Lista de marcados para morrer apavora comunidade de agricultores do Engenho Fervedouro, na Mata Sul de Pernambuco

Na CPT NE2

De acordo com denúncias de famílias agricultoras da comunidade do Engenho Fervedouro, em Jaqueira, Zona da Mata Sul de Pernambuco, circula na região a informação de que há uma lista de dez agricultores da comunidade marcados para morrer. A notícia chegou à comunidade após a tentativa de assassinato do agricultor Edeilson Alexandre Fernandes da Silva, que teria sido o primeiro da lista. O agricultor foi alvejado por sete tiros no último dia 16, quando saía de sua casa na comunidade em direção à sede do município de Jaqueira. As balas atingiram mãos, costas e nádegas do agricultor, que se encontra em estado grave, internado em uma unidade hospitalar da região.

Desde que chegou a notícia de que há uma lista de agricultores a serem executados, a comunidade vive um clima de pavor. Uma das lideranças da comunidade que está entre os ameaçados comenta que “as pessoas estão apreensivas e com medo. Quando dá 17h todo mundo fecha as portas, não temos mais aquela liberdade de andar na comunidade. Até os cultos [religiosos] não estamos fazendo mais”. Outra agricultora, esposa de um dos camponeses ameaçados, comenta que “está todo mundo triste e apavorado. A gente não sabe se outra pessoa vai ter o que Edeilson teve. Os bandidos fazem as coisas e é a gente quem tem que se esconder. Estamos apavorados e com muito medo. Não tem uma pessoa que não esteja com medo na comunidade. A gente vai esperar para morrer?”.

A área em questão é apontada como o maior e mais perigoso caso de conflito fundiário no estado de Pernambuco em 2020, segundo o Setor de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT, o qual é referência internacional em registros de violências no campo. As famílias do Engenho Fervedouro, bem como outras famílias de comunidades vizinhas, enfrentam o conflito com a arrendatária das terras, a empresa Agropecuária Mata Sul S/A, cujo representante de fato é o empresário Guilherme Cavalcanti de Petribú de Albuquerque Maranhão. Membro de uma tradicional família ligada ao setor sucroalcooleiro em Pernambuco, o empresário também é irmão de Marcello Maranhão, prefeito do município de Ribeirão pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). As terras em questão pertencem à Usina Frei Caneca, a qual possui uma dívida multimilionária com o Estado de Pernambuco.

Pelo alto grau de conflito na região, a Comissão Pastoral da Terra – por meio de ofício protocolado no último dia 20 – reivindicou da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Pernambuco urgentes, eficientes e imparciais investigações policiais para apurar a autoria do atentado contra a vida de Edeilson, suas motivações ou eventuais relações com a luta das famílias pelo direito à terra em que vivem  há mais de setenta anos. No documento, a CPT também solicita em caráter de urgência “que as investigações sejam presididas por um Delegado ou Delegada especial, de fora da região, para que as apurações indispensáveis tenham isenção e credibilidade, punindo os seus autores e esclarecendo se o atentado teve relação com o conflito fundiário existente”. A CPT também reivindica que sejam apuradas com rigor as denúncias acerca das ameaças de morte na comunidade.

Pavor, medo, depressão, indignação e humilhação: a situação das 70 famílias agricultoras do Engenho Fervedouro

Antes mesmo da tentativa de assassinato de Edeilson e da notícia de que haveria uma lista de 10 pessoas juradas de morte, as famílias de Fervedouro – e de comunidades vizinhas – já enfrentavam um quadro de pavor e depressão, decorrente da situação conflituosa em que vivem cotidianamente com a empresa Agropecuária Mata Sul S/A. O Programa de Proteção a Defensores de Defensoras de Direitos Humanos, do Governo do Estado, chegou a elaborar um relatório psicológico, cujas informações foram coletadas de fevereiro a junho de 2020. O relatório concluiu que “após as violações sofridas, os moradores dos Engenhos Fervedouro, Caixa D’Água, Várzea Velha e Barro Branco passaram a apresentar diversas alterações emocionais, tais como: estado de hipervigilância, distúrbios do sono, medo, ansiedade, depressão, entre outros. A criança de cinco anos que fora envolvida em um dos episódios de violação apresenta regressão do comportamento e pânico ao perceber a presença de qualquer viatura policial”.

O caso tem chocado outras entidades de direitos humanos, mas apesar da gravidade é lenta a atuação do Estado de Pernambuco para solucionar o conflito

Com esses últimos episódios, o conflito fundiário com a empresa Agropecuária Mata Sul S/A tem chocado e chamado a atenção de diversas organizações e entidades de direitos humanos em Pernambuco e no Brasil. O Comitê Emergencial do Campo, composto por 23 organizações e entidades que lidam com populações rurais, protocolou um ofício reivindicando uma audiência em caráter de urgência com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, para tratar sobre a situação de aprofundamento da violência no campo no estado e sobre a situação de grave risco em que vivem as famílias de Fervedouro. “Precisamos debater, nessa audiência, providências governamentais imediatas e eficazes para enfrentar, coibir e neutralizar essas violências e para assegurar alinhamento e respeito aos direitos dos trabalhadores e aos próprios deveres por parte de agentes locais integrantes do Governo e do Poder Público, além, obviamente, de encaminhar uma solução definitiva com a garantia das terras para quem nela vive, produz e exerce a sua cidadania há várias décadas”, ressaltam as organizações em documento enviado ao Governador.

O Presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural e Sustentável de Pernambuco (CDRS – PE), Germano de Barros Ferreira, também emitiu nota reforçando a necessidade de investigação criteriosa dos crimes cometidos contra os agricultores, incluindo a tentativa de homicídio de Edeilson Alexandre. No documento, o presidente do Conselho ressalta que “temos acompanhado o crescimento arbitrário, autoritário, violento e desrespeitoso com a vida humana dos conflitos de terra cometidos nos últimos meses em nosso estado. Eles têm uma concentração maior na Zona da Mata Sul, principalmente no município de Jaqueira”.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também emitiu nota de repúdio sobre a situação de violência e de conflito fundiário na região: “pedimos veementemente aos órgãos de proteção e segurança da nossa sociedade medidas cabíveis para que isso não volte a acontecer em nenhum dos 184 municípios de Pernambuco. Somos trabalhadores (as) do campo, responsáveis por mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros e brasileiras, mas, sobretudo, somos seres humanos, lutamos por direitos sociais, liberdade e dignidade. Defendemos e acreditamos no direito à justiça para todos e todas”. A denúncia da violência e do conflito fundiário em Jaqueira também tem sensibilizado outras entidades, religiosas e religiosos que deverão se posicionar em solidariedade às famílias no decorrer da semana, bem como reforçar o pedido de que o caso seja solucionado com celeridade pelo Governo do Estado e suas Secretarias envolvidas.

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