“Vassoura de Bruxa”: do latifúndio do cacau devastado à produção orgânica

Como uma terrível praga que devastou as lavouras das grandes propriedades cacaueiras, se tornou uma oportunidade para agricultoras e agricultoras em sistemas cooperados e agroflorestal?

Por Lays Furtado, da Página do MST

A produção brasileira de cacau, teve seu auge produtivo em 1986, quando o Brasil era o 2º maior produtor mundial, participando com 22% da produção global do fruto.

Após o final dos anos 80, esse cenário sofreu uma modificação radical e uma grande reviravolta para as cacauicultoras e cacauicultores, após a infestação da praga que dizimou grande parte das lavouras de cacau, com a chamada “Vassoura de Bruxa”.  

Ocasionando uma derrocada drástica da produção brasileira de cacau, de 450 mil toneladas na década de 1980, para cerca de 240 mil em 2019, de acordo com dados do IBGE.

Hoje, o Brasil ocupa o 7º lugar mundial como produtor do cacau, atrás de países da África Ocidental e da Ásia.

Monocultivo e coronelismo

Jeanderson Oliveira, da direção estadual do MST na Bahia e integrante do setor de produção do MST na região do Baixo Sul do estado, conta que o cacau sempre foi uma economia importante para o país e para o Estado, com o domínio dos grandes fazendeiros e coronéis.

“Até a década de 90 quando ainda não existia a ‘Vassoura de Bruxa’ dominava o coronelismo. Onde os grandes fazendeiros detinham as propriedades. E predominava a cultura do cacau que era quem movia a economia do Estado. Quem tinha a propriedade de cacau era sinônimo de riqueza, de poder. E de fato era poder, pois eles que colocavam prefeitos, quem tiravam deputados e elegiam outros. Eram eles quem colocava os governadores e assim por diante.”

Com todo esse poder nas mãos, o coronelismo apontado por Jeanderson, com grandes latifundiários dominando as propriedades produtoras de cacau, perdurou desde o período do Brasil colonial, por volta do século XVII  até o XXI.

Nesse contexto, as trabalhadoras e trabalhadores que mantinham a cultura cacaueira não tinham direito à sua própria porção de terra, muito menos a usufruir dos frutos do cacau. Viviam sob a soberba do coronelismo e o domínio de latifundiários dedicados à monocultura do cacau. Com um histórico de trabalho escravo e condições análogas à ele.

“As pessoas não tinham o direito de consumir o fruto de cacau, pois se o seus capatazes pegassem um trabalhador consumindo o fruto de cacau era descontado uma diária de trabalho. Além disso, as pessoas saíam de madrugada de suas casas sem horário de retorno. Chegavam oito, dez da noite e não recebiam horas extras. Vários são os relatos de pessoas que ao chegar ao final da semana, ou ao final da quinzena, quando iriam receber o valor das diárias trabalhadas, simplesmente desapareciam. Saiam para receber o seu dinheiro e não voltavam para casa, porque os próprios capatazes matavam para não pagar uma quinzena de trabalho. São centenas de famílias que perderam seus entes queridos para a cultura do cacau colonialista”, conta Jeanderson.

Resistência e produção do cacau Cabruca

Foi após a infestação da praga “Vassoura de Bruxa”, que deixou as lavouras cacaueiras improdutivas, que cacaiucultoras e cacaiucultoras, meeiras e meeiros – responsáveis por recolher a produção que ainda existia na região -, passaram a se organizar e ocupar os latifúndios improdutivos abandonados.

E seguiram no desafio de recuperar as terras e a produção de cacau ameaçadas pela praga e pelo sistema de produção da monocultura. “Nós enquanto Movimento, viemos resistindo na produção do cacau. No entanto, não existe incentivo do governo do Estado, do Governo Federal para que a gente possa melhorar a capacidade produtiva da nossa cultura. Onde infelizmente estamos ainda com a produtividade baixíssima, onde a média da região é em torno de 60 arrobas por hectare. Nos nossos assentamentos em sua grande maioria ainda estamos há 27, 30 arrobas por hectare. Justamente, pelo fato de termos pegado essas áreas totalmente acabadas e por não existir esses incentivos. Então, cada agricultor vai agindo conforme as suas próprias condições, que na maioria das vezes são assentados que antes não tinham nem onde morar. São inclusive muitos ex-trabalhadores dos próprios coronéis, e viram ali a perspectiva de ter o seu próprio pedaço de terra e se somaram à luta e hoje também se tornaram cacauicultor”, relata Jeanderson.

Com o destaque e reconhecimento internacional da qualidade e propriedades do cacau produzido pela agricultura familiar camponesa, houve uma mudança recente que aponta futuros investimentos para que a cultura cacaueira Cabruca possa se expandir.

“Hoje, através da articulação do MST estadual e nacional, temos perspectiva de investimento através do Consórcio Nordeste e do Governo do Estado da Bahia, que irá investir na infraestrutura e na assistência técnica para atender mais de mil famílias em todo o Estado. Então, para o próximo período existem perspectivas de um incremento na renda de cada família”, menciona Jeanderson esperançoso.

Devido a escassez de investimentos no setor e o stress hídrico na região a produção local teve queda de 75% nos últimos cinco anos, impactando diretamente às 200 famílias cacaiucultoras cooperadas. O menor impacto ocorreu com agricultoras e agricultores que mantiveram cultivos diversificados de sua produção.

Essa é mais uma reportagem sobre a cadeia produtiva do cacau, que integra a série de reportagens sobre as principais cadeias produtivas do Nordeste.

*Editado por Solange Engelmann

Imagem: Cacauicultores na produção do cacau Cabruca, no Assentamento Terra Vista. (Foto: Acervo MST/BA)

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