MPF recorre ao STJ para manter missionário afastado da chefia de índios isolados da Funai

Entidade indígena também reforça agravo contra a nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias

Por Daniel Biasetto,em O Globo

O Ministério Público Federal (MPF) entrou nesta sexta-feira com um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para impedir o missionário Ricardo Lopes Dias de continuar na chefia da Coordenação-Geral de Índios isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). Na semana passada, em decisão monocrática,  o presidente do Tribunal, ministro João Otávio de Noronha, liberou a nomeação de Ricardo revogando uma decisão dada em maio pelo desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que impedia o pastor de assumir o cargo.

O agravo interno, assinado pela subprocuradora-geral da República Maria Soares Camelo Cordioli , pede que a decisão seja revista ou que recurso seja submetido à Corte Especial do STJ. No documento, o MPF sustenta que Ricardo Lopes “não preenche os requisitos legais para o exercício do cargo e possui carreira incompatível com a função de coordenador-geral de índios isolados da Funai”.

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A decisão do desembargador federal Souza Prudente dada no mês passado levou em conta ação da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) que integrou em consórcio o recurso do MPF e juntou no processo os casos revelados pelo GLOBO de planejamento e invasão de missionários para contatar índios korubos, no Igarapé Lambança. A Justiça Federal do Amazonas já tinha determinado a retirada dos religiosos e proibido novos ingressos. A Unijava também entrou com um agravo no STJ para manter o missionário afastado da função.

A Funai chamou de  ‘fantasiosa’ a conclusão do desembargador de que ex-missionários podem mudar a política de isolamento voluntário dos indígenas.

A subprocuradora-geral  do MPF lembra que Ricardo Lopes participou do movimento Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) “evangelizando índios na região da terra indígena Vale do Javari, no Amazonas, atividade incompatível com um dos grandes desafios da CGIIRC/Funai, que é justamente combater o assédio missionário aos povos indígenas isolados”.

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“Não se faz juízo de valor acerca da formação acadêmica do nomeado. Indica-se, outrossim, que o histórico do nomeado o habilita para causar a indesejável redução do escopo de proteção aos direitos fundamentais dos indígenas isolados”, afirma Maria Cordioli no documento.

Noronha, por outro lado, avaliou que Ricardo preenchia os requisitos legais para exercer a função, tendo inclusive qualificação para isso, uma vez que é formado em antropologia, com mestrado em ciências sociais, doutorado em ciências humanas e experiência nas áreas de etnologia indígena, identidade e direitos humanos. Outro argumento de Noronha foi o de que o cargo comissionado é de livre escolha do Poder Executivo.

O presidente do STJ também entendeu que o vínculo com a MNTB não significa que haja conflito de interesses. “Trata-se de ilação sem base, conjectura que fere, no caso, a presunção de legitimidade dos atos do Executivo e caracteriza intervenção do Judiciário na administração interna de outro poder sem fato concreto sério e comprovado”, diz trecho da decisão.

O MPF alega que é legal a revisão de atos administrativos pelo Poder Judiciário quando “há afronta aos preceitos constitucionais, desvio de finalidade ou prejuízo ao interesse público, sem que isso ameace a independência dos poderes”.

Manobra em nomeação

Ricardo Lopes Dias foi nomeado em fevereiro deste ano para a coordenação de proteção a índios isolados. Sua nomeação só foi possível porque o presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier, alterou o regimento interno da Funai permitindo que a coordenação pudesse ser ocupada por pessoas de fora da administração pública. A manobra foi revelada pelo jornal O GLOBO e também é questionada pelo MPF na ação.

Para o representante jurídico da Unijava, Eliésio Marubo, a decisão monocrática do presidente do STJ não levou em conta jurisprudência que já havia para o caso de suspensão de liminar e, por isso, pede que a análise seja feita pela Corte Especial

– Se pau que dá em Chico, dá em Francisco, buscamos a aplicação do entendimento já firmado no STJ,  de que, em caso de pedido em suspensão de liminar, quem pede deve comprovar documentalmente o risco de lesão sofrida e indicar a lesão aos interesses públicos qualificados na lei.  Argumentos genéricos, segundo o STJ, não prosperam. Nesse caso prosperou!  Comprovamos que o risco quem cria é justamente o nomeado no exercício da função pública – afirma.

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Embora tenha dito quando assumiu o cargo  estar desvinculado desde de 2010 de qualquer envolvimento com a prática missionária e que sua atuação seria apenas “técnica”, registros levantados pelo GLOBO comprovam que o religioso continuou a ministrar palestras, cultos e congresso voltados ao treinamento de jovens sempre com o objetivo de levar a palavra aos “confins da terra” e “alcançar os não alcançados”, prática condenada por antropólogos e indigenistas, porém, considerada a mais nobre missão entre esses evangélicos.

Depoimentos de índios que trabalharam com o pastor apontam para uma atuação de bastidores do religioso, não só pela Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), mas também na Primeira Igreja Batista de Guaianases (SP), com foco na formação de futuros ministros que dariam a continuidade ao trabalho por ele iniciado. A MNTB nega que ele ainda atue como missionário.

Lopes Dias é acusado  por esses nativos de omissão diante da  crise sanitária que ameaça os povos das aldeias, de não ter tomado nenhuma decisão a respeito das denúncias de invasões de missonários no Vale do Javari e tampouco colocado em prática um plano de contingência contra o novo coronavírus nos três meses em que esteve à frente da Cgiirc, um dos motivos pelo qual o MPF pediu, mais uma vez, a suspensão de sua nomeação.

Foto: Gleilson Miranda – Wikimedia Commons

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