Tebas, o negro escravizado que marcou a arquitetura de São Paulo

O trabalho de Joaquim Pinto de Oliveira chegou a ser apagado das páginas da história, mas ainda resiste ao tempo no centro da capital paulista

Por Regiane Oliveira, El País Brasil

Joaquim Pinto de Oliveira (1721-1811), mais conhecido como Tebas, foi um homem escravizado cuja contribuição para a arquitetura São Paulo passou por um processo de apagamento. Até pouco tempo, sua própria identidade era considerada uma lenda. Não há dúvida, no entanto, sobre a importância de seu trabalho, que resiste ao tempo no centro da capital paulista nas fachadas da Igreja da Ordem 3ª do Carmo e da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco.

Nascido na Vila de Santos, no litoral paulista, filho de Clara Pinta de Araújo, Tebas foi levado para a capital do Estado por um mestre-pedreiro português, Bento de Oliveira Lima, que detinha sua propriedade juntamente com sua esposa, Antonia Maria Pinta, de quem, possivelmente, assumiu o sobrenome.

Mestre de cantaria, o ofício de talhar blocos de rocha bruta para a construção de edifícios, Tebas foi fundamental na modernização de uma São Paulo construída basicamente com taipa, a técnica de utilizar barro para moldar edificações. Seu trabalho foi explorado por diversas ordens religiosas como beneditinos, franciscanos, carmelitas e católicos na ornamentação de igrejas, como o Mosteiro de São Bento e a antiga Catedral da Sé.

As documentações sobre sua alforria são contraditórias e diferem conforme o narrador. Há quem defenda que Tebas conseguiu sua alforria entre 1777 e 1778, após uma ação judicial movida contra a viúva de Lima. Outros enfatizam que Tebas trabalhava com um grau de autonomia ― na condição de liberto condicional ―, assinando contratos, o que o levou a comprar sua liberdade em troca de projetos. Há também relatos de que teria sido alforriado em testamento pelo empreiteiro Bento Lima.

Um de seus trabalhos mais importantes, o Chafariz da Misericórdia, erguido no que é hoje a rua Direita, no centro da capital, foi demolido em 1866. Trata-se do primeiro chafariz público da cidade, construído quando Tebas já estava alforriado, que tinha um sistema que canalizava as águas do ribeirão Anhangabaú. Era ali que escravizados se reuniam para buscar água e abastecer as casas de seus senhores.

Há relatos de que seu nome se tornou uma expressão popular de alguém que sabia fazer de tudo. Dizia-se à epoca: “fulano é um Tebas”, como elogio, segundo pesquisadores. Porém, um século depois havia dúvidas se ele realmente teria existido. Essa era a pergunta de um artigo sobre a história do bairro da Sé, no centro da capital, publicado pela Prefeitura de São Paulo em 1971, conforme relata a historiadora Emma Young, no livro Tebas, um negro arquiteto na São Paulo escravocrata, lançado em 2019. Organizado pelo jornalista e escritor Abilio Ferreira em parceria com outros pesquisadores, a obra faz parte de um esforço para tirar do esquecimento o legado do mestre da cantaria.

“Tebas está para o século XVIII assim como Luiz Gama está para o XIX. Ambos, porém, pelo significado de suas existências, transcendem a época em que viveram”, escreve Ferreira. Gama, um homem nascido livre ― que foi vendido aos 10 anos pelo próprio pai em Salvador ―, foi um autodidata que conseguiu provar a ilegalidade de sua própria escravidão, tornando-se um proeminente jornalista e escritor abolicionista. Ele libertou, por via judicial, mais de 500 escravos, e foi reconhecido em 2010 como advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A homenagem serviu de inspiração para que o historiador Ramatis Jacino, ativista do movimento negro, cobrasse o mesmo reconhecimento de Tebas.

“Invisibilizar a contribuição de africanos e seus descendentes e de indígenas na construção econômica, na organização social e política, assim como na produção cultural da nação brasileira foi (e continua sendo) parte do projeto de dominação étnica e de classes”, escreve Jacino, no capítulo Tebas e o legado africano na produção da riqueza e na urbanização paulistana, do livro sobre o construtor. O pesquisador destaca que, “para além da extraordinária fortuna gerada pelo seu trabalho forçado, os africanos e seus descendentes legaram um conjunto de conhecimentos científicos e tecnológicos, determinantes para a geração daquela fortuna”.

Tebas morreu em 11 de janeiro de 1811, aos 90 anos e foi sepultado na Igreja de São Gonçalo, localizada na Praça João Mendes, centro de São Paulo. Sua história se tornou um samba escrito em 1974 pelo cantor e compositor Geraldo Filme, um militante do movimento negro, que reivindicava, já naquela época, a memória do construtor como figura fundadora da modernização de São Paulo, conta o pesquisador Carlos Gutierrez Cerqueira Pesquisador, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), no livro que reconstrói a memória e Tebas.

Imagem: A Matriz da Sé, em foto de Militão Augusto de Azevedo, década de 1860 reproduzida no livro ‘Tebas, um negro arquiteto na São Paulo escravocrata’.REPRODUÇÃO

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