por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde
AS SUSPEITAS DE ATAQUE
A rede interna do Ministério da Saúde saiu do ar ontem de manhã. O site do DataSUS foi bloqueado. Funcionários ficaram sem acesso a internet, telefone fixo e e-mail corporativo, além de todos os sistemas internos. Técnicos do DataSUS pediram que os servidores desligassem seus computadores, além de excluir contas do Ministério vinculadas a celulares; e os servidores também foram orientados a não acessar o sistema nem mesmo de casa, por computadores pessoais. Apenas serviços a usuários externos (como marcação de consultas no SUS) não foram afetados.
Paira no ar uma suspeita de invasão cibernética – afinal, o problema acontece apenas dois dias depois de o Supremo Tribunal de Justiça ser hackeado, numa enorme coincidência. No caso do STJ, ministros e servidores estão sem acesso a processos digitalizados, e-mails e sistemas internos desde a terça-feria. A Polícia Federal instaurou um inquérito ontem para apurar a invasão. Segundo o Estadão, dados foram roubados um arquivo de texto deixado no sistema exigia o pagamento em dinheiro pela devolução. Em outras palavras: resgate. O ministro Humberto Martins, presidente do órgão, disse em nota que os dados não foram totalmente perdidos porque há backup; espera-se que as atividades voltem ao normal até esta segunda-feira. Mas, até lá, 12 mil decisões terão deixado de ser publicadas.
Outros ataques foram identificados ontem. Os sistemas do governo do Distrito Federal também foram paralisados e, segundo as autoridades, os invasores chegaram a emitir um pedido de resgate, mas protocolos de segurança impediram o roubo dos dados. Lá, até o acesso à plataforma que registra os atendimentos no SUS foi bloqueada, como medida preventiva. Já o Conselho Nacional de Justiça relatou um “acesso não autorizado” ao seu sistema. Esses casos estão sendo investigados pela Polícia Civil do DF e pela Polícia Federal, respectivamente.
Embora servidores da Saúde tenham falado à imprensa sobre uma suposta invasão ao sistema durante a madrugada de ontem, a pasta diz que não há indícios disso. À noite, afirmou em nota que “identificou a existência de vírus em algumas estações de trabalho e, por motivos de segurança, o Departamento de Informática do SUS bloqueou o acesso à internet, bem como às redes e aos sistemas de telefone, evitando, assim, a propagação do vírus entre os computadores”. Ainda segundo a pasta, o funcionamento retornou à noite, mas com lentidão.
Sistemas do SUS nos estados também apresentaram problemas: o Conass (conselho que reúne os secretários estaduais de saúde) identificou quedas momentâneas o Maranhão, Tocantins e Santa Catarina. Segundo o presidente do Conselho, Carlos Lula, isso aconteceu provavelmente porque estados e municípios têm sistemas interligados aos do Ministério.
Ainda que seja tudo resolvido, o problema aponta para uma grave questão de segurança e traz uma série de preocupações, até porque sugere que vários outros órgãos correm riscos semelhantes. Em vez de bloqueados, dados sigilosos poderiam ser vazados, por exemplo.
FRUTO DO DESCASO
Quase todo o estado do Amapá está chegando ao seu terceiro dia seguido sem luz. Dos 16 municípios, 13 vivem um blecaute desde a noite de terça, quando um transformador na subestação de energia em Macapá pegou fogo. São mais de 750 mil pessoas afetadas. O prefeito da capital Clécio Luís (sem partido) decretou ontem estado de calamidade pública por 30 dias. Segundo o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, 70% da energia devem ser restabelecidos hoje – mas ele não deu certeza. E a previsão do retorno completo é de nada menos que duas semanas – além disso, e a segurança do sistema elétrico só deve ser estabelecida em um mês.
Enquanto isso, o estado enfrenta desbastecimento e caos. Falta água, porque para distribuí-la às casas é preciso energia elétrica.
A comida apodrece sem resfriamento. Pessoas fazem filas gigantescas para comprar água e gelo, para comprar combustível, para sacar dinheiro nos caixas eletrônicos onde isso ainda é possível. Os hospitais estão operando à base de geradores, e cirurgias tiveram que ser canceladas ou interrompidas. E tudo isso num momento em que a transmissão do novo coronavírus volta a recrudescer no estado, com grande aumento nas internações.
EM NÚMEROS
A OMS tem alertado há meses sobre os perigos do ‘nacionalismo da vacina’, que corre solto desde que os primeiros acordos começaram a ser firmados. Temos visto nações e blocos regionais tentando garantir um cardápio de imunizantes tão farto quanto variado – mas sabemos que a produção de vacinas não vai ser suficiente, de imediato, para atender a todos os quase oito bilhões de habitantes do planeta.
Pesquisadores da Northeastern University fizeram as contas do quanto isso vai prejudicar o controle da pandemia. Eles criaram dois cenários: um em que dois bilhões de doses de uma vacina são monopolizados por 50 países ricos, e outro em que essa mesma quantidade é distribuída com base na renda de cada país. Ambos os cenários foram analisados com duas vacinas hipotéticas com eficácias distintas, de 65% e de 80%.
De acordo com os modelos do estudo, se os países ricos comprassem toda a vacina 80% eficaz, só 33% do total de mortes que ocorreriam em um ano poderiam ser evitadas, enquanto a distribuição equitativa desse mesmo imunizante evitaria 61% dos óbitos. A conta é parecida no caso da vacina menos eficaz: garantir o acesso aos países pobres evitaria 57% das mortes, contra 30% em caso de concentração das doses. É preciso dizer que a pesquisa foi feita em parceria com a GAVI Alliance, que co-lidera a Covax Facility – a iniciativa global que tenta garantir o fornecimento equitativo entre países. Essa estratégia se baseia em fazer com que países ricos paguem pelas doses que serão entregues (de graça ou a preços mais baixos) aos de baixa renda.
O TAMANHO DO MERCADO
Analistas do Morgan Stanley e do Credit Suisse divulgaram ontem estimativas sobre o mercado futuro das vacinas contra covid-19: ele pode movimentar mais de US$ 10 bilhões em receitas anuais para a indústria farmacêutica, contando só as vendas para países desenvolvidos. Os cálculos consideram um custo médio de US$ 20 por dose e ainda que as pessoas vão precisar se vacinar todo ano, como acontece com a gripe. O preço das doses, porém, varia, e não sabemos ainda quais serão as candidatas aprovadas.
Para boa parte da indústria, não está no radar firmar contratos de transferência de tecnologia – que poderiam aumentar a capacidade de produção no mundo e as chances de uma distribução mais rápida e justa. No site The Conversation, os pesquisadores Ronald Labonte e Mira Johri (das Universidades de Ottawa e Montreal, respecitvamente) discutem uma outra proposta que está em pauta na OMC: a de que sejam temporariamente suspensas as obrigações do Acordo TRIPS (de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) sobre todos os produtos necessários para controlar a pandemia. Ou seja, que se quebrem as patentes (explicamos aqui por que as flexibilizações já previstas nesse acordo não são suficientes para enfrentar a pandemia).
Embora algumas empresas tenham declarado que vão abrir mão voluntariamente dos seus direitos de propriedade intelectual, isso não é o bastante: “Todos esses acordos são pontuais, com uma aura de caridade e não de obrigação. Nem uma única empresa farmacêutica se juntou ao COVID-19 Technology Access Pool (C-TAP) da OMS, que incentiva as contribuições de toda a indústria (…) para permitir o compartilhamento global e o aumento da produção dos produtos de saúde relacionados à covid-19. A indústria parece relutante em desistir de futuros ganhos”, escrevem os autores.
TOTALMENTE NACIONAIS
Além do acordo para receber insumos e produzir a vacina de Oxford/AstraZeneca, a Fiocruz está investindo no desenvolvimento de um imunizante totalmente nacional. Segundo o Estadão, há três projetos distintos, com tecnologias diferentes, mas os três ainda estão em fase inicial de testagem em animais. Dois poderiam estar finalizados em 2022; o terceiro, só no ano seguinte. Pode parecer um futuro distante demais e, para estancar a pandemia agora, é mesmo. Mas o acordo de transferência de tecnologia com a AstraZeneca ainda não foi completamente acertado; se for necessário repetir a vacina contra covid-19 ano a ano (como os especialistas têm acreditado), ter um produto próprio vai ser de grande importância.
AINDA SEM DESFECHO
Assim como aconteceu com a população indígena, foi preciso que a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas movesse uma ação, junto a partidos de oposição, para pedir que o STF obrigasse o governo federal a ter um plano de enfrentamento à covid-19. Em manifestação publicada ontem, o procurador-geral da República Augusto Aras defendeu a fixação de um prazo para a União elaborar tal documento, e concordou também com a criação de um grupo de trabalho com representantes do governo, da Defensoria Pública, do Miinstério Público e das comunidades quilombolas. Nos autos, ele aponta que existem ações pontuais (como uma cooperação técnica para a distribução de cestas básicas), mas nenhum detalhamento, como a definição de cronogramas. O Plano, a ser criado, teria que trazer detalhes sobre as medidas já adotadas e incluir ações futuras. A União também precisaria descrever a logística para viabilizar o acesso dessa população a leitos hospitalares.
CABO ELEITORAL
Se tem uma coisa que não dá sinais de enfraquecimento no governo Bolsonaro é a pauta moral. Damares Alves, cujo nome tem sido apontado para concorrer a vice-presidência nas próximas eleições, é sua representação mais fiel. E uma reportagem da Agência Pública mostra como a figura da ministra se multiplicou, influenciando e garantindo apoio a candidatas femininas Brasil afora. Com o objetivo de colocar “pelo menos uma mulher” na Câmara de cada município do país, ela lançou um curso para estimular candidaturas: o ‘Maratona + Mulheres na política’. A iniciativa é, supostamente, apartidária e não ligada a religiões – mas como qualquer proposta da ministra poderia conseguir não ser colada às suas pautas mais caras?
Segundo a reportagem, 2020 é o ano com o maior número de candidatas com cargo religioso desde 2008. “Considerando apenas o nome de urna das candidatas, a palavra ‘irmã’ aparece 1.159 vezes entre as 186.144 postulantes”, nota a repórter Mariama Correia. Entre os compromissos de campanha, é claro, estão pautas antiaborto e a defesa da família heteronormativa.
UM ESCÂNDALO
Steve Bannon, ex-assessor e estrategista de Donald Trump, disse publicamente que o especialista em doenças infecciosa Anthony Fauci e o diretor do FBI Christopher Wray deveriam ser decapitados, com suas cabeças colocadas em estacas em frente à Casa Branca. Aconteceu em um episódio de seu podcast. Depois, um porta-voz de Bannon disse que havia sido apenas uma metáfora… Fauci, a voz mais dissonante de Trump no governo em relação à pandemia, tem enfrentado ameaças de morte anda escoltado por seguranças desde agosto.