Pela primeira vez, Candombe do Quilombo do Açude em homenagem a Nossa Senhora será fechado ao público

Celebração com mais de 100 anos é realizada no Quilombo do Açude, em Jaboticatubas

Por Leandro Couri, no Estado de Minas

Com a tradição secular de manter a “casa aberta” para a festa de Nossa Senhora do Rosário, que acontece sempre no segundo sábado de setembro, ao final da novena desta, que é a santa dos pretos, membros do Quilombo do Açude, em Jaboticatubas, na Serra do Cipó, a 100 quilômetros de BH informam que, no ano da pandemia e, pela primeira vez em sua história, o Candombe será feito de portas fechadas e somente quem mora na comunidade poderá participar presencialmente. Os descendentes de escravos e guardiões da tradição sincretista, por outro lado, apontam como um dos anos mais importantes para a propagação da fé e, mesmo não permitindo a entrada de pessoas, que anualmente vêm de todos os cantos do Brasil e de outros países também, garantem que vão rezar em nome de todos, inclusive de quem ainda não conhece o Candombe.

Em maio, a reportagem do Estado de Minas esteve no quilombo e constatou uma comunidade cuidadosa com o momento.  Na ocasião, a matriarca Maria das Mercês dos Santos, Dona Mercês, e outras lideranças adotaram, com sabedoria, as medidas preconizadas pela ciência para proteger as 128 pessoas que vivem lá. Todos têm se mantido em casa, usam máscaras e não deixam de aplicar o álcool em gel nas mãos. O local é uma das comunidades mais tradicionais de Minas, de onde vem a origem do congado. “Estamos pensando na proteção e na saúde de todos que viriam e, com certeza, vamos rezar por todas as pessoas que são fiéis ao candombe e que sempre participam de festa”, explica Florisbela Santos, moradora do Açude e candombeira de berço.

Uma das preocupações da comunidade com a aglomeração no dia que seria a festa, se deve ao fato da Serra do Cipó estar no processo de reabertura do turismo, principal atividade local, porém, o Açude continua fechado. “Pedimos encarecidamente que não venham ao local para não termos que impedir o acesso de ninguém, não precisa disso”, atenta Florisbela, que ainda completa: “Estamos nos protegendo e, embora a Serra do Cipó esteja reabrindo, a comunidade continua fechada. Estamos em celebração da novena de Nossa Senhora, mas este ano será uma coisa íntimas, só para família que já convive. Estamos ainda tentando entender o momento, pois nunca houve uma situação dessa de não abrir ao público”, pasma.

A esperança é de que no ano que vem, a festa possa voltar ao seu formato original, com o acesso de qualquer pessoa que quiser chegar. “Para todas a pessoas que ainda não conhecem e que vinham planejando vir, podem firmar o pensamento, pois será um momento de muita fé e, no ano que vem, se deus quiser, a festança vai ser maravilhosa e todos poderão vir se abraçar e cantar ao som dos tambus. É esta a energia e a alegria que o Candombe traz para todo o mundo.”

O ritual

O candombe surgiu nos últimos anos da escravidão, quando as pessoas já haviam assimilado vários aspectos da cultura colonial e incorporado elementos da religião católica. Se antes foi reprimido pelos senhores, hoje o candombe é motivo de orgulho para as famílias e uma manifestação de fé e esperança. As orações, tantas vezes repetidas, são formas de agradecer a Nossa Senhora do Rosário, mãe do candombe, por todas as bênçãos concedidas à comunidade. E os batuques dos tambus, por sua vez, transmitem a fé e a alegria do povo. No ritual sagrado não faltam canções com versos em português e muita cachaça, para descontração de quem vai prestigiar a festa.

É a manifestação mais primitiva do Congado e tem uma reza em forma de canto em grandes rodas que se formam durante a noite para que todos possam participar do louvor. A devoção a tradição do Candombe é algo que compõe as formas de viver do Quilombo do Açude. Desde cedo, meninos e meninas aprendem os cantos, danças e rezas em homenagem à Nossa Senhora do Rosário.  “Ah eu vi, eu vi, eu vi. Ah, eu vi, eu vi, eu vi, o Menino de Jesus Tilelê tilelê eu vi”. “Nós viemos, viemos, viemos, Oi viemos do lado de lá. Põe um laço de fita amarela na ponta da palha eu não [posso] tirar, na ponta da palha eu não posso tirar…”. “O senhor me dá licença, de eu cantar nesta baixada…”. “Tá caindo fulô”. Os cantos são entoados ao som dos tambus, instrumentos seculares.  Todos, homens e mulheres, crianças e adultos, seguem a bandeira de Nossa Senhora do Rosário. O caminho recebe flores de papel e é iluminado por velas.

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Complemento de Combate:

Dona Mercês. Foto capturada de vídeo

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