúvidas que o bolsonarismo é a expressão de uma corrente neofascista na sociedade, constituindo-se hoje no principal obstáculo à proteção da vida do povo brasileiro e à vigência da democracia. No turbilhão da crise sanitária, impõe-se uma luta pela vida que no campo da política ganha a forma de uma luta contra o fascismo. Precisamos ser consequentes com a constatação da natureza neofascista do inimigo principal.

A lição fundamental desta constatação é que a questão democrática se entrelaça com a questão social que se agrava como consequência da grave crise do capitalismo. Trata-se de defender a democracia, ainda que deteriorada, enquanto o terreno no qual queremos travar a luta política. É necessário evitar a conformação de um Estado policial ou mesmo de um regime político fascista onde as condições de luta e organização da classe trabalhadora seriam bastante desfavoráveis.

Mas não basta identificar a natureza neofascista do inimigo principal. É preciso projetar sua força e sua inserção social. Além do governo Bolsonaro ter o apoio de aproximadamente um terço da população, de manter importante base de apoio no empresariado e contar com o apoio de importantes setores das forças armadas, ele conta com um núcleo politicamente ativo e reacionário.

O neofascismo em curso avança no vácuo da crise de hegemonia do bloco no poder, com as consequências da crise econômica, com a crise da esquerda, com a política do inimigo comum que polariza, via luta política e cultural, contra as forças populares. Ressalte-se que, para o bolsonarismo, mais importante do que ter maioria na opinião pública é manter seu núcleo reacionário ativo e ter a capacidade de, futuramente, transformá-lo em milícias armadas.

As bases para isto estão se formando. Já tivemos sinais de como setores das policias (civis e militares), crime organizado, proprietários de terras e elementos reacionários da classe média podem ser usados numa situação de caos social para viabilizarem uma saída autoritária para a crise brasileira. Além do mais, o neofascismo ainda tem na sua retaguarda setores das forças armadas.

Todo processo de fascistização exitoso atinge um ponto de irreversibilidade. Este ponto de irreversibilidade ainda não foi atingido no Brasil. Mas a crise é grave e exige ampla unidade das forças democráticas. Nossa tática deve ter como objetivo desgastar, isolar e derrotar o neofascismo. O nível de amplitude da unidade num processo de luta contra o fascismo é determinado por quatro fatores: nossos objetivos, a efetiva principalidade dessa luta sobre as demais, a nossa força e a força do inimigo.

É preciso reconhecer que a esquerda brasileira perdeu vínculos orgânicos com a classe trabalhadora nos últimos anos. Diante de tal fragilidade, do ponto de vista imediato, para derrotar o fascismo será necessária uma unidade para além da esquerda. É necessário, portanto, imprimir um nível de amplitude superior na conformação da unidade.

Aqui adentramos no tema das alianças necessárias para derrotar o fascismo. E nesta questão precisamos reafirmar algumas lições clássicas da luta antifascista. A primeira é que não cabe condicionar a construção da unidade antifascista à aceitação do programa estratégico de mudanças estruturais da esquerda. Este condicionamento é o caminho para o isolamento, a derrota e o aniquilamento da esquerda. Também não significa necessariamente aderir ao programa do aliado temporário.

A definição pela construção de ampla unidade antifascista não significa a reedição do debate sobre a aliança com uma burguesia nacional, mas sim a definição por buscar alianças com todas as forças sociais que tenham disposição de lutar contra o fascismo. Cabe às forças de esquerda construir um núcleo dirigente no interior destes processos. As relações de subordinação e hegemonia das forças que compõem uma frente desta dimensão são definidas no processo da luta. Não é definido a priori. Podem mudar no processo da luta política.

Variáveis como o nível do vínculo da esquerda com a classe trabalhadora, ascenso ou descenso da luta de massas, influenciam no conteúdo das tarefas políticas e organizativas da esquerda no interior desta ampla unidade, mas não são contradições necessariamente impeditivas para a formação da unidade antifascista.

As experiências históricas demonstram que é possível combinar a construção de frentes com amplitudes distintas e complementares. No atual contexto de ascensão neofascista no Brasil, não é diferente. Nosso desafio é fazer um duplo movimento que objetive construir espaços e unidade de ação com amplitudes distintas.

A Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo são frentes de esquerda necessárias para o nosso acúmulo programático, para um projeto de nação. Além do mais, elas têm cumprido importante papel de mobilização popular e construção de unidade com a centro-esquerda na luta contra as reformas neoliberais. São fundamentais para garantir nossa independência de classe e fazer o enfrentamento ao projeto neoliberal. São tarefas que tomam os nossos principais esforços organizativos.

Ao mesmo tempo, tivemos alguns momentos de unidade de ação pontual com setores liberais com os quais temos desacordo no programa econômico, na medida em que tais setores levaram a cabo um conjunto de reformas neoliberais. Podemos citar dois momentos em que somamos esforços com setores da direita tradicional: durante a tentativa da operação Java Jato de transferir Lula para o presídio de Tremembé (SP) e também no enfrentamento ao chamado pacote “anticrime” de Sérgio Moro.

Ocorre que estamos diante de graves e permanentes ataques à democracia e à vida do povo. Unidade pontual para além do campo popular é necessária, mas insuficiente para uma luta qualitativamente superior que objetiva, em última instância, evitar uma mudança de regime político. Isto requer uma ampla unidade que contemple crescentes contingentes da classe trabalhadora, intelectuais, artistas, estudantes, liberais, democratas, e instituições em torno da defesa da democracia e da vida do povo brasileiro.

Tal unidade não pode ser vista como uma aliança eleitoral ou como um espaço organizativo formal com instâncias, mas como um esforço conjunto de defesa das liberdades democráticas e da vida. Salvaguardar direitos civis, liberdades democráticas como a liberdade de imprensa, de organização e manifestação, são fundamentais para garantir a própria liberdade de ação do campo democrático, assim como seguir na luta em defesa da vida e dos direitos sociais da classe trabalhadora.

Um amplo movimento pelo “Fora Bolsonaro” exige iniciativas com amplitudes distintas e complementares. Por um lado, devemos seguir construindo e fortalecendo uma Frente de Esquerda e Popular, de caráter estratégico que acumule forças para uma saída democrática e popular para a crise brasileira. Isto implica de imediato a defesa dos direitos sociais do povo, a defesa das lutas da população negra contra o racismo, e contra todas as opressões históricas que pesam sobre os trabalhadores brasileiros, o combate implacável à política neoliberal de Paulo Guedes. Por outro, devemos construir uma ampla Coalizão Democrática que se concentre na defesa da democracia, buscando desgastar, isolar e derrotar o neofascismo.

A sinalização de ampla unidade com todos os setores que apresentam contradições com Bolsonaro deve se dar ao mesmo tempo que as forças de esquerda intensificam o diálogo com os trabalhadores a partir das suas condições de vida, das críticas ao orçamento de crise que privilegia os bancos e às insuficiências das medidas do governo. Segue sendo urgente retomar o vínculo entre as organizações populares e a classe trabalhadora. Segue sendo necessário intensificar em nosso trabalho cotidiano e de agitação o combate ao neoliberalismo aplicado em tempos de pandemia.

De imediato, este acúmulo de forças passa pela propaganda do Programa de Emergência das duas frentes como alternativa programática para a crise econômica e sanitária. O necessário acúmulo de forças também deve vir da política de solidariedade como valor e prática imprescindíveis junto à classe trabalhadora. Diante do caráter vacilante do campo liberal, este acúmulo de forças é fundamental para a construção de um forte polo democrático e popular no seio do movimento pelo “Fora Bolsonaro”, dando um caráter de massas para esta palavra de ordem.

As crises condensam passado, presente e futuro. A crise brasileira se expressa na herança colonial que ameaça a própria existência da nação. O presente se exprime na incerteza e na luta pela vida. O futuro se manifesta em torno de um Projeto Popular para o Brasil que supere a devastação neoliberal e mobilize o povo brasileiro em torno de reformas democráticas e populares. Estes três tempos históricos expressam as disputas de rumos e projetos de país no plano estratégico.

Estamos diante do principal desafio que a atual geração de lutadoras e lutadores do povo já conheceu.

FORA BOLSONARO!

Direção Nacional da Consulta Popular

junho de 2020

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