No Uol
Em carta aberta divulgada na noite desta segunda-feira (9), um grupo de 73 das principais organizações não governamentais brasileiras e internacionais que têm atuação no Brasil afirmou que é “repugnante” a informação de que o governo de Jair Bolsonaro, por meio do CNAL (Conselho Nacional da Amazônia Legal), pretende controlar a atividade das ONGs na Amazônia a fim de permitir a atividade apenas das que atendam supostos “interesses nacionais”.
De acordo com a edição do jornal “O Estado de S. Paulo” desta segunda-feira (9), a informação consta de documentos enviados pelo CNAL, comandado pelo vice-presidente da República e general da reserva Hamilton Mourão, aos demais ministérios que formam o órgão.
Para as ONGs, tais propostas “afrontam a democracia no país”. Elas lembram que Bolsonaro já manifestou seu desejo de “matar esse câncer chamado ONG”.
“É cláusula pétrea a autonomia da sociedade civil assim como a liberdade de imprensa e a liberdade econômica. As propostas citadas na reportagem, e constantes em documentos de circulação interna do governo, somente encontram parâmetros em outros regimes autoritários ao redor do mundo, nos quais as liberdades de imprensa, de livre manifestação e de associação foram suprimidas para dar espaço a autocracias ditatoriais”, afirmaram as ONGs na carta aberta.
Procurado pelo UOL ainda na tarde desta segunda-feira para comentar documentos do CNAL, a Vice-Presidência não havia se manifestado até o fechamento deste texto.
Leia a seguir a íntegra da carta aberta divulgada nesta segunda-feira:
“Garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional”
“No dia de hoje, 9, tomamos conhecimento por meio da reportagem ‘Governo Bolsonaro planeja norma para controlar ação de ONGs na Amazônia’, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de que consta entre as metas do Conselho da Amazônia ‘obter o controle de 100% das ONGs que atuam na Região Amazônica, até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam os interesses nacionais’. Tal meta se relacionaria à ação de ‘criar marco regulatório para atuação das ONGs’ expressa nos documentos oficiais do Conselho.
“A atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição. Querer controlá-las é, em última instância, tentar silenciar liberdades constitucionais. O Supremo Tribunal Federal, em 06/03/2019, decidiu que ‘são inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático’.
“Desta forma, é gravíssima e repugnante a informação de que, em reuniões oficiais e que envolvem um grande número de ministérios, integrantes do atual governo apresentem de forma expressa propostas que afrontam a democracia no país. A Constituição brasileira veda qualquer tipo de interferência do Estado na criação, no funcionamento ou mesmo no posicionamento das organizações da sociedade civil brasileiras. É cláusula pétrea a autonomia da sociedade civil assim como a liberdade de imprensa e a liberdade econômica. As propostas citadas na reportagem, e constantes em documentos de circulação interna do governo, somente encontram parâmetros em outros regimes autoritários ao redor do mundo, nos quais as liberdades de imprensa, de livre manifestação e de associação foram suprimidas para dar espaço a autocracias ditatoriais.
“Os ataques e as perseguições do governo Bolsonaro à sociedade civil são uma lamentável constante em sua atuação política. Iniciativas com intuito de controle das ONGs já foram anteriormente apresentadas pelo Poder Executivo e rechaçadas pelo Parlamento Brasileiro – como no caso da Medida Provisória (MP) 870/2019. Também em dezembro de 2019, agentes da Agência Nacional de Inteligência (Abin) foram à Cúpula do Clima (COP25) para monitorar (espionar) ONGs brasileiras ali presentes. Além disso, no Brasil, não foram poucas as vezes que o próprio Presidente da República desdenhou da Constituição, participando de manifestações cujos propósitos atentavam contra os demais poderes da União. Em declaração recente, Bolsonaro chegou a reclamar por não conseguir ‘matar esse câncer chamado ONG’.
“Apesar da insistente e repugnante campanha de difamação das ONGs por parte de agentes do governo, vale lembrar ainda que já existe no ordenamento jurídico brasileiro regulamentação para organizações do terceiro setor – o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), composto pela Lei n. 13.019/2014 e Decreto n. 8.726/16.
“O Conselho Nacional da Amazônia Legal, colegiado inepto, sem participação social e de resultado quase nulo na defesa da floresta, deveria apresentar ao país algum plano para a diminuição do desmatamento, do crime ambiental, da grilagem e das queimadas. Ao invés disso, o que vemos é a confecção de um plano para silenciar os críticos ao governo e para sufocar a democracia.
“Sob Bolsonaro, a democracia, assim como as florestas e seus habitantes, correm enormes riscos. Neste sentido, as organizações abaixo assinadas conclamam toda sociedade brasileira para se somar às iniciativas de defesa dos direitos dos povos indígenas e dos povos tradicionais e em apoio a luta na defesa da Amazônia, da democracia e dos direitos constitucionais.
Assinam:
- ACT Promoção da Saúde
- AMAR Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária
- Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
- Associação Brasileira de ONGs – Abong
- Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda
- Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas no Acre (AMAAIAC)
- Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
- Associação Mico-Leão-Dourado
- Centro Brasil no Clima
- Cidades Afetivas
- COESUS Coalizão Não FRACKING Brasil
- Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre)
- Conectas Direitos Humanos
- Delibera Brasil
- FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
- Fórum Brasileiro de ONGs – FBOMS
- Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena – FNEEI
- Fundação Grupo Esquel Brasil
- Fundação SOS Mata Atlântica
- Fundação Tide Setubal
- Geledés Instituto da Mulher Negra
- Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
- Greenpeace Brasil
- Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT 2030)
- Iniciativa Verde
- Instituto Alana
- Instituto Çarakura
- Instituto Centro de Vida – ICV
- Instituto Climainfo
- Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
- Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
- Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
- Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
- Instituto Fé, Paz e Clima
- Instituto Global Attitude
- Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento – Hivos
- Instituto Igarapé
- Instituto Internacional ARAYARA
- Instituto Internacional de Educação do Brasil
- Instituto MIRA-SERRA
- Instituto Pro Bono
- Instituto Socioambiental – ISA
- Instituto Sou da Paz
- Instituto Talanoa
- Mapa Educação
- Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
- Observatório do Carvão Mineral
- Observatório do Clima
- Observatório do Código Florestal
- Observatório do Petróleo e Gás
- Organização De Desenvolvimento Sustentável – ODS
- Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
- ponteAponte
- Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
- Processo de Articulação e Diálogo, PAD
- Projeto Saúde e Alegria
- Rede Conhecimento Social
- Rede das Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica – RMA
- Rede de Cooperação Amazônica – RCA
- Rede Justiça Criminal
- SAVE Brasil – Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil
- Terra de Direitos
- Toxisphera Associação de Saúde Ambiental
- Transparência Brasil
- Transparência Capixaba
- Uneafro Brasil
- WWF Brasil
- org Brasil
- Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – FBOMS
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Fogo invade e consome a floresta em Apui, sul do estado do Amazonas. Foto: Gabriela Biló /Estadão