Desmonte da cultura do ponto de vista institucional dificultou mais a vida das pessoas que trabalham e vivem do trabalho artístico
Por Jamile Araújo, na Página do MST
Após o golpe de 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff (PT), a cultura foi um setor que sofreu um desmonte sistemático, ainda no governo Michel Temer (MDB). Com a posse do então presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), o Ministério da Cultura (MinC) foi extinto, passando a existir uma Secretaria Especial de Cultura, hoje subordinada ao Ministério do Turismo.
Em setembro, o ministro da economia, Paulo Guedes, cortou 36 milhões de órgãos ligados à cultura. A Fundação Nacional de Artes (Funarte) sofreu bloqueio de quase R$ 14 milhões de reais; a Fundação Biblioteca Nacional, um corte de mais de R$ 11 milhões; além do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), da Fundação Cultural Palmares e da Fundação Casa Rui Barbosa, que também sofreram com os cortes. É assim comoa proposta enviada pelo executivo à câmara de deputados, com previsão de redução no orçamento do Ministério do Turismo para o ano de 2021.
Desde o mês de março, o isolamento social devido a pandemia do novo coronavírus impôs restrições de aglomeração e circulação de pessoas, impossibilitando artistas e trabalhadores da cultura de realizar suas atividades e/ou vender suas produções. Alguns deles apostaram em shows através de live, com patrocínio e arrecadação via vaquinhas online; outro setor apostou na apresentações teatrais no modo online; e, ainda, vendas e exposições de produtos por lojas virtuais.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 5,2 milhões de pessoas dependiam das atividades culturais em 2018 no Brasil. Mesmo sendo um dos primeiros setores a suspender as atividades com as medidas isolamento, somente no final de junho foi sancionada a lei Nº 14.017, que ficou conhecida como lei Aldir Blanc, destinando 3 bilhões de reais para ações emergenciais no setor cultural.
Arte e cultura: valorização da memória e humanização da sociedade
Raumi Joaquim Souza, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na Bahia, explica que através da arte e cultura, o Movimento tem o potencial de humanizar a sociedade, além de valorizar a memória e a manter viva a crença na luta.
“O MST ensaia o modelo de arte e cultura propondo a valorização do exercício e prática dos valores humanos que confronte o projeto da sociedade capitalista e retoma, no panorama atual, a força e a legitimidade da luta de classes. Portanto, a arte no MST aspira uma complicada função de humanizar a sociedade. Entre as distintas tarefas do Movimento, a arte é uma das que sugere, em sua realização, a geração de um espaço em que os integrantes possam valorizar sua memória histórica e assegurar sua perseverança na luta por meio de um exercício de reflexão sobre a realidade”, aponta.
O Sem Terra conta que o interior do Brasil está repleto de fazedores de arte e cultura, que sempre tiveram dificuldades de acessar editais, elaborar projetos e serem assistidos. Mas o desmonte da cultura do ponto de vista institucional – extinção do ministério da cultura e a redução do orçamento para a cultura – dificultou ainda mais a vida das pessoas que trabalham e vivem do trabalho artístico.
“Para o gestor cultural, pensar a arte e a cultura também não é fácil. Diante da inexistência de fomento, nos sentimos diversas vezes de mãos atadas e com dificuldades até mesmo de organizar a participação do artista via conselho de cultura, ressalta Raumi.
Os últimos a receber o auxílio emergencial
Aliado ao desinvestimento em políticas e órgãos voltados para a arte e cultura, o tempo que levou até a implementação de um política pública voltada para os trabalhadores e trabalhadoras do setor cultural demonstra o quanto o projeto político do governo Bolsonaro menospreza a cultura e o potencial transformador, educativo e libertador que ela possui. Desconsiderando os impactos da pandemia na vida de milhões de brasileiros que vivem de fazer arte e cultura, os trabalhadores da cultura foram os últimos a serem contemplados por uma política que pensasse o auxílio financeiro emergencial (Lei Aldir Blanc).
Para Raumi, a pandemia tornou mais perceptível como o artista não faz parte do orçamento do governo federal e nem da política da nação. “Ficou evidente que o trabalhador da cultura não é considerado um trabalhador por parte do governo federal, e mais gritante a necessidade da mobilização, da aliança das categorias artísticas em prol de um interesse em comum que assegure todos os trabalhadores da cultura”.
Ele acredita que, com a mobilização que aconteceu para aprovação e implementação da Lei Aldir Blanc, parte dos fazedores de arte e cultura estão mais atentos à necessidade de se conectar e agregar forças em defesa da arte e cultura como trabalho. “Acredito que é necessário também a compreensão de todos os artistas do que significa arte e cultura e do respeito às categorias que sempre foram mais invisibilizadas”, argumenta o Sem Terra.
Arte e cultura como estratégia
De acordo com Raumi, “é impossível pensar um projeto de nação sem incluir a arte e a cultura como parte da estratégica. Acreditamos que a arte e a cultura podem ser elementos fundamentais na busca e construção de alternativas para a hegemonia política, social e cultural”. E completa: “Apostamos em uma arte que questiona as estruturas de poder, e que possa proporcionar a organização da classe trabalhadora para a transformação social, além de propor alternativas para questões adversas”, conclui.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Cultura Sem Terra: uma revolução que transpõe barreiras. Foto: Arquivo MST