O self-made man brasileiro e o ódio espontâneo

Por Igor Vitorino da Silva

Algo pode explicar esse ódio espontâneo que aflora no país em relação às políticas públicas de proteção social e à regulação estatal. Mais do que resultado de avança dos valores liberais e neoliberais, este parece fruto de uma grande ideia que atravessou o país, nas distintas classes sociais que formam a vida social brasileira:  a ideia do “se fazer sozinho” ou “ter o caminho próprio”. 

Não estar à sombra de ninguém é valor que os brasileiros compartilham  advindo da experiência da escravidão. Entretanto, aquele ganha sentido e força no contexto de reorganização da sociedade brasileira e das novas formas de gestão do trabalho diante da internacionalização da economia brasileira. 

Com isso, a ideia do “espirito empreendedor”, ser dono do seu próprio negócio tornou-se um valor social em que os diversos indivíduos colocam a construir seu sonho de autonomia e independência. E nesse caminho próprio os grandes inimigos, lidos imediatamente no plano da sobrevivência dos seus projetos de vida, são o Estado e os políticos materializados na ideia de impostos, da corrupção e da inoperância das políticas públicas. 

Tal experiência da conquista de “autonomia e do próprio caminho” abre um ódio imediato àqueles que são compreendidos como adversários primordiais da emergência do self-mande man brasileiro: o Estado e os políticos, compreendidos como máquinas produtoras de dependências e bloqueio ao empreendedorismo e crescimento do país. 

Sentindo-se solitários na luta pela construção de um novo país,  esses homens e mulheres, reconhecendo-se abandonados e colocados em condições de ultraje, especialmente diante do avanço da crise econômica, abrem-se num ativismo social e político marcadamente emocional e violento que tem como centro a recusa do poder público e das políticas públicas, estas entendidas quase sempre como espaço de produção de “preguiça social e do mau uso dos recursos públicos”. 

Assim, esse ódio espontâneo, ou desprezo pelas virtudes públicas, nasce não da simples ausência de humanidade e/ou do mergulho no individualismo ou egoísmo social, mas da experiência de reconhecer-se sozinho e desamparado na luta para se tornar um self-made man.

A cpnjtificação [expansão de pessoas jurídicas enquanto estratégia de burla das Leis e direitos trabalhistas] da vida social brasileira, a expansão do “eu empresa” impõe aos brasileiros responsabilização e culpabilização do seu sucesso profissional e individual nos quais estes não enxergam o poder público e os políticos como aliados e parceiros.

Igor Vitorino da Silva. Professor de História formado pela UFES e mestre em História pela PGHIS/UFPR.

Ilustração: Justificando

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