Em reunião intermediada pela Funai, DPES e MPF, comunidades exigem indenizações, lucro-cessante e auxílio emergencial
Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Quebra de confiança, ausência de diálogo, desgaste da relação e necessidade de restabelecer ambiente negocial. Os termos estão presentes na ata da reunião realizada por videoconferência nessa terça-feira (27) entre as comunidades da Terra Indígena Tupiniquim de Comboios, em Aracruz, norte do Estado, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), o Ministério Público Federal (MPF/ES) e a Vale S/A. Na pauta, pagamento das indenizações e do lucro-cessante às famílias cadastradas; inserção de mais 40 famílias ainda não cadastradas; e intervenção da Vale, junto à Fundação Renova, a Samarco e a BHP Billiton, para viabilização dos dois primeiros itens.
Ao término da reunião, os indígenas concederam prazo até às 17h do mesmo dia para que a Vale apresentasse algum resultado prático para atendimento das demandas, após diálogo com as demais mantenedoras da Fundação Renova, entidade responsável pelas ações de reparação e compensação dos danos oriundos do rompimento da Barragem de Fundação, em Mariana/MG, em novembro de 2015.
Não tendo sido apresentado qualquer avanço, os indígenas iniciaram, na manhã desta quarta-feira (28), a interdição de um trecho da ferrovia que corta a aldeia Córrego do Ouro, impedindo o trânsito de cargas em direção ao Portocel e Jurong, também localizados em Aracruz, norte do Estado. “Só vamos sair depois de uma definição da Vale”, afirma o cacique Toninho, da Aldeia Comboios.
A defensora pública Mariana Sobral explica que, passados quase cinco anos do crime ambiental, as comunidades da Terra Indígena de Comboios ainda não possuem sequer uma matriz de danos para subsidiar a definição dos valores das indenizações e do lucro-cessante. Além disso, 40 famílias não foram cadastradas para recebimento do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE).
“A quebra de confiança, a questão indenizatória e de lucro-cessante e a inclusão das famílias são os pontos centrais”, ressalta a defensora pública. “A Renova não apresentou de forma fundamentada os motivos da não inclusão. Nós temos dois casos de pessoas que a Renova exige comprovante de residência na época do rompimento da barragem e os indígenas entendem que essa exigência fere a autonomia das comunidades. Eles exigem que a declaração do cacique ou do presidente da associação é suficiente para que haja essa inclusão. E as outras 38 são famílias que foram surgindo, pessoas que atingiram a maior idade, que formaram novas famílias dentro da própria aldeia”, relata Mariana.
A negação da Renova em garantir esses direitos, explica, tem causado, além dos prejuízos imediatos às famílias excluídas dos programas de compensação, grandes conflitos dentro da comunidade e danos para a sua própria organização. “As lideranças têm sido colocadas sempre em xeque em relação às atividades que estão exercendo”, aponta a defensora pública, ressaltando uma velha e conhecida estratégia da Renova e das mineradoras autoras do crime, que é disseminar atritos e minar a coesão social dentro das comunidades atingidas, de forma a enfraquecer a luta por direitos.
Durante a reunião, o procurador da República em Linhares (MPF/ES), Paulo Henrique Camargos Trazzi, salientou que as demandas ali discutidas não são novas. “São legítimas e estão diretamente relacionadas à autonomia das comunidades. O atraso da Fundação Renova e das empresas prejudica as comunidades. É importante a Vale se esforçar para reconquistar a confiança no diálogo e atender às demandas”, posicionou.
Diante da sugestão da representante da Vale, denominada na ata de Thais, de criar um fórum de discussão do assunto, o também defensor público estadual Rafael Portella afirmou que a “ausência de confiança [das comunidades em relação à Renova] impede a instalação do fórum” e que “é importante ações propositivas por parte da Vale e demais mantenedoras para restabelecer o ambiente negocial”.
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Imagem: Associação Indígena Tupiniquim de Comboios