Com maior rebanho do Brasil e vice-campeão em devastação, São Félix do Xingu e arredores atraem políticos de diversas partes do país envolvidos com grilagem, invasão de terras, multas ambientais e até acusações de assassinato
Por Luís Indriunas e Alceu Luís Castilho, em De Olho nos Ruralistas
A região do município de São Félix do Xingu (PA), uma das mais devastadas áreas do Arco do Desmatamento, reúne políticos com os mais diversos problemas com a Justiça. Eles saem de vários cantos do país, como Mato Grosso, Paraná e outros municípios do Pará. São pecuaristas com histórico de grilagem, multas ambientais, corrupção, invasão de terras devolutas e acusações de assassinato. Entre os diversos políticos, cinco deles, que disputam uma vaga de prefeito nestas eleições, somam R$ 10.903.474,50 em multas ambientais.
O levantamento é o segundo da série O Voto que Devasta, do De Olho nos Ruralistas, sobre as conexões entre os políticos que querem ser prefeitos e histórias relacionadas à destruição de biomas — em especial na Amazônia — e a outros conflitos socioambientais em todo o território brasileiro.
Na primeira reportagem, o observatório mostrou que 1.014 candidatos a prefeito nas eleições de 2020 declaram ter 308.364 cabeças de gado, uma média de 304 cabeças para cada um. A cifra é muito acima da média nacional, de praticamente um boi por habitante: “Mil candidatos a prefeito declaram 308 mil cabeças de gado“.
MULTAS DE POLÍTICOS NO MUNICÍPIO REPRESENTAM 63% DO ORÇAMENTO LOCAL
No caso da região de São Félix do Xingu, o ex-prefeito e candidato no próprio município João Cleber de Souza Torres (MDB) acumula acusações de grilagem, corrupção e exploração de trabalho escravo; Celso Lopes Cardoso (PSDB), candidato de Tucumã (PA), e Aldecides Milhomen (DEM), de Alto Boa Vista (MT), estão envolvidos em acusações de homicídios e agressões. Os candidato de Califórnia (PR) Paulo Wilson Mendes (PSL), o Paulinho Moisés, e o de Água Azul do Norte Isvandires Martins Ribeiro (PSDB) foram autuados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento.
O levantamento do observatório junto às bases do Ibama e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que, apenas em multas ambientais nos limites de São Félix, trinta políticos (entre prefeitos, ex-prefeitos, ex e atuais vereadores, assessores de deputados e parentes próximos de políticos) acumularam, entre 2006 e 2018, R$ 129.649.935,50, o que representa 62,5% do orçamento municipal aprovado para 2020, de R$ 207.606.700. Para o ambiente, o orçamento municipal previa pouco mais de R$ 8 milhões. Como é comum, a grande maioria dessas multas expedidas pelo Ibama não foi paga e muitas estão na fase de recursos junto ao órgão ou na Justiça.
São Félix do Xingu possui o maior rebanho bovino do país, com 2,2 milhões de cabeças de gado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o segundo município com maior área devastada na Amazônia entre junho de 2019 e julho de 2020, segundo o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em um ano, foram destruídos 540 km² de floresta no município. Além disso, São Félix acumula ainda diversas pistas clandestinas usadas por garimpeiros e traficantes internacionais de drogas. E dezenas de estradas abertas irregularmente por fazendeiros e madeireiros. É nesse ambiente que dezenas de políticos e assessores de políticos colecionam suas terras — e multas.
MPF INVESTIGOU EX-PREFEITO POR ASSASSINATO DE CAMPONESES
Um dos postulantes à prefeitura, o ex-prefeito João Cleber é dono do maior rebanho do Brasil declarado pelos candidatos nestas eleições, com 11.855 cabeças de gado, somando R$ 9.458.128, e uma fortuna acumulada de R$ 15.233.128. Além das multas ambientais, que somam R$ 6.723.574,50, João Cleber coleciona acusações dos mais diversos tipos num histórico que remonta a mais de vinte anos de atividades políticas — nem sempre republicanas.
Em 2003, um relatório do Ministério Público Federal (MPF) o apontava como principal mandante da morte de sete trabalhadores rurais e um comerciante na Vila Taboca, em São Félix do Xingu. Segundo os procuradores, ele e seu irmão Francisco Torres de Paula Filho promoviam invasão e grilagem de terras públicas na região, com a retirada de madeira e a ocupação com gado.
Ao longo do tempo e sem a efetiva punição, João Cleber continuou atuando, mas os crimes foram mudando. Em 2014, João Cleber esteve na lista suja de trabalho escravo, pelas péssimas condições dadas aos trabalhadores da fazenda Bom Jardim.
No mesmo ano, veio a primeiro multa do Ibama de R$ 6.635.000. Seu irmão, proprietário da Agropecuária Barra do Baú, entrou na lista em 2014 com multas que somavam R$ 11.270.400. Ao todo, a empresa do irmão de João Cleber soma R$ 17.980.000 em autuações ambientais.
Essa ligação fraterna e política fez de Francisco um grande doador para a campanha do irmão. Ele foi responsável por 70% do valor total doado a João Cleber nas eleições de 2018 para deputado estadual, quando não conseguiu se eleger.
Ter pessoas com a ficha suja entre seus doadores não é uma prática incomum para João Cleber. No mesmo ano, o madeireiro Paulo Lins Candido doou R$ 2 mil para o candidato. Dono da madeireira Rio Xingu, o empresário já foi multado em duas ocasiões pelo Ibama.
Outro exemplo de doador com conduta suspeita ocorreu na primeira campanha de João Cleber para prefeito, em 2012. Ele recebeu R$ 100 mil de Gabriel Augusto Camargos, que entrou um ano depois na lista dos fazendeiros que exploravam trabalho escravo. Além das más condições de trabalho, capangas de Camargos ameaçavam de morte seus funcionários.
Entre as notícias de corrupção envolvendo seu nome, João Cleber está sendo investigado por participar de um grande esquema de fraude e desvio de mais de R$ 200 milhões de recursos públicos envolvendo a família do ex-governador do Tocantins, Marcelo Miranda. Chamada de Operação Reis do Gado, a investigação da Polícia Federal iniciou com o testemunho de Alexandre Fleury, utilizado como laranja pela família Miranda.
Na deflagração das ações, em novembro de 2016, mais uma vez João Cléber esteve acompanhado do irmão. Ambos foram conduzidos coercitivamente. Eles são acusados de ameaçar Fleury para que ele não testemunhasse. Os dois irmãos foram considerados pelos policiais federais homens de confiança de Luiz Pereira Martins, conhecido como Luiz Pires, que fazia parte do chamado “núcleo empresarial” do esquema.
Conforme as investigações, Luiz Pires era o responsável pela engenharia financeira das fraudes, garantindo a lavagem do dinheiro público com a compra de gado e fazendas.
Mais recentemente, em abril de 2018, João Cleber voltou a ser preso. Dessa vez, em razão da Operação Tetrarca, da Polícia Civil do Pará, quando foi acusado de desvios de recursos públicos junto com o ex-secretário de Finanças, Evani Geraldo de Oliveira e outros servidores. Segundo a polícia, eles partilhavam o montante de recursos desviados do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), taxa paga às prefeituras quando há mudança de titularidade de um imóvel.
CELSO LOPES E MILHOMEN SÃO ACUSADOS DE ENCOMENDAR HOMICÍDIOS
Em 2010, Celso Lopes, candidato a prefeito de Tucumã, foi multado em R$ 2.544.000 pelo Ibama por desmatamento em São Félix do Xingu. Os valores são muito maiores do que ele diz ter em patrimônio atualmente. O candidato declarou R$ 1.459.377,36 em bens para a Justiça Eleitoral este ano. Em eleições anteriores ele informou valores muito maiores. Em 2012, quando foi candidato à reeleição e perdeu, sua fortuna era de R$ 12.530.000. Na declaração anterior, o pecuarista informou à Justiça ter 1.090 cabeças de gado, num total de R$ 910 mil, que não estão mais na declaração deste ano.
Além das agressões ao ambiente, Celso Lopes é notório pela violência contra adversários políticos. Em 2003, ele cumpriu pena sob acusação de ter mandado matar o vereador Adão Lote (PSB), assassinado por dois pistoleiros, quando tomava banho em casa.
Treze anos depois, em 2016, quando tentava novamente ser prefeito de Tucumã, o candidato agrediu com chutes e pontapés o técnico em informática Delcides Martins Coelho, segundo o Jornal do Tocantins, simplesmente porque o eleitor disse que não votaria nele.
Esse jeitão, digamos, truculento pode ser visto em vídeo publicado no Youtube no qual o prefeito queixa-se da atuação de policiais rodoviários federais, insultando-os com palavrões e acusando-os de cobrar propina.
Outro grande proprietário de terras multado em São Félix e envolvido em homicídio é o candidato de Alto Boa Vista (MT) Aldecides Milhomem de Cirqueira (DEM), que declarou R$ 4.250.000,00 de patrimônio, mas que está sub-júdice, assim como sua candidatura. Isso porque o ex-prefeito do município foi preso em São Félix, em maio de 2019, acusado de mandar matar dois vigias da fazenda que disputa judicialmente com a ex-mulher.
A falta de limites de Milhomen para conquistar terras afeta os povos tradicionais. Ele e seu irmão Antonio são acusados de instalarem seis fazendas, num total de 2.200 hectares, na Terra Indígena Marãiwatsédé, que fica nos limites de São Félix e Alto Boa Vista. As antigas fazendas na TI foram objeto de desintrusão durante o governo Dilma Rousseff, por ficarem em território Xavante.
CANDIDATOS TOMARAM POSSE DE TERRAS DEVOLUTAS
Há políticos sem acusações de crimes ambientais diretamente relacionados aos seus nomes nem envolvidos em casos de violência, mas que aproveitam a desordem fundiária predominante em São Félix do Xingu para se apossarem de terras devolutas, do Estado. É o caso de dois estreantes nas eleições do município, ambos candidatos à prefeitura.
Um deles, Reis Evaristo Reis (Cidadania), tomou posse de 2.179 hectares de uma gleba que pertencia a União. Reis é comerciante que atua em diversos ramos, como bombonière, vidraçaria e utilidades domésticas, além de ter declarado 2.179 hectares de terras rurais, no valor de R$ 1 milhão, e 150 cabeças de gado, num total de R$ 270 mil. Sua fortuna declarada é de R$ 2.294.123,10.
Outro novato na política eleitoral é Marcelo Batista Ferreira (PT). Sua ascendência remonta a ocupação desenfreada da região. O candidato tem 7.650 hectares em terras devolutas, num valor de R$ 779.250,76, e 4.098 cabeças de gado, declaradas por R$ 409.800. Grande parte desses bens é herança do seu pai, Jesus Batista Ferreira. O velho Ferreira foi autuado em 2003, por manter treze trabalhadores em regime de trabalho escravo em uma de suas fazendas, hoje nas mãos do candidato.
Nessa lista também está o candidato à reeleição em Tucumã Miguel Marques Machado (DEM), que tem patrimônio declarado de R$ 5.513.852,02, sendo R$ 1.558.760,26 em terras devolutas.