Nos EUA, geração que fez o Occupy, o Black Lives Matter e as Jornadas pelo Clima vai às urnas e pode ser decisiva contra ultradireita. Para muitos, está claro: eleições são só o primeiro passo. Grandes lutas contra um sistema em crise virão a seguir
Por Leanna First-Arai*, no Truthout | Tradução de Simone Paz Hernández, em Outras Palavras
Na última década, desde que estudantes de mais de cem universidades protestaram em solidariedade às manifestações do Ocuppy Wall Street, o ativismo juvenil nos Estados Unidos segue crescendo. A juventude ativista envolvida no movimento Black Lives Matter, têm desempenhado um papel fundamental nos protestos contra as mortes de negros e de outras pessoas racialmente discriminadas pela polícia, fenômeno que o The New York Times sugere como, possivelmente, o maior movimento social da história dos EUA
Inspirado pelo movimento contra a violência armada — que se formou no rescaldo dos tiroteios de 2018 — e pela desobediência civil em oposição à construção do gasoduto Keystone XL, o movimento de protesto global liderado por jovens contra a greve climática, trouxe o que The Guardian chamou da maior mobilização climática de todos os tempos, em 2019.
Porém, analistas políticos como Catherine Rampell, colunista do The Washington Post, têm levantado dúvidas constantes sobre se os jovens vão votar com a mesma convicção que tiveram ao aderir às greves e manifestações. “Além de ser (obviamente) a geração mais preguiçosa, mais narcisista e mais esnobe que já se viu”, escreveu Rampell em 2015, “os millennials reivindicaram para si mais um superlativo geracional: menos propensos a votar”
No entanto, agora, a pesquisa eleitoral do Centro de Informação e Pesquisa sobre Aprendizagem e Engajamento Cívico (CIRCLE) da Tufts University, sugere que a geração Y, em conjunto com a Geração Z — que, juntas, representam 37% do eleitorado norte-americano — estão traduzindo a presença nos protestos em comparecimento às urnas.
A votação antecipada de jovens de 18 a 29 anos está em alta em todos os estados que o CIRCLE está acompanhando, em comparação com os votos da mesma data em 2016. Na Flórida, Carolina do Norte e Michigan — três grandes estados em disputa — eleitores com menos de 29 anos somaram um total de 607.907 votos antecipados. Em 2016, a mesma faixa etária, nos mesmos Estados, havia depositado apenas 76.829 votos, à mesma altura. É um aumento de quase 700%. Em 2016, Donald Trump venceu Michigan por meros 10.704 votos.
As pesquisas pré-eleitorais, também realizadas pela Tufts University, mostram que as questões principal para os jovens, de todos os grupos raciais e étnicos, são o meio ambiente ou a mudança climática, seguida pelo racismo e pela acessibilidade à saúde. Para os eleitores mais jovens, o clima é apenas uma das múltiplas ameaças às suas existências, com uma janela de tempo claramente finita para lidar com isso.
Professor da Penn State University e renomado cientista climático, Michael Mann declarou ao The Guardian que um segundo governo Trump seria “o fim do jogo” para o clima. “Se tivermos mais quatro anos do que já vimos com Trump — basicamente, a terceirização da política ambiental e energética para os poluidores, e o desmonte das proteções implementadas pelos governos anteriores — torna-se praticamente impossível [reduzir as emissões pela metade em 10 anos, medida necessária para limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius]”, ele comentou, sobre a meta de redução de emissões que cientistas internacionais estabeleceram como limite para conter os piores efeitos do colapso do clima
Jovens ativistas climáticos de fora dos EUA também se uniram em torno da eleição do dia 3 de novembro, incluindo Vanessa Nakate, de Uganda, que pediu aos eleitores nos Estados Unidos que considerassem o impacto que seu país — o mais significativo emissor histórico de dióxido de carbono do mundo — tem sobre nações como a dela, onde as inundações históricas deste verão quase não atraíram a atenção da mídia global. As enchentes de agosto em Uganda desalojaram mais de 8 mil pessoas.
No dia 24 de outubro, o primeiro dia da votação antecipada, em Nova York, centenas de jovens eleitores marcharam para as urnas depois de manifestações no Brooklyn, Manhattan e no Bronx. “Estamos aqui, lutando por justiça climática e racial”, disse o organizador Saad Amer aos manifestantes, por meio de um megafone. “E a forma como lutamos é levando este tema das ruas para as urnas.” Os ativistas que compareceram ao evento de Amer, #MarchToThePolls, representam grupos focados em várias questões, incluindo a ação climática, como o Extinction Rebellion e o Sierra Club; e a reforma das políticas em torno da justiça racial, como a Marcha das Mulheres Negras e a Marcha da Liberdade em Nova York
Campanhas nas mídias sociais, como Prom At the Polls (“Formatura nas Urnas”), também têm sido uma força por trás da participação eleitoral precoce dos jovens. A campanha é uma iniciativa liderada por jovens, que encoraja os usuários das mídias sociais a tratarem a votação como se fosse uma formatura: escolhendo uma data, arrumando-se e documentando esse dia nas redes sociais. Ativistas mais jovens do grupo de ação climática de Oakland, o Youth vs. Apocalypse (“Juventude contra o Apocalipse”) lançaram a campanha #ThisIsTheTime em plataformas de mídia social, com o objetivo de responsabilizar adultos em idade eleitoral.
A Future Coalition, rede de ativistas jovens, tem um ônibus que promove marchas respeitando o distanciamento social, como os cortejos do “Get Out The Vote” e outros shows de drags; desde Houston, Texas, para Canton, Ohio. Numerosas campanhas lideradas por jovens têm como alvo escrever cartas para eleitores em estados indecisos
Grupos como o Movimento Sunrise têm trabalhado pelo telefone, implantando o que conhecemos como táticas de “organização distribuída”, que a campanha de Bernie Sanders desenvolveu em 2016 para atrair voluntários e envolvê-los imediatamente no recrutamento de amigos e na realização de eventos.
“O que o Sunrise faz de melhor é polemizar com candidatos ao Congresso em todo o país e provar que é possível construir um Green New Deal”, disse a coordenadora da organização eleitoral do Sunrise, Michele Weindling, em uma teleconferência gigante no dia 21 de outubro, em que participaram — e fizeram chamadas — 1.400 pessoas. O indicado para o 16º distrito congressional de Nova York, Jamaal Bowman, estava num dos telefones. Bowman disse que “não estaria aqui se não fosse pelo Movimento Sunrise”, que ajudou a alimentar sua bem-sucedida campanha contra o titular de 16 mandatos, Eliot Engel, nas primárias. Um dos responsáveis pela criação no Sunrise, Alex O’Keefe, afirma que 70% dos candidatos que o movimento endossou venceram as eleições prévias este ano.
Os organizadores do Sunrise identificaram quatro estados decisivos prioritários: Michigan, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin. Nesses estados, eles têm realizado festas de convergência, durante as quais passam algumas horas no Zoom, ligando para amigos e conhecidos, coletando promessas de voto e liderando protestos por um Green New Deal, mantendo o distanciamento social. Eles também lideraram protestos “despertadores”, de manhã cedo, incluindo uma ação bem divulgada que ocorreu do lado de fora da casa do senador Lindsey Graham, pedindo a ele e a outros senadores que esperassem até depois da eleição para nomear um novo juiz para a Suprema Corte.
Para as pessoas que não moram nesses estados indecisos, Weindling explica que o Sunrise organizou uma “Força de Votação” para fazer ligações em nome de candidatos votantes nos poucos dias restantes da temporada eleitoral. Os organizadores da Sunrise estão pedindo aos voluntários que escolham uma das três regiões e se concentrem em obter compromissos de voto para candidatos específicos, como Beth Doglio em Washington, Jon Hoadley em Michigan e Marquita Bradshaw no Tennessee; além de outros candidatos progressistas, com experiência em organização, que já tenham demonstrado seu compromisso com a justiça social, e que estejam comprometidos na aprovação de um Green New Deal. “Se as eleições nos favorecerem, podemos começar esta luta já no primeiro dia do governo Biden”, disse Weindling. “E se isso não acontecer, temos lutadores do nosso lado espalhados por todo o país, não importa para o quê.”
Esforços de mobilização de última hora, como o que Sunrise está fazendo, podem ser particularmente impactantes nesta eleição, como frisa o fundador do Environmental Voter Project (“Projeto Eleitor Ambiental”), Nathaniel Stinnett, ao Political Climate. “A logística desta votação está ainda um pouco mais delicada do que em tempos anteriores”, disse ele. “Então, o simples ato de conduzir as pessoas até seus locais de votação antecipada, porque precisam enviar suas cédulas com antecedência maior do que nos anos anteriores… coisas assim são extremamente importantes.”
Stinnett diz que ler as “folhas de chá” com base nos números da votação antecipada pode ser enganoso. “Não sabemos realmente o que ler porque esta é uma experiência eleitoral completamente única”, disse ele, observando que, embora Biden tenha uma vantagem de dois dígitos nas pesquisas, os republicanos ainda têm tempo para virar
Além disso, nem todos os grupos de jovens ativistas pelo clima são progressistas. A American Conservation Coalition (ACC) é um grupo de ativistas estudantis formado em 2017 para “dar voz aos conservadores no meio ambiente”, financiado por doações da William and Flora Hewlett Foundation e da Audubon Society. Como contou ao Truthout a diretora de comunicações do ACC, Karly Matthews, o ACC e seu braço educacional, The Conservative Coalition (TCC), promovem tecnologias de energia baseadas em mercado e em parcerias público-privadas, para enfrentar a mudança climática
O grupo vem convocando às urnas eleitores conservadores preocupados com o clima, e assim, endossou uma lista de 37 candidatos republicanos para disputarem pelo Congresso, destacando aqueles que expressaram o compromisso de participar de esforços bipartidários para levar os Estados Unidos em direção a zerar as emissões globais líquidas até 2050. Mas o ACC não endossou nenhum candidato presidencial. Por isso, atualmente, não está claro como seus esforços afetarão a corrida presidencial. “No nível mais alto, não estamos realmente convencidos por Trump ou Biden”, diz Matthews.
Enquanto isso, os jovens organizadores progressistas ocupam-se não só de angariar entusiasmo em torno da eleição, mas também de se educar sobre formas de combater a repressão eleitoral. Eles comparecem às urnas e pedem aos eleitores que liguem para amigos ou familiares e os façam aparecer antes de irem embora, oferecendo garrafas de água e outros tipos de conforto aos eleitores enquanto esperam nas longas filas.
Ativistas progressistas estão cientes de que mesmo uma afluência esmagadora para Biden pode não garantir uma transição harmoniosa ou democrática. O ativista climático Jeremy Ornstein disse ao Truthout, por e-mail, que o Sunrise não deixou de fazer planos para um possível cenário de golpe.
“Se Trump reprimir os protestos e reivindicar vitória sem contar todos os votos, ou tentar fazer com que os eleitores declarem vitória para ele sem ganhar o voto popular, nosso movimento convocará uma greve”, disse Ornstein. “Nós nos recusaremos a ir para a escola, nos recusaremos a ir para o trabalho. Nós vimos o poder dos trabalhadores essenciais nos últimos meses e sabemos que podemos levar esta nação a um grande impasse.”
*É escritora e educadora freelancer, com base em Memphis (EUA).