TRF3 confirma posse de terras à Associação Quilombo de Cangume no Vale do Ribeira (SP)

As áreas, localizadas no município de Itaóca, correspondem à Roça dos Boavas e Toca da Onça

No Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3)

A Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manteve sentença que determinou posse de duas áreas quilombolas à Associação Quilombo de Cangume. As terras, localizadas no município de Itaóca, no Vale do Ribeira (SP), correspondem à Roça dos Boavas e Toca da Onça e possuem área total de 129,915 hectares.  

Para o colegiado, provas compostas por laudo pericial e relatório técnico científico elaborado pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) confirmaram que a comunidade Cangume possuía detenção do espaço antes da chegada do autor do recurso. Testemunhas corroboraram a ocorrência do esbulho (perda de posse da propriedade) e a proibição de o grupo plantar nas áreas ocupadas.

Segundo a Turma, a legislação assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos o reconhecimento da propriedade definitiva, desde que ocupem suas terras, e cabe ao Estado emitir os respectivos títulos.  

O normativo também regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das áreas ocupadas pela comunidade, que servem como garantia da reprodução física, social, econômica e cultural de comunidade social e economicamente fragilizada. 
 
A decisão do TRF3 destaca precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que os quilombolas têm direito à plena proteção possessória dos espaços que estejam ocupando até que haja titulação definitiva de domínio.  

Com os requisitos legais comprovados, os magistrados entenderam que o Quilombo de Cangume faz jus à proteção possessória contra atos de esbulho ou turbação (prenúncio da perda de detenção do espaço).  

“Defender que o atual titular da propriedade possa retirar os quilombolas do local, esbulhando-lhes a posse, para, só depois da eventual conclusão do procedimento de desapropriação, serem eles reconduzidos ao local, não parece ser a melhor solução. Além de aprofundar a violação a um direito fundamental constitucionalmente assegurado, contrariando a intenção protetiva que emana de todo o conjunto legislativo que rege a matéria, a dispersão das famílias remanescentes pode revelar-se irreversível na prática”, destacou o relator, desembargador federal Nino Toldo.  

A defesa recorreu sob alegação de que o caráter de comunidade quilombola exigido não prevalece, pois os moradores teriam abandonado a região em busca de melhores condições de vida e negociaram a posse com terceiros. 

“O fato de grande parte da população do Cangume haver migrado para outras regiões, em especial a partir da década de 1960, como consequência do avanço econômico baseado na extração de minério e na pecuária, não retira o direito das famílias remanescentes de obter a proteção da área ocupada e cultivada para sua subsistência”, ressaltou Nino Toldo. 

Por fim, o magistrado destacou que não é permitido, em sede de ação possessória, definir se alguma das partes é ou não titular do domínio sobre a coisa. Portanto, a discussão da apelação ficou restrita ao direito à proteção da posse, previsto no art. 927 do Código de Processo Civil/73. 

Apelação Cível nº 0010697-09.2005.4.03.6104/SP

Foto: Agência Brasil

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