Quilombo no Rio de Janeiro chora a morte de sua líder por Covid-19

por Gilberto Porcidonio, em Extra

Em Búzios, na Região dos Lagos, o avanço do Covid-19 vitimou uma liderança muito atuante pela causa quilombola do Estado e do país. A Tia Uia, a matriarca do Quilombo da Rasa, morreu no dia 10 após ser internada no mesmo dia no Hospital Municipal Dr Rodolpho Perisse. Antes de ir para o hospital, a líder local relatou que estava sentindo fortes dores de cabeça há quatro dias.

Filha de agricultores e neta de uma ex-escravizada nascida na senzala da localidade Piraúna, que fazia parte da antiga Fazenda Campos Novos, Carivaldina Oliveira da Costa, de 78 anos, chegou a trabalhar, aos 14, no Rio de Janeiro para ajudar a família e depois retornou a Búzios, onde casou e teve sete filhos. A sua mãe, a Vó Eva, tem 110 anos e segue morando na casa no mesmo lugar onde ela viveu e lutava pela memória. Apesar de lúcida, ativa e ainda ser capaz de lembrar dos cantos e danças que aprendeu com seus pais, ela ainda não sabe da morte da filha.

— A minha tia era muito carismática e atuante, viajou o Brasil inteiro participando de seminários e encontros para defender a cultura e os nossos costumes. Nós estamos atônitos e o que mais deixa a gente triste é que ela partiu sem ver o nosso território titulado. Isso antes cabia ao Incra, mas, em maio de 2016, passou para a Casa Civil. Com esse governo, fica difícil — disse a sobrinha de Tia Uia, a pedagoga Marta da Costa Cardoso de Andrade, que também mora no local.

O Quilombo da Rasa é uma área do bairro da Rasa reconhecida desde 2005 pelo Incra e pela Fundação Palmares. Na região, moram cerca de 4 mil descendentes de pessoas escravizadas que sobrevivem, principalmente, da pesca, do artesanato e também do trabalho nas pousadas da região turística.

— Nós estamos situados em um município que recebe muitas visitas em muitas pessoas que vem de fora e, infelizmente, essa doença chegou aqui da forma mais cruel possível, atacando a peça principal da nossa comunidade — disse a pedagoga.

No momento, o quilombo tem, oficialmente, 14 pessoas infectadas pelo novo coronavírus e três mortos por Covid-19, além de mais de 40 pessoas com sintomas da doença que estão em quarentena. De acordo com a Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj) — entidade a qual Tia Uia foi uma das fundadoras — 10% dos quilombolas do Quilombo de Rasa podem estar infectados.

— O governo do Estado nos disse que, a partir desta semana, estaria providenciando um número maior de exames para a nossa comunidade, pois temos vários quilombolas doentes com a suspeita da doença e sem o exame. Além disso, como a cidade vive do turismo, temos muita gente sem poder trabalhar e, além de tudo, doente, chegando a passar fome. A situação está crítica — relata a vice-presidente da Acquilerj, Bia Nunes.

Ao todo, existem 48 comunidades quilombolas certificadas no Estado. De acordo com a plataforma Observatório do Covid-19, há uma média de um quilombola morto por Covid-19 no Brasil por dia.

— O Rio capital, como a gente costuma falar, é a vitrine do Brasil e os problemas de suas comunidades costumam ter mais holofotes. Porém, sobre as comunidades quilombolas, a gente não consegue ter quem fale assim da nossa história e da nossa situação de agora. É como se existíssemos apenas nos livros de história — desabafa Bia.

Tia Uia tinha 78 anos. Foto: Divulgação / Ricardo Alvez

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