Esplanada da Morte (XVII) — Quem são os oportunistas e quem são os urubus, Augusto Aras?

Escolhido por Bolsonaro sem apoio de seus pares, procurador-geral da República não tem hesitado em arrumar brigas dentro do Ministério Público Federal para defender os interesses do governo; presidente acena com possibilidade de indicá-lo ao STF

Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

Comumente relembrado no mês de setembro em função das comemorações do Dia da Independência, o grito “independência ou morte” transformou-se em dilema para o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, cujo diagnóstico positivo de Covid-19 foi anunciado nesta quinta-feira (17/09).

Desde que assumiu o cargo, em setembro de 2019, concorrendo por fora da listra tríplice tradicionalmente acatada em governos anteriores, o chefe do Ministério Público Federal (MPF) reuniu-se ao menos seis vezes com o presidente Jair Bolsonaro, um recorde para o cargo. Nesse período, Aras arquivou dezenas de inquéritos que implicavam diretamente o presidente da República: de falsidade ideológica à fake news, passando pela investigação sobre as “rachadinhas”, ameaças a jornalistas e pelo desprezo de Bolsonaro às recomendações da Organização Mundial da Saúde durante a pandemia.

Esse alinhamento ao presidente — que não poupa elogios à sua atuação e chegou a afirmar que o consideraria para uma eventual vaga no Supremo — é visto com preocupação por procuradores federais, que veem na submissão do PGR uma afronta ao princípio da autonomia do órgão frente aos demais poderes.

Desde julho, De Olho nos Ruralistas vem retratando na série Esplanada da Morte o papel de cada ministro — entre a omissão e a atuação deliberada — na política genocida capitaneada por Jair Bolsonaro, responsável pela morte de 133 mil brasileiros, muitas das quais evitáveis. A opção editorial por uma cobrança contundente do governo inclui também outros atores políticos, que tiveram nas mãos o poder de frear a matança.

Em abril, quando o país ainda contabilizava cerca de mil mortes pela Covid-19, Aras arquivou seis representações contra o Bolsonaro por estimular a população a descumprir medidas de isolamento. Questionado à época, em entrevista à Rádio Bandeirantes, o PGR saiu em defesa do presidente: “É preciso que o povo saiba que os oportunistas estão aí como urubus para criar problemas em meio a tantas mortes da Covid-19″.

Poucos dias depois, Aras nomeou os “urubus”, pedindo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que investigasse possíveis fraudes em compras emergenciais realizadas durante a pandemia em três estados, o que levaria ao impeachment do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC).

PROCURADOR NÃO VIU PROBLEMA EM USO ILEGAL DA CLOROQUINA

Nos meses seguintes, viriam outras decisões favoráveis a Bolsonaro, como o arquivamento de representação por conduta ilícita no combate ao coronavírus e a blindagem ao Ministério da Saúde em processos contra a promoção do uso indiscriminado da cloroquina.

A defesa do medicamento, cuja eficácia no tratamento da Covid-19 jamais foi comprovada por estudos clínicos, é também tema de uma representação, protocolada no dia 13 de julho pelo deputado Rogério Correia (PT-MG), solicitando a instauração de ação penal contra o presidente por improbidade administrativa. O pedido, que baseou requerimento para criação de uma CPI, ainda aguarda o parecer de Aras.

A relação entre Bolsonaro e o chefe do MPF, no entanto, também teve solavancos. Ainda em abril, mês em que a PGR deu início às investigações sobre a interferência do presidente na Polícia Federal trazida à público pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, Aras autorizou a abertura de inquérito sobre a participação de Bolsonaro e de pessoas próximas de seu gabinete nos atos antidemocráticos realizados ao longo da pandemia, que pediam o fechamento do Congresso e do STF.

A investigação, que busca apurar se o governo utilizou verba pública para financiar os atos, levou à convocação na última quarta-feira (16) do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para depor como testemunhas no processo, que corre no Supremo sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A decisão contrariou Aras, que se opôs à oitiva dos filhos do presidente.

Outro inquérito contrário a Bolsonaro, que investiga uma fala em que o presidente estimulou que apoiadores invadissem hospitais para filmar supostos leitos vazios, ainda segue indefinido.

ATUAÇÃO DE AUGUSTO ARAS NA PGR PREJUDICA POVOS INDÍGENAS

Bolsonaro não é o único favorecido pela atuação de Augusto Aras. Ao longo da pandemia, o Procurador-Geral da República anunciou decisões controversas relativas aos povos indígenas. Em junho, ele passou por cima de uma recomendação do próprio MPF ao convocar para uma reunião os invasores da Terra Indígena Kayabí, na divisa entre Mato Grosso e Pará.

Conforme reportagem da Agência Pública, Aras não consultou a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, órgão dedicado a processos que envolvem povos indígenas e comunidades tradicionais. Entre os “envolvidos” convocados pelo PGR, está a Agropecuária Vale do Ximari, pertencente ao fundo canadense Brookfield e dona de 75 mil hectares dentro da TI.

Outra decisão de Aras em relação aos povos indígenas ocorreu na ação indenizatória que propunha uma reparação do Estado brasileiro ao povo Avá-Guarani em virtude das violações de direitos humanos cometidas durante a construção da usina hidrelétrica de Itaipu. Apenas um mês depois de assumir a PGR, ele pediu a extinção da ação por enxergar que os documentos do processo não evidenciavam “representatividade coletiva”. O inquérito segue em análise.

A gestão de Aras à frente da PGR também foi marcada pelo acordo de indenização firmado entre os Ashaninka do Rio Amônia, no Acre, e a Companhia Marmud Cameli, encerrando um processo que se arrastava desde a década de 90. Pelo acordo, a empresa pertencente à família do governador acreano Gladson Cameli (Progressistas) se comprometeu a pagar R$ 14 milhões à Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) pela desmatamento ilegal de centenas de árvores de cedro e mogno dentro do território entre 1981 e 1985.

PROCURADORES FAZEM SEU TRABALHO, MAS SÃO BARRADOS

Em julho, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), presidido por Aras, fez uma recomendação para que os procuradores não acionem a Justiça por conta de decisões sobre o controle da pandemia de poderes municipais e estaduais quando não houver consenso científico sobre a melhor decisão a ser tomada.

A Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) entraram com uma ação no Supremo contra a medida por considerar que ela fere a autonomia dos procuradores e contraria a decisão do tribunal que determinou que os atos de agentes públicos em relação à pandemia devem atender a critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias, reconhecidas em nível nacional e internacional.

Aras já havia tomado uma decisão em abril que blindava os ministros do governo Bolsonaro. Ele enviou ofícios para os ministérios do governo federal solicitando que demandas enviadas por outros procuradores a respeito do coronavírus sejam reencaminhadas a um gabinete da PGR sob seu controle, o Gabinete Integrado de Acompanhamento do Covid-19 (Giac), para que ele possa avaliar a pertinência das manifestações dos colegas.

A decisão foi tomada depois de procuradores de primeira instância terem conseguido decisões judiciais derrubando trechos de decreto de Bolsonaro sobre reabertura de igrejas e suspendendo a divulgação de propaganda institucional do governo federal que pediria o retorno das pessoas às ruas.

Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas |

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