Munduruku repudiam avanço dos estudos da Ferrogrão sem respeito ao seu Protocolo de Consulta

Associação Pariri denunciou reunião para aprovação do Plano de Trabalho do Estudo do Componente Indígena marcada à revelia da pandemia de Covid-19 e do direito à consulta. Ferrovia pretende cortar as bacias do Xingu e Tapajós

No ISA

Os Munduruku do médio Tapajós, representados pela Associação Indígena Pariri, denunciaram em carta a tentativa de avanço do Estudo do Componente Indígena da EF-170 em meio à pandemia da Covid-19 e sem respeito ao seu Protocolo de Consulta. A ferrovia, conhecida como Ferrogrão, pretende cortar as bacias do Xingu e Tapajós, com potencial impacto sobre 16 Terras Indígenas.

A reunião para aprovação do Plano de Trabalho do Estudo do Componente Indígena da Ferrogrão pelos indígenas em Itaituba, no Pará, foi marcada pela Funai e pela Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (SPPI) para a primeira semana de dezembro, sem informar as lideranças e representantes de todas as associações do povo Munduruku, como determina seu protocolo. “Não aceitamos nenhuma reunião decidida apenas pelos órgãos em Brasília, sem dialogar com as lideranças, caciques, guerreiras, guerreiros, pajés, professores e representatividades de todas as Associações Munduruku”, diz o texto da carta. [Leia na íntegra abaixo]

Os indígenas também exigem o cumprimento do direito à Consulta Livre, Prévia e Informada dos beiradeiros das comunidades de Montanha e Mangabal, Pimental e São Francisco, além dos demais povos indígenas ameaçados pelo projeto. Em outubro, o Ministério Público Federal e cinco organizações da Rede Xingu+ encaminharam uma representação ao Tribunal de Contas da União acerca do descumprimento do direito de consulta aos povos indígenas durante a etapa de planejamento. 

Mundurukânia, 30 de novembro de 2020

Nós do povo Munduruku, não aceitamos reunir com equipe que quer fazer Estudo de Componente Indígena para ajudar a construir a Ferrogrão junto com a delegação da Funai de Brasília. Foi enviado um Ofício para a Coordenação Regional da Funai de Itaituba marcando uma reunião dia 2 de dezembro com os Munduruku do médio Tapajós, incentivando as lideranças a saírem das suas aldeias para vir para cidade de Itaituba discutir os interesses do projeto Ferrogrão. Sabemos que estamos em um período de isolamento por conta da Covid-19 e não aceitaremos esta reunião.

Primeiro, exigimos que respeitem o protocolo de Consulta do povo Munduruku, bem como o protocolo de consulta dos beiradeiros de Montanha e Mangabal, da Comunidade de Pimental e São Francisco e os protocolos de consulta ou as formas apropriadas de decisão de todos os parentes ameaçados por esse projeto. Todos nós precisamos ser ouvidos conforme a Convenção 169 da OIT e em respeito à Constituição Federal de 1988.

Os bancos que vão financiar esse projeto da Ferrogrão estão atropelando os direitos dos povos indígenas e comunidade tradicionais.

Queremos também mandar um recado para esses pesquisadores que pretendem realizar os Estudos de Componente Indígena: Leila Silvia Sotto-Maior (coordenadora do Componente Indígena), Virgínia Litwinczik (Antropóloga) e Alexandre Abreu (Engenheiro Florestal). Não aceitamos que façam esses estudos no nosso território. Vocês já sabem que a Ferrogrão vai impactar o nosso modo de existência.

Repudiamos essa forma de marcar reunião, sem consultar todo o nosso povo, principalmente durante a pandemia da Covid-19. Não aceitamos nenhuma reunião decidida apenas pelos órgãos em Brasília, sem dialogar com as lideranças, caciques, guerreiras, guerreiros, pajés, professores e representatividades de TODAS as Associações Munduruku.

Se vocês já sabem que todo o povo Munduruku deve ser consultado antes de qualquer presença de pesquisador, governo ou empresário ligado à Ferrogrão, por que então tentam marcar reunião nas aldeias Praia do Índio e Praia do Mangue, no médio Tapajós, sem informar a todas as outras como prevê o Protocolo de Consulta?

A Funai não representa nossos interesses. O Coordenador Regional do Tapajós e os representantes da Funai em Santarém, Itaituba e Jacareacanga não podem representar o povo Munduruku e nem articular reunião por nós.

A Funai precisa também nos ouvir e respeitar nossas decisões. Temos ainda duas terras aguardando a conclusão dos processos de demarcação no médio Tapajós e nosso território está sendo cada vez mais afetado por invasões, portos, hidrelétricas, mineração e o Governo ainda insiste em seguir com mais um projeto de morte na bacia do Tapajós. A Funai, que deveria cumprir sua obrigação constitucional de garantir nossos direitos, demarcar e proteger nossas terras, está indo contra nossos interesses e sendo conivente com os projetos do Governo e dos grandes empresários do agronegócio, os únicos que serão beneficiados com a Ferrogrão.

Por fim, estamos avisando para que os representantes da Funai Brasília e da consultoria MRS não cheguem em nenhuma aldeia Munduruku, até porquê de acordo com a portaria Nº 419/2020 da FUNAI, não é permitido a entrada de brancos nas aldeias, em razão do aumento dos casos de covid19, e nem tentem conversar com lideranças de forma escondida e isolada.

QUALQUER SOLICITAÇÃO RELACIONADA COM A FERROGRÃO OU COM QUALQUER EMPREENDIMENTO DEVE SEGUIR NOSSO PROTOCOLO DE CONSULTA.

Foto: Adi Spezia/Cimi

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