Sem verba prometida, pesquisadores investem dinheiro próprio para estudar impactos do petróleo

Por Raíssa Ebrahim, em Marco Zero Conteúdo

Em outubro do ano passado, poucos dias após as imagens de voluntários retirando petróleo cru de Itapuama, Litoral Sul, chocarem o Brasil, o Governo do Estado anunciou um edital emergencial de R$ 2,5 milhões para analisar os impactos do maior desastre do tipo no Oceano Atlântico Sul

O governador Paulo Câmara (PSB) reuniu secretarias, pesquisadores e cientistas e, através da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), 12 projetos foram selecionados. Foi um gol e um aceno político importante da gestão diante da omissão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A maior parte da verba, no entanto, nunca chegou aos laboratórios e pesquisadores seguem bancando trabalhos por conta própria.    

Até o momento, a Facepe só pagou R$ 355.952,00, entre fevereiro e agosto de 2020, segundo consta na resposta obtida nesta quinta-feira (17) ao Pedido de Acesso a Informação (PAI) feito pelo jurídico da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP) e ao qual tivemos acesso.

Esse valor, aliás, é quase 4,5 vezes menor – e, portanto, bem diferente – que os dois terços (R$ 1,6 milhão) ditos pela direção de inovação da Facepe em entrevista à Marco Zero Conteúdo. Saiba mais sobre a entrevista ao final da matéria.

Esse dinheiro é referente às bolsas dos estudantes. Mas de pouco adianta, segundo os professores, ter bolsas se os alunos não têm insumos, equipamentos, transporte e diárias para ir a campo. Pesquisas e monitoramentos importantes sobre mangues, pescados e restauração de ecossistemas estão prejudicados. 

“Eu e vários professores tiramos dinheiro do nosso próprio bolso para atender principalmente alunos de mestrado, desde a própria ida a campo, junto com as diárias, até insumos pequenos como formol, potes e vidraria de laboratório”, conta Mauro de Melo Júnior, do Laboratório de Ecologia do Plâncton da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recentemente, juntamente com a liberação das praias, a UFRPE também começou a colocar verba própria para auxiliar os pesquisadores.

A pesquisa que Mauro coordenada, sobre biorremediação, restauração e monitoramento de ecossistemas costeiros impactados pelo petróleo, envolve nove laboratórios. Segundo ele, cinco projetos de mestrado estão associados às pesquisas em questão no Programa de Pós-graduação em Ecologia. Muitos trabalhos estão tendo que ser adaptados ou ter temas mudados, inclusive no doutorado.

“Estamos vendo como usar os estudantes para outras ações, desde o planejamento do que fazer quando sair a verba até direcioná-los para outros projetos”, explica. “Estamos, por exemplo, avaliando mudar o projeto de uma aluna que tem bolsa de mestrado da Facepe porque não há como realizar as pesquisas, já que o projeto dela envolvia experimentos”, detalha.

Na avaliação do docente, parte do recurso público gasto está sem utilidade e, ao final, o objetivo de compreender os impactos do petróleo não está sendo atingido.

O projeto coordenado por Carlos Perez, sobre o impacto na cadeia alimentar dos manguezais e recifes de coral e suas consequências nos serviços ecossistêmicos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em Vitória de Santo Antão, só deve se desenvolver em 30% do pretendido – e graças ao esforço e o dinheiro dos professores envolvidos.

Eles se juntaram para bancar duas coletas, uma no início do ano e outra esta semana. O problema é que elas deveriam ser trimestrais. Parte do trabalho também foi atrapalhada por conta da pandemia da Covid-19, que impediu a realização de algumas etapas. Sobre o pagamento das bolsas, Carlos comenta que, apesar de pagas, “cada uma tem um plano de trabalho e um projeto, que é baseado nos recursos”.

“Por um lado, fiquei surpreso porque dava a entender que o recurso estaria certo. Por outro, fiquei decepcionado porque investimos tempo para montar um projeto e um time. E aí o projeto é aprovado, mas não pode ser desenvolvido com a qualidade prevista. Estamos fazendo o máximo que podemos para ter um resultado mínimo, mas longe do planejado”, lamenta.

Rosângela Lessa, do Laboratório de Dinâmica de Populações Marinhas da UFRPE, também aguarda a liberação do terço restante do dinheiro da Facepe. Apesar de os bolsistas estarem sendo pagos e terem um plano de trabalho, o projeto de monitoramento de médio prazo dos efeitos do petróleo sobre os recursos pesqueiros no estado não está acontecendo da forma que o grupo gostaria. Foi necessário fazer composição com outros projetos, o que aconteceu graças ao fato de eles terem laboratório.

Como já faz um ano do início do vazamento, ficou difícil analisar espécies de ciclo de vida mais curto, como a agulinha. Serão então priorizadas espécies de ciclo de vida mais longo, como o peixe serra, de alto valor comercial. O objetivo é saber se o petróleo alterou as dinâmicas populacionais desses animais.

“Há prejuízos, mas não é a primeira vez que temos projeto aprovado e o desembolso ocorre bem mais tarde. Entendo que é uma questão de disponibilidade de financiamento. A pesquisa não está sendo muito priorizada neste momento. Lamentamos muito, mas estamos fazendo o melhor que podemos e vamos aguardar. Não recebemos nenhum comunicado de que não haverá mais o financiamento, até porque o termo de outorga já foi assinado”, espera Rosângela.

No Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), o projeto coordenado por Adélia Araújo, de implementação de serviços tecnológicos especializados em análise de hidrocarbonetos em matrizes ambientais e pescados, não foi posto em prática. Como ele não tinha bolsistas, contava com a equipe própria do laboratório, então não chegou nem a sair do canto.

O laboratório de Adélia é referência na análise de resíduos em alimentos. Na fase aguda do vazamento, se adaptou para analisar também água e sedimentos e foi quem prestou esse serviço especializado para a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) na época. O grupo participou do edital com o objetivo de trabalhar também com análise de hidrocarbonetos e pescados em apoio a ações emergenciais e de longo prazo no estado. Na prática, Pernambuco segue sem um laboratório desse tipo caso outros desastres, naturais ou provocados, aconteçam. 

“A demanda praticamente acabou. Infelizmente é como tratamos o meio ambiente em todo o país. Não há preocupação em monitorar, fazer ações preventivas, ter estrutura montada para socorrer se algo acontecer”, diz a professora. A docente comenta ainda que, quando a verba for liberada, será preciso sentar e discutir se é necessário realmente montar esse tipo de serviço no momento no Itep.

Apesar da crítica ao baixo financiamento e atenção à ciência no Brasil, Adélia afirma que também entende a mudança de prioridade por conta da urgência da pandemia e da falta de recursos.

Passa ou repassa no governo

Desde a publicação do especial sobre um ano do incidente do petróleo, no início deste mês, a reportagem da Marco Zero Conteúdo vinha buscando respostas do Governo de Pernambuco. O presidente da Facepe, Fernando Jucá, disse que não iria se pronunciar por se tratar de uma questão financeira. O novo secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, Lucas Ramos, por sua vez, enviou uma nota à reportagem que sequer mencionava o vazamento. Falava apenas de novos editais e esforços da Facepe.

A secretaria da Fazenda, comandada por Décio Padilha, nos encaminhou para a vice-governadora, Luciana Santos, que nos remeteu ao secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, José Bertotti. Ele adiantou sobre a previsão de liberação do dinheiro “em breve”, justificando a situação de contingenciamento da pandemia e as prioridades diante também da baixa arrecadação.

Buscamos então a diretora de inovação da Facepe, Aronita Rosenblatt, para quem “os projetos não estão parados porque as bolsas estão sendo pagas regularmente”. Ela explicou que a Facepe fez o que cabia dentro do orçamento, implementando as bolsas. Além disso, disse que o passível de restos a pagar que ficou do ano anterior foi muito grande, prejudicando o desembolso.

Aronita também está na expectativa de que o dinheiro restante não demore para ser liberado e frisou que os novos editais da Facepe estão sendo programados para entrarem no cronograma financeiro do ano que vem só. “Não vamos comprometer nada mais este ano”.

Foto: Inês Campelo /MZ Conteúdo

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