Pesca artesanal: a luta por território que vai além da terra

Sem políticas públicas suficientes, trabalhadores são vistos como entraves ao modelo de desenvolvimento econômico

Por Daniel Lamir, no Brasil de Fato

Há uma luta por território para além da terra firme. A tradição de pescadoras e pescadores resiste a um modelo de desenvolvimento econômico que ameaça águas, vidas e culturas do nosso país. Entre rios, mangues e mar, o racismo institucional brasileiro se mistura ao racismo ambiental, ameaçando uma prática mais antiga que a própria história oficial do Brasil.

A luta pela sobrevivência da pesca artesanal é bem mais antiga que o desastre com o óleo no litoral nordestino, que permanece preocupando desde o ano passado. A falta de políticas públicas e a depredação ambiental feita por indústrias evidenciam que o Estado brasileiro não reconhece a importância da pesca artesanal ou a de subsistência.

Ser pescador é ser conhecedor da natureza, conhecer de astronomia, de astrofísica, sem precisar ir para a escola 

Além das raízes indígenas, as pescas populares no Brasil agregaram as culturas dos povos africanos e europeus, podendo ser vista em diferentes relações de religiosidade e vínculos com a natureza. Para o educador social Severino Santos, coordenador da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP),  ser pescador popular é mais que uma profissão. Ele destaca a característica das ancestralidades que alimentam saberes e relação com a natureza.     

“Ser pescador é ser conhecedor da natureza, conhecer de astronomia, de astrofísica, sem precisar ir para a escola. O pescador para sair para o mar tem que saber da maré, da lua, posição de estrela, de sol, se a maré está boa e se o vento está propício a mudar ou não. Isso é o ser pescador, em que cada um vai aprendendo com o tempo, e não se aprende numa sala de aula”, ressalta.  

Severino lembra ainda que, ao subir no barco, todas as pessoas sabem um pouco de tudo sobre o ofício, seja a confecção de artefatos, o jeito de pescar ou o beneficiamento e comercialização dos alimentos. Ao mesmo tempo, Severino reforça uma ausência de políticas específicas para a pesca artesanal no Brasil, mesmo diante da importância cultural e econômica do setor.

Para se ter ideia, de acordo com Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 17% do consumo de proteína no mundo é feita pela pesca artesanal, isso sem considerar a pesca industrial. 

Pensar a importância da pesca artesanal inclui especificidades de luta. Há interseccionalidade quando também quando entramos pelas questões de gênero e raça. A marisqueira e pescadora artesanal Eliete Paraguassu é uma liderança quilombola baiana, atuante na Baía de Todos os Santos. Ela contextualiza as condições dela e das pessoas que têm a pesca artesanal como seu modo de vida.

“Nesse momento, a principal tarefa para o nosso povo é se manter vivo. Se manter vivo diante desse modelo perverso e assassino que o Brasil tem inventado de desenvolvimento. E a gente tem perguntado, que desenvolvimento é esse que mata, exclui, ameaça?”, indaga.

A luta de Eliete representa uma realidade de diversas comunidades pescadoras no Brasil. A permanência no território sem água firme encarada na Baía de Todos os Santos é ameaçada constantemente por indústrias petroquímicas do entorno. Neste caso, o Complexo Petroquímico de Camaçari e o Porto de Aratu-Candeias, no estado da Bahia.

Edição: Lucas Weber

Eliete Paraguassu. Liderança da Ilha de Maré. Imagem Divulgação

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