Coordenação quilombola mapeia 49 declarações racistas de Bolsonaro e sua trupe

Presidente protagonizou 25% dos episódios e, com o aval do STF, insiste em medir negros em “arrobas”; levantamento da Conaq lembra que ele se referiu a terras indígenas e quilombos como lugares isolados do que considera “o Brasil de verdade”

Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

Nos últimos dois anos, 49 declarações racistas foram proferidas por autoridades públicas. Um quarto delas saíram da boca do presidente Jair Bolsonaro. Os dados são fruto de um levantamento realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pela ONG Terra de Direitos, que mapearam manifestações de cunho racista proferidas por membros do governo federal, parlamentares e servidores do Judiciário entre 2019 e 2020.

Entre os casos listados na plataforma Quilombolas contra o Racismo, lançada em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, estão declarações que reforçam estereótipos racistas, incitação à restrição de direitos, promoção da supremacia branca, negação do racismo e justificação da escravidão e do genocídio da população negra.

Das 49 declarações, três envolvem ataques diretos a quilombolas. Em 2 de janeiro de 2019, dia em que tomou posse da presidência, Bolsonaro publicou um tweet criticando a demarcação de terras para indígenas e quilombolas que, segundo ele, não pertenceriam ao “Brasil de verdade”.

— Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de 1 milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros. 

O presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sergio Camargo, também aparece com destaque na lista, com sete frases de teor racista identificadas nos últimos dois anos. A instituição é responsável pela titulação de comunidades remanescentes de quilombos, paralisada desde a posse do ex-capitão.

AUTORIDADES NÃO FORAM RESPONSABILIZADAS POR FALAS RACISTAS

Segundo o levantamento da Conaq, apesar de procedimentos de apuração terem sido instaurados em vinte oportunidades, nenhuma das autoridades listadas foi responsabilizada judicialmente.

É o caso do procurador Ricardo Albuquerque, membro do Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA). Em novembro do ano passado, durante uma palestra para estudantes de Direito, ele declarou ser contrário a políticas afirmativas. “Não acho que nós tenhamos dívida nenhuma com quilombolas”, afirmou. “Nenhum de nós aqui tem navio negreiro”.

O procurador se justificou com outra falácia histórica: segundo ele, a escravidão ocorreu porque “o índio não gosta de trabalhar”. Apesar da gravidade do caso, o afastamento de Albuquerque do cargo não durou muito. Em 06 de fevereiro, menos de dois meses após ser afastado, ele reassumiu a posição de ouvidor-geral do MP-PA.

No outro extremo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defende uma atuação mais direta do governo em relação aos quilombos. Durante a célebre reunião interministerial de 22 de abril, a líder evangélica expressou sua preocupação em impor uma pauta de valores nos territórios tradicionais:

— Então, tudo que nós formos construir, nós vamos ter que ver, ministro, a questão dos valores também. Nossos quilombos estão crescendo e os meninos estão nascendo nos quilombos e seus valores estão lá. Então, tudo vai ter que ver a questão dos valores.

BOLSONARO INSISTE EM MEDIR NEGROS EM ‘ARROBAS’

O levantamento deixa evidente uma das principais obsessões de Bolsonaro. Segundo os dados da Conaq e da Terra de Direitos, em pelo menos duas oportunidades o presidente se referiu publicamente a pessoas negras medindo seu peso em arrobas, unidade utilizada para aferir o peso de bois.

Em agosto, ao lado de Damares, Bolsonaro usou a medida ao perguntar o peso do deputado Hélio Lopes (PSL-RJ), durante uma live filmada no Palácio do Planalto:

– Era pancadaria o tempo todo, qualquer palavra minha. Falei realmente, né, aquele negócio lá do… ‘Ô Hélio, tudo bem, Hélio? Tranquilo aí? Você pesa quantos arrobas, Hélio?’

Ele se referia à palestra na Hebraica, no Rio, em abril de 2017, quando relatou uma suposta visita a um quilombo no município de Eldorado, no Vale do Ribeira, região em que passou boa parte de sua infância e adolescência e onde alguns de seus irmãos e sobrinhos ainda moram: “Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Acho que nem pra procriador serve mais”.

Por causa da afirmação, recebida com gargalhadas pelos convidados, Bolsonaro foi alvo de denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por crime de racismo, mas foi absolvido pela primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por três votos a dois. Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello votaram a favor do presidente. Rosa Weber e Luís Roberto Barroso votaram para que ele se tornasse réu.

Seis meses antes da live com Hélio, em fevereiro, o presidente usou a medida para responder um apoiador. Após dizer que Bolsonaro era o “melhor presidente do Brasil”, o correligionário ouviu, em troca: “E você está com oito arrobas”.

Foto principal (Divulgação/PR): deputado Hélio Lopes é um dos alvos do racismo do presidente

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