Juíza ignora falta de provas de supostos donos e manda despejar 104 famílias em SP

Segundo defesa da Ocupação dos Queixadas, em Cajamar (SP), não há documento regularizado de propriedade do terreno

Caroline Oliveira, Brasil de Fato

Cerca de 104 famílias têm até 120 dias para desmontar, voluntariamente, a Ocupação dos Queixadas, em Cajamar, a menos de 50 quilômetros do município de São Paulo (SP). A decisão foi proferida pela juíza de primeira instância Gina Fonseca Corrêa por meio de uma audiência virtual, na última semana de setembro deste ano. O terreno é ocupado desde julho de 2019.

Segundo os moradores da ocupação a liminar foi aceita “de forma totalmente parcial, sem a possibilidade de presença dos trabalhadores, com depoimentos suspeitos”.  De acordo com uma nota do Movimento Luta Popular, que atua na ocupação, os moradores chegaram a pedir que a audiência fosse realizada em um outro momento, quando pudesse ser presencial, tendo em vista que as famílias têm limitações de acesso à internet. A Justiça, no entanto, negou a solicitação.

Cristian Willy, de 31 anos, mais conhecido como Jesus e um dos coordenadores da ocupação, afirma que a prefeitura se negou a estabelecer um diálogo com os moradores. Ao contrário, durante a revisão do Plano Diretor do Município, Willy afirma que o prefeito Danilo Joan, ao lado dos vereadores, manobrou para retirar exatamente o terreno em que a ocupação se encontra da condição de Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) para fim de moradias sociais. 

As famílias se encontram em desespero, porque não têm para onde ir. 

“Foi um grande golpe para os trabalhadores, porque nós sabemos que a área de ZEIS facilitaria a negociação com a prefeitura, mas isso também não impede a prefeitura de desapropriar esse terreno e passar para as mãos dos trabalhadores que aqui moram”, argumenta Willy.

“Nós queremos que a prefeitura e os vereadores se posicionem para poder regularizar nossa situação aqui nos Queixadas”, continua.

Vanessa Mendonça dos Santos, de 33 anos, endossa a narrativa: a prefeitura nunca se manifestou. “A gente tentou conversar com o prefeito diversas vezes. Alguns vereadores até falaram que iam tentar marcar uma audiência com ele, mas a gente nunca teve retorno”, lamenta.

Tanto Santos quanto Willy estão desempregados, assim como 80% dos moradores da ocupação, que conseguem apenas esporadicamente algum bico para sobreviverem. Com a notícia de despejo, também veio o desespero. “Agora que não dá mesmo para pagar um aluguel. As famílias se encontram em desespero, porque não têm para onde ir, não tem o que fazer.” Com o “agora que não dá mesmo”, Santos se refere à diminuição de R$ 600 para R$ 300 do auxílio emergencial, que “já era pouco”.

Segundo Willy, um contingente expressivo de famílias procura a ocupação atrás de moradia. Mas já não há mais capacidade para novos moradores. 

Mesmo com o pouco espaço que existe diante da demanda por moradia, os ocupantes construíram no local uma horta comunitária, biblioteca, espaço para atividades e reuniões, como aulas de reforço escolar para as 75 crianças que ali vivem.

O que diz a defesa? 

De acordo com a advogada Irene Maestro, coordenadora do Movimento Luta Popular, em breve será apresentado à Justiça um recurso contra a liminar e uma contestação do processo que levou à ordem de despejo.

Logo que as famílias ocuparam o terreno, dois irmãos entraram com a ação de reintegração de posse, alegando terem a propriedade e posse do terreno. Esses dois requisitos são essenciais: o primeiro é o documento que comprova a titularidade da terra vinculada ao nome do proprietário; o segundo, atividade de qualquer natureza na terra que comprova o uso do terreno e, portanto, o cumprimento de sua função social da propriedade.

Maestro elenca alguns fatores que contam contra esses dois irmãos e a favor da ocupação. Não há, segundo ela, comprovação da posse. “Para entrar com uma ação de reintegração de posse, é preciso provar a posse. Mas nem a propriedade eles comprovaram. Eles dizem ser herdeiros desse terreno, que teria sido do pai deles, mas não têm documento regular no nome dos filhos”, afirma a advogada.

O único documento em mãos dos irmãos é um registro de compra e venda na década de 1970,  mas que não foi formalizado em cartório. “O pai deles faleceu e agora eles se reivindicam herdeiros.”

Quanto à posse, Maestro explica que imagens do aplicativo Google Earth mostram que em todos os anos nos últimos 17 anos não houve nenhuma atividade no terreno. Os vizinhos ao redor afirmam que o abandono é até mesmo anterior a esse período. “A gente ocupou o terreno porque é um terreno que estava abandonado, porque era um terreno que não cumpria a função social”, afirma Maestro.

No entanto, os argumentos da defesa e o fato do terreno ter sido até pouco tempo caracterizado como ZEIS, não foi suficiente para a juíza indeferir a liminar. “Como sempre, a Justiça agindo nos interesses dos de cima, enquanto esse terreno estava abandonado e famílias na região que não têm qualquer política habitacional.”

Durante esses 120 dias, além do processo judicial, a defesa também irá cobrar da prefeitura algum compromisso. “As pessoas não estão ali porque querem, estão ali por necessidade. A gente sabe que está numa crise econômica que se somou à crise sanitária, e que tem sido cada vez mais difícil para as famílias mais pobres sobreviverem”, lamenta Maestro.

Brasil de Fato entrou em contato com a Prefeitura de Cajamar por meio de sua assessoria de imprensa, solicitando um posicionamento sobre o caso. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve um retorno.

Edição: Rodrigo Chagas

Imagem: Famílias da ocupação urbana realizam uma confraternização no Dia das Crianças; 75 crianças vivem no local – Arquivo pessoal

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