A água queima na Amazônia

por Dal Marcondes*, especial para a Envolverde

Pouco mais de 12% de toda a água doce de superfície escorre pela Amazônia. Há ainda aquíferos subterrâneos de grandes dimensões que se escondem sob suas matas, e sobre elas os rios voadores, que crescem sobre suas árvores e são bombeados para encher o pantanal brasileiro e o chaco boliviano e paraguaio, para depois fazer chover no Sul/Sudeste Brasileiro. Graças à combinação da imensa bomba d’água amazônica e a cordilheira do Andes a região de São Paulo/Paraná é uma das mais férteis do mundo. Em outros pontos do planeta, na mesma latitude de São Paulo/Paraná floresceram desertos. É o caso do Atacama, no Chile, o Kalahari, na África do Sul e o Deserto de Vitória na Austrália.

A floresta tropical da Amazônia é uma imensa bomba d’água que puxa umidade do Atlântico, circula essa umidade através da evapotranspiração das árvores e empurra a água em direção ao Sul através de Rios voadores. O desmatamento e o fogo retiram força dessa bomba d’água, reduzindo sua capacidade de oferecer os volumes de água necessários para o Pantanal e para o agronegócio pujante do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.

O que o Brasil, governo e sociedade precisam compreender é que o papel da Amazônia no desenvolvimento do país é muito maior através de seus serviços ambientais do que como terra de pecuária ou de madeira barata. O país se beneficia diretamente através do clima ameno e da rica economia das regiões ao Sul da Amazônia, onde se produz mais de 75% do Produto Interno Bruto do Brasil.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) oito unidades da federação concentram 77,8% da geração do PIB brasileiro: São Paulo (33,1%), Rio de Janeiro (10,8%), Minas Gerais (9,3%), Rio Grande do Sul (6,7%), Paraná (5,8%), Bahia (4,1%), Santa Catarina (4,0%) e Distrito Federal (4,0%). São justamente esses os Estados que recebem da Amazônia os serviços ambientais necessários para essa produção de riquezas.

Em contrapartida os estados da Amazônia Legal respondem por apenas 8,6% do PIB. Esse é um dado preocupante sob o ponto de vista do desenvolvimento social e da desigualdade. No entanto mostra, também, que os esforços para melhorar o desempenho econômico da região passam necessariamente por mais pesquisas e inovação em direção ao melhor aproveitamento da biodiversidade da região, considerada uma das mais importantes do mundo.

As práticas tradicionais de ocupação do território através do desmatamento, da criação extensiva de gado e da mineração não deixaram grandes dividendos. Há, sem dúvida experiências de sucesso, como o Polo Industrial de Manaus, que é um dos principais responsáveis pelo crescimento da grande metrópole manauara, e políticas públicas de desenvolvimento sustentável, principalmente no Pará, onde o Programa Municípios Verdes vêm dando bons resultados.

O economista Ignacy Sachs, um dos grandes pensadores de uma economia baseada na Biodiversidade afirmou quando da descoberta do petróleo no pré-sal, que o Brasil tinha recebido mais um presente do planeta e que os recursos da exploração do petróleo poderiam ser a grande alavanca de desenvolvimento para uma economia amazônica baseada em ciência e biotecnologias.  O investimento é necessário para a formação de cientistas e pesquisadores que se dediquem à construção de uma base de conhecimentos em biotecnologia e biodiversidade capaz de rivalizar com centros de excelência em outras áreas do conhecimento, como a NASA em questões espaciais e MIT em temas de inovação.

Desmatar e queimar é uma opção pelo atraso que pode a curto prazo abrir espaço para barreiras ao comércio global brasileiro, mas a médio e longo prazos o dano será ainda maior, com reflexos no tempo de difícil recuperação. A destruição da capacidade de ofertar serviços ambientais pela floresta tropical da Amazônia vai impactar diretamente a economia do Sul/Sudeste, e de quebra, do Centro-Oeste, que sobrevivem graças às chuvas regulares e ao regime climático que os rios voadores garantem.

A Amazônia tem um papel global na discussão climática, no entanto quem vai pagar o maior preço por sua devastação será o Brasil e suas futuras gerações, com a perda da oportunidade histórica de ascender ao clube dos países desenvolvidos a partir de uma nova visão econômica e social baseada em ciência, biodiversidade e conhecimentos de populações tradicionais.

A economia tem uma visão de curto prazo, por isso cabe aos governos estabelecer compromissos com o futuro.

*Especialista em Ciência Ambiental pelo Procam/USP e mestre em produção jornalística pela ESPM/SP. foi reporter e editor de economia nas revistas IstoÉ, Exame e Dirigente Industrial, nas agências Estado, France Presse e Dinheiro Vivo e nos jornais Terramérica, DCI e Gazeta Mercantil. Desde 1995 dedica-se à pauta socioambiental em uma parceria com a agência Inter Press Service (IPS).

Foto: Planeta Sustentável

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