Esplanada da Morte (VII) — Não é só Weintraub que odeia “o termo” povos indígenas

Ex-ministro deixou o MEC após atacar o STF e dizer que “só tem um povo neste país”; em seguida foi para os EUA trabalhar no Banco Mundial, instituição também hostil aos povos originários; em seu lugar entrou Milton Ribeiro, um defensor da educação pela dor

Por Alceu Luís Castilho e Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

No princípio era o verbo, conforme a formação do ministro da Educação, Milton Ribeiro. E o verbo no MEC se fez ódio. O próprio Ribeiro, em vídeo antigo, falou em educação de crianças pelo castigo, “pela dor“. Mas o principal personagem da pasta no governo Bolsonaro ainda atende pelo nome de Abraham Weintraub, que deixou o cargo no dia 18 de julho, quase dois meses após a reunião em que chamou os onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de “filhos da puta” e falar em “botá-los na cadeia”.

Na mesma reunião, cujo vídeo foi divulgado em maio após decisão de um desses ministros, Celso de Mello, Weintraub teceu considerações sobre os povos indígenas. A partir das próprias palavras que os definem:

— Eu odeio o termo ‘povos indígenas‘, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré.

Weintraub saiu pela porta dos fundos do MEC e entrou por uma porta lateral do Banco Mundial, em Washington. Na última quinta-feira (30/07), ele foi nomeado diretor-executivo do conselho da instituição, nomeado pelo grupo dos seguintes países: Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago. Fica até outubro. Depois, não se sabe. No Brasil, aguardarão ele dois inquéritos nos quais aparece como investigado: por racismo contra os chineses e por divulgação de notícias falsas.

Ele é o sétimo personagem da série Esplanada da Morte, que retrata, desde o dia 28 de julho, o papel de cada ministro (entre outros executivos importantes do governo Bolsonaro) na promoção de uma política violenta desde o dia 1º de janeiro de 2019, uma necropolítica que ganhou, durante a pandemia do novo coronavírus, uma dimensão de genocídio.

Em junho, a mortalidade entre os indígenas na Amazônia Legal era 150% maior que a média nacional. Já são 639 indígenas mortos por Covid-19 no Brasil.

Diante do papel dos povos indígenas nessa matança, a verborragia de Weintraub se sobrepôs à discrição de Ribeiro na definição do personagem principal desta reportagem. Ao todo, Weintraub ficou pouco mais de catorze meses no cargo, contra os vinte dias do sucessor.

Mas ambos ganham um coadjuvante de peso: o próprio Banco Mundial. Será a instituição tão distante assim do discurso violento de seu novo executivo, como querem fazer crer setores da imprensa?

BANCO MUNDIAL TAMBÉM TEM POLÍTICAS ANTI-INDÍGENAS

A chegada de Weintraub ao Banco Mundial se cercou de polêmicas, em razão das declarações dele contra o globalismo e a China, baseadas no discurso do autointitulado filósofo Olavo de Carvalho. A China é o terceiro maior acionista da instituição. O negacionismo na questão ambiental de Weintraub, sua repulsa ao método de ensino do educador Paulo Freire, o combate ao que chama de “ideologia de gênero” e a negação a políticas afirmativas destoam do discurso do banco. Um manifesto com ex-integrantes do Banco Mundial chegou a ser articulado contra a nomeação dele, mas acabou não vingando.

Apesar das diferenças, a política do Banco Mundial para povos originários guarda mais semelhanças com o governo Bolsonaro do que gostaria de admitir, principalmente em um ponto central: o acesso à terra. No ano passado, o centro de pesquisas britânico Bretton Woods Project divulgou um relatório que mostra como o Banco Mundial tem incentivado a privatização de terras indígenas e públicas para grandes proprietários. O título de CartaCapital é significativo: “Banco Mundial tem em Bolsonaro um aliado no ataque às terras indígenas“.

A própria ida de Weintraub para os Estados Unidos para assumir o cargo foi cercada de tensão. Para evitar constrangimentos na entrada, barrada ao brasileiro comum por conta da pandemia, o presidente retardou a publicação da sua exoneração e o Itamaraty se empenhou diretamente na concessão do visto. Antes de deixar o cargo, Weintraub fez questão de deixar suas últimas digitais: revogou as cotas para negros e indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação — ato que inspirou a imagem principal desta reportagem, em ilustração de Eduardo Baptistão.

DA VACINA ÀS AULAS, WEINTRAUB VIROU AS COSTAS PARA A PANDEMIA

O gesto final de Weintraub é apenas um exemplo do que foi sua gestão. Quanto à pandemia, suas estratégias misturaram a divulgação de notícias falsas, como supostas evidências de que o vírus tivesse sido desenvolvido pela China em laboratório, e o negacionismo sobre a gravidade da pandemia. O então ministro resistiu o quanto pôde ao adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), pediu a volta às aulas em municípios com poucos casos de coronavírus e falou em”premiar” com mais recursos as universidades que mantivessem as atividades.

Weintraub também mostrou desprezo pelas universidades públicas, que poderiam ter um papel maior no desenvolvimento de pesquisas na busca de vacinas contra a Covid-19. O governo investiu no discurso em defesa da cloroquina, substância que já se mostrou ineficiente para o tratamento da doença. A participação mais ativa dos brasileiros nas pesquisas seria uma dupla derrota do ex-ministro. A China tem um papel reconhecido no desenvolvimento das pesquisas.

Em sua cruzada, o ex-ministro chegou a acusar as universidades públicas de serem locais de cultivo e consumo de drogas. E ameaçou punir com cortes de verbas as universidades por “bagunça e evento ridículo”. Citou como exemplo de balbúrdia a participação de integrantes de movimentos sem-terra e de “gente pelada” dentro do campus.

Neste quesito, é difícil esperar algo muito diferente do seu sucessor. Pastor presbiteriano, Milton Ribeiro deu a entender que o existencialismo surgiu nos anos 60, quando a corrente filosófica teve sua origem no século 19. Ele também disse que o existencialismo incentiva uma “prática totalmente sem limites do sexo”, um tema bastante caro aos ministros de Bolsonaro alinhados à chamada guerra cultura.

CONSPIRAÇÃO, PLÁGIOS, COMBATE AO FUNDEB: O MEC DE BOLSONARO

Antes de Weintraub, o MEC ficou a cargo do também olavista Ricardo Vélez Rodríguez, igualmente conhecido por suas falas desastradas. Rodríguez acusou o jornalista Ancelmo Gois, colunista de O Globo, de ter sido treinado pela KGB, o antigo serviço secreto soviético, anunciou a revisão da maneira como os livros didáticos tratavam o golpe de 1964 e pediu que as escolas filmassem seus alunos dizendo o slogan da campanha de Bolsonaro. Colombiano, Vélez comparou os brasileiros em viagens a “canibais” e “ladrões”.

Diferentemente dos antecessores, Ribeiro, que tem um grande apoio na bancada evangélica, defende um maior diálogo no MEC. Antes de sua confirmação no cargo, duas situações deixaram clara a falta de prestígio da pasta. Pela primeira vez desde a renúncia de Jânio Quadros e ao golpe do parlamentarismo para permitir que o vice-presidente João Goulart tomasse posse, em 1962, foi a primeira vez que o Brasil ficou, ao mesmo tempo, sem ministros da Saúde e da Educação.

Entre um e outro olavista, Bolnonaro ainda nomeou como ministro Carlos Alberto Decotelli, ligado aos militares. Mas ele nem chegou a tomar posse oficialmente, depois que foram apontadas várias informações falsas em seu currículo e uma acusação de plágio: “Fora do governo após fraude no currículo, Decotelli seria mais um nome ligado a ruralistas“.

Se tem a missão de fazer o ministério voltar a funcionar, Ribeiro já foi omisso em um dos pontos mais essenciais: o apoio à educação básica. Assim como seus antecessores, o ministro não fez qualquer esforço pela renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que precisava ser renovado para valer em 2021.

O governo se manifestou contra a proposta, queria usar o dinheiro para outros fins e chegou a propor a suspensão do fundo nos próximos anos. Derrotado na Câmara, onde foi aprovada uma emenda constitucional que tornou o fundo permanente, o governo ainda fingiu ter sido vitorioso.

Imagem principal: Baptistão

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