Ex-coordenador da 6CCR e procuradores da República responsáveis por direitos indígenas pediram a Aras que vá ao Supremo contra nomeação de missionário na Funai

Caso de Ricardo Dias Lopes está no STJ à espera da revisão do presidente do tribunal

Por Daniel Biasetto, na Época

Como último ato de seu mandato à frente do grupo do Ministério Público  Federal (MPF) que trata sobre populações indígenas e comunidades  tradicionais, o subprocurador Antonio Carlos Bigonha pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que fosse ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a nomeação do missionário Ricardo Lopes  Dias para a chefia da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente  Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O pedido de Bigonha foi feito uma semana antes dos procuradores do MPF recorrerem da decisão monocrática do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, que liberou a nomeação de Ricardo revogando uma decisão dada em maio pelo desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que impedia o pastor de assumir o cargo.

No documento, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) cita a decisão do desembargador do TRF-1 na qual ele afirma  que a “nomeação de servidor engajado com a linha de atuação com organização missionária representa alto grau de risco à política consolidada de não contato com as populações e o respeito ao isolamento voluntário desses povos, em flagrante violação ao princípio da autodeterminação dos povos indígenas, além de também causar danos à  função institucional da própria coordenadoria-geral de índios isolados que, dentre outras atribuições, deve garantir a proteção dos indígenas e das terras onde estão, mediante ações rotineiras relacionadas”.

Nomeado em fevereiro após uma manobra no regimento interno da Funai para ser o responsável pela proteção de povos isolados, o pastor Ricardo Dias, ao contrário de suas afirmações, continuou ligado a missões evangelizadoras de indígenas até o início deste ano, como revelou O GLOBO. A nomeação de Dias, que também é antropólogo, só foi possível porque o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, mudou o regimento interno do órgão permitindo que o cargo pudesse ser ocupado por pessoas de fora da administração pública.

QUATRO MESES DE PARALISIA

Segundo a PGR, a solicitação da 6ª CCR  foi remetida para a subprocuradora Maria Soares Camelo Cordioli, que assinou o agravo interno apresentado pelo MPF para que o STJ reforme sua decisão ou, não sendo esse o caso, submeta o recurso à Corte Especial do tribunal.

No entender da Procuradoria,  em uma decisão monocrática no STJ, por regra, cabe recurso ao próprio tribunal. Bigonha não vê problemas de os dois processos atuarem simultaneamente, o agravo interno no STJ e o pedido de Suspensão de Liminar e Tutela Antecipada (Slat) no STF.

O ex-coordenador da 6ª CCR discorda.

“São duas coisas diferentes. A subprocurador Maria Cordiolli atua no âmbito do STJ, mas o PGR neste caso pode, e deve, fazer o pedido direto ao presidente do STF. São instâncias distintas e autônomas”, afirma Bigonha.

Enquanto a nomeação do missionário no cargo da Funai segue judicializada, a Funai tem dificuldades de mostrar serviço justo na hora que mais esses povos precisam diante da ameaça da pandemia de coronavírus dizimar aldeias inteiras onde vivem os índios isolados, em sua maioria no Amazonas.

A Funai, no entanto, defende sua permanência e diz se tratar de  “preconceito religioso” a tentativa de suspender o nome de Ricardo Dias por ele “professar a fé evangélica” e que isso “não significa que haja autorização do órgão para suposta atuação de missionários em áreas indígenas”.

Indígenas isolados vistos do ar, durante uma expedição do governo brasileiro em 2010. © G. Miranda/FUNAI/Survival

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