No MT, Sinop Energia dificulta acesso aos direitos dos atingidos pela barragem

O consórcio empresarial de Sinop não reconhece o valor das indenizações definidas em perícia judicial e os atingidos revelam dificuldades para restabelecer suas vidas

por Juliana Pesqueira, do Projeta Amazônia, no MAB

Atingidos pela construção Usina Hidrelétrica UHE Sinop, norte de Mato Grosso, se sentem coagidos pelo consórcio empresarial responsável e temem não conseguir uma compensação justa. A Companhia Energética Sinop (CES), também conhecida como Sinop Energia e que tem suas turbinas em funcionamento desde inícios de 2019, entrou com recurso judicial no dia 10 de agosto contra o perito que realizou o último laudo de taxação das terras em que os moradores perderam para o reservatório da barragem de Sinop, localizada no rio Teles Pires. 

As 214 famílias atingidas que moram no assentamento Gleba Mercedes temem não receber uma indenização justa, assim como outras promessas feitas pelo consórcio e publicaram uma carta de denúncia no 25 de agosto junto com o Movimento de Atingidos pelas Barragens (MAB). “As famílias vêm sofrendo na tentativa de restabelecer a qualidade de vida que tinham antes da usina”, afirma a carta que defende o direito dos atingidos a receberem um valor justo, assim como o reconhecimento dos laudos realizados para taxar o valor das terras das quais foram removidos. 

A ausência de negociação no processo de compensação

Os moradores do assentamento Gleba Mercedes, localizado no município de Sinop, norte de Mato Grosso, receberam em 2017 um valor de indenização monetária muito abaixo do preço real de mercado. As famílias atingidas afirmam que aceitaram a proposta da CES porque se sentiram coagidas mas que não tiveram oportunidade real de negociação. “Não tinha proposta de negociação, era um sistema autoritário deles, era a proposta deles e ninguém podia fazer uma contraproposta, te davam uns cinco dias de prazo pra você pensar e se não aceitar ia sair em juízo e isso veio prejudicar a gente porque a gente não tinha opção de negociação do valor justo”, declarou em entrevista em agosto deste ano Mauro Freese, morador atingido.

Da mesma forma, o vizinho Carlos Becker afirmou em entrevista em agosto: “eu fui no caso coagido. (…) Eles falavam que se não pegava (aquele dinheiro) íamos ter que ir a juízo e receber só 30% sem saber se o resto nem ia receber. Então isso para a gente foi muito desagradável e hoje a gente ainda continua na esperança de ter um preço justo do que fomos indenizados”. 

A CES pagou em 2017 em média  R$ 3.900 por hectare, o preço foi estabelecido pelo consórcio e as famílias afirmam que não tiveram a oportunidade de realizar nem uma peritagem do valor real nem uma contraproposta de preço. Por esse motivo, o MAB denunciou o consórcio ao Ministério Público Federal (MPF), que solicitou uma perícia do Instituto da Reforma Agrária (INCRA). O laudo técnico do INCRA foi entregue em agosto de 2017 e determinou que o preço médio da hectare na região era de R$ 12.258 por ha.

Devido ao não reconhecimento e contestação da CES em relação aos valores resultantes da perícia, o MPF elaborou uma segunda peritagem de taxação de terras e constatou em fevereiro de 2018 que os valores médios por hectare se aproximam aos apresentados pelo INCRA. Com essa provas, o MPF abriu uma Ação Civil Pública (ACP) para denunciar as diversas irregularidades na definição das indenizações, que foi realizada entre setembro e outubro de 2018, a partir da qual, teve lugar uma terceira perícia, a perícia  judicial, que determinou que o valor médio das terras atingidas pela UHE Sinop é de R$ 23.724 por hectare. 

Em dezembro de 2019 foi convocada uma audiência de conciliação para resolver o pleito e garantir que a CES pagasse a diferença até atingir uma compensação justa aos atingidos, mas o consórcio empresarial se negou a participar de qualquer acordo em tratativas preliminares com MPF . Desde aquele momento, a CES apresentou um recurso de embargo de declaração contra o perito e a perícia judicial, na qual foi acatado pelo juiz competente no dia 10 de agosto de 2020.

“Há relevantes menções à parcialidade ou à conduta do perito na elaboração do laudo e na apresentação das informações em juízo, sobre as quais deve ser oportunizado ao próprio perito falar nos autos, em especial porque a parte ré objetiva sua substituição no processo, com a aplicação de penalidade, inclusive”, expôs a CES.

Igualmente, o texto da missiva argumenta que: “entendemos que o perito seguiu todas as normas técnicas para chegar ao referido valor, sendo que o valor de mercado das terras na região se encontra acima do valor periciado, tendo em vista que o preço das terras levantado é de dois anos atrás, ou seja, se tiver que fazer alguma correção dos valores que seja acima do valor periciado e não abaixo”. 

Compensação justa para perdas de terra e renda

No assentamento Gleba Mercedes, uma das atividades de renda das famílias era a pesca no rio mas se viu prejudicada pela construção do reservatório, assim como por quatro trágicos episódios de mortandade de dezenas de toneladas de peixes. Também tinha plantações em abundância que foram destruídas e os agricultores e agricultoras estão tentando semear nas novas terras. Igualmente, tem famílias que dependem da produção de laticínios mas foi drasticamente reduzida por conta da perda das pastagens para o gado se alimentar. A perda das nascentes que cada família tinha no seu lote de terra agora ocupado pela hidrelétrica, assim como a recente diminuição do nível do reservatório no atual período de seca na região, tem prejudicado à pesca, à criação de animais e à agricultura. 

Irma perdeu tanto a roça familiar quanto a principal fonte de renda dela que era a venda de peixe, agora vive de auxílios públicos junto com o seu marido aposentado. 

José Aparecido, que cria gado para laticínios no assentamento desde há 23 anos, perdeu as suas terras de pastagens e declara que seus animais sofrem de sede, produzem pouco e, em decorrência ele está quase sem renda porque não tem leite para vender. 

A seca do lago tem deixado exposta a vegetação morta que não foi retirada antes do enchimento, o que desrespeita a lei 3.824/60 que “torna obrigatória a destoca e consequente limpeza das bacias hidráulicas dos açudes, represas ou lagos artificiais”. A decomposição da vegetação tem provocado uma diminuição do oxigênio da água, prejudicado à ictiofauna e os moradores reclamam do cheiro de podre provocado pela morte dos peixes e pela lama às beiras do reservatório que está cada vez mais seco.

Em decorrência disso tudo, as poças de água parada tem se tornado um fator de risco para a saúde dos moradores, que além disso sofrem de ansiedade e depressão pela dificuldade diálogo com o consórcio empresarial. “As famílias têm reclamado sobre a infestação de mosquitos depois do enchimento do lago, segundo informações de trabalhadores da saúde foram coletados vetores da malária e leishmaniose, os mesmos manifestaram preocupação com um possível surto dessas doenças”, explica a carta publicada pelo MAB e atingidos. 

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