Mulheres negras, vereadoras, deputadas e prefeitas: vidas ameaçadas pelo machismo e pelo racismo

Mulheres negras, vereadoras, deputadas e prefeitas: vidas ameaçadas pelo machismo e pelo racismo

Por Pedro Calvi, CDHM

No Dia Internacional dos Direito Humanos um encontro discutiu as violações de direitos humanos de mulheres negras candidatas e eleitas. A iniciativa foi do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), Helder Salomão (PT/ES), a pedido das organizações civis Terra de Direitos, Criola, Justiça Global e Instituto Marielle Franco.

Em novembro foram eleitas 9 mil mulheres, do total de vereadores e vereadoras eleitas 6,3% são mulheres negras.

Pesquisa da Terra de Direitos e Justiça Global identificou, em um levantamento que entrevistou 142 mulheres negras de 21 estados em todas as regiões do Brasil, que 18% das entrevistadas recebeu comentários e/ou mensagens racistas em suas redes sociais, por e-mail ou aplicativos de mensagens.

O estudo revela também que 8% foram vítimas de ataques com conteúdo racista durante eventos virtuais públicos. Além disso, 60% das mulheres negras entrevistadas foi insultada, ofendida ou humilhada em decorrência da sua atividade política nas eleições. Em 45% dos casos de violência virtual e moral, a agressão foi feita por indivíduo ou grupo não identificado, isso dificultou denúncias e aumenta a impunidade nos casos deste tipo de agressão.

Mil dias

Na última terça-feira (8), completaram-se mil dias que a vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e o motorista Anderson Gomes foram executados a tiros no Rio de Janeiro. Mesmo com uma longa investigação e a prisão de dois suspeitos, a polícia até agora não esclareceu por que houve o crime e quem mandou matar. No momento, há uma discussão judicial entre o Google e o Ministério Público do Rio de Janeiro, que pede a liberação de dados geofísicos do todos os usuários da rede, que passaram pelo local no intervalo de tempo em que aconteceu o assassinato. Enquanto isso, segue a pergunta “Quem mandou matar Marielle”?

“Depois que perdemos nossa irmã, resolvemos seguir na luta que ela acreditava e fortalecer as reinvindicações das mulheres negras e LGBTQI+, não só no Brasil, mas em toda América Latina. O assassinato dela expôs a rachadura que existe no país”, explica Anielle Franco do Instituto Marielle Franco, que divulgou nesta quinta outra pesquisa sobre violência política.

“Agora só falta a gente matar ela e entrar o suplente que é branco”

A violência não atingiu apenas Marielle. Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC), relata: “O momento era para ser só de alegria, mas ainda na apuração nossa página do Instagram foi invadida e fotos retiradas. Já no dia seguinte, foram ameaças de morte e ofensas racistas me chamando de macaca e fedorenta ou dizendo ‘“Agora só falta a gente matar ela e entrar o suplente que é branco (sic)’. Outra ameaça de morte tinha o endereço da minha casa e dizia que não adianta fazer denúncia, que ele viria até minha casa e depois tiraria a própria vida. Fiquei bastante assustada, preocupada, e desse dia em diante nossa rotina alterou por causa do medo, insegurança. Também recebi mensagem como “diga para ela se cuidar que os fascistas estão de olho nela” e “o Fritz adora comer merda”. Fritz é o nome de um jacaré que tem num rio aqui. Tenho o direito de exercer meu mandato com toda segurança. Eu todas as mulheres negras precisamos de segurança garantida pelo Estado. E, para além disso, que essas mensagens e agressões possam deixar de existir. O que nós pedimos é viver e viver bem. Temos o direito de viver em plenitude e liberdade”.

“Grupos organizados, supremacistas brancos”

Talíria Petrone (PSOL/RJ), que recorreu à Organização das Nações Unidas (ONU) após sofrer novas ameaças de morte: “Esse tipo de violência acontece quando expomos nosso corpo para a luta e isso é muito duro, interfere na saúde metal. Isso acontece quando ocupamos espaços que há tanto tempo ocupados pela elite desde os tempos coloniais. São ameaças físicas, humilhações e interrupção de falas. Somos o país que mais assassina defensores de direitos humanos no mundo. Ao ocupar esses espaços, causamos uma reação proporcional, ainda mais agora que vivemos uma realidade de desmonte e destruição. São grupo organizados, supremacistas brancos, fascistas e neonazistas legitimados pelo próprio Estado. O Congresso Nacional deve criar estratégias para fortalecer a democracia brasileira, que retrocede a passo largos. Precisamos participar disso vivas”.

“Não quero ser a próxima Marielle, a próxima mártir”

Ana Carolina Dartora, primeira vereadora negra eleita em Curitiba (PT/PR): “Mil dias que a gente não sabe quem mandou o vizinho do Bolsonaro matar a Marielle Franco. Enfrentamos vária barreiras, ameaças de morte e intolerância promovidas pelo governo federal, dando voz para essa violência, desprezando mulheres, indígenas e quilombolas. É a necropolítica, a política do deixar morrer. E quando chegamos em espaços institucionais ainda temos a vida ameaçada. Somos mulheres eleitas e queremos exercer nosso direito. Não quero ser a próxima Marielle, a próxima mártir. Me chamaram de macaca, fedorenta. Não quero sair de Curitiba e me esconder. O mínimo de tranquilidade é o mínimo que o Estado deve nos proporcionar”.

Reportagem do site Viomundo relata que o prefeito da cidade, Rafael Greca (DEM/PR), disse em entrevista que discorda de afirmação feita por Dartora, que existe racismo estrutural na capital do Paraná.

Ameaças covardes & feminicídio político

Para Luiza Erundina (PSOL/SP) as mulheres negras na política “são vítimas do Estado machista, racista e patriarcal. Marielle virou um emblema, um símbolo da luta. Essa violência é feita por pessoas covardes, que atuam às escuras. E falta o empenho necessário para apurar os casos, quando a polícia assume seu compromisso institucional, os crimes são esclarecidos. Os covardes se sentem respaldados por essa falta de ação e omissão, do Estado. Quanto mais brancas, negras, tanto mais forte seremos e tanto mais os covardes, esses homens perversos e brancos, se sentirão ameaçados na sua hegemonia”.

Tainá Pereira, do movimento Mulheres Negras Decidem, alerta que ameaças e violências físicas culminam com o feminicídio político. As mulheres negras continuam sendo as vítimas preferenciais dessa violência. O enfrentamento deve ser estrutural, dentro das instituições como no Superior Tribunal Eleitoral para agir nesses casos, ir além”.

“Estamos juntas nessa barreira pesada, por isso nos candidatamos para ocupar espaços de poder. É sacrificante fazer essa travessia desde a possibilidade de colocar uma candidatura, o processo eleitoral e o cumprimento do mandato, com privação e passar por situações inaceitáveis. Temos um Estado racista e genocida que não faz nada para impedir essa violência, e são as mulheres que defendem políticas sociais e de proteção à vida”, argumenta Áurea Carolina (PSOL/MG).

Para a representante da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, Bruna Benevides, a violência política também é uma violência de gênero. “Esse ano, até agora, 160 travestis e transsexuais foram assassinados Brasil, que segue na frente do recorde mundial. Mas tivemos 30 pessoas travestis ou trans eleitas. Isso é fruto da trajetória de prostituas, travestis, gente pobre, analfabeta. A direita não consegue captar a nossa potência porque não tem a nossa capacidade”

Subcomissão

“O que ouvimos aqui já é suficiente para que sejam tomadas medidas legislativas. Não pedimos uma reunião só para lamentar, mas para tomar decisões, como a criação de uma subcomissão para cuidar do tema. É preciso um alerta nacional, construir protocolos e aparatos que preservem a vida dessas mulheres. A ameaça, a morte de cada uma delas é um baque na democracia brasileira”, sugere Lúcia Xavier, do movimento Criola.

Gisele Barbieri, da Terra de Direitos pede que “esse tema seja debatido com partidos políticos dentro Congresso, e isso não é responsabilidade das mulheres, mas também dos homens que estão lá dentro, deputados e senadores”.

Glaucia Marinha, da Justiça global, reitera o pedido de uma subcomissão no Congresso e lembra que “a pesquisa que fizemos mostra que esse ano foi o mais violento para candidatas. Tudo isso é mais um dano à nossa democracia”.

“É muito preocupante esse quadro de violência contra mulheres negras e estamos acompanhando com atenção. As falas de hoje confirmam nosso entendimento que vivemos em um cenário marcado pelo machismo e sexismo”, diz Angela Pires Terto, assessora do Escritório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH).

O presidente da CDHM, Helder Salomão afirma que “como sempre, quando vemos a quebra do status quo a reação do patriarcado é sempre imediata e muitas mulheres negras passaram a ser alvo de ameaças, inclusive de morte. O que podemos fazer para garantir a vida e o exercício da cidadania de mulheres negras? Não podemos admitir que o povo tenha suas representantes impedidas de exercer plenamente seu mandato por conta de ameaças fundamentadas no racismo”.

“Vamos botar pra quebrar”

Nesta quarta-feira (9), a Câmara dos Deputados aprovou a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O texto segue agora para o Senado.

“São situações obscenas, os capitães do mato estão soltos. Votamos a Convenção e queremos que seja mais um instrumento monitorando nossos direitos, ali não tem novidade, já está tudo na Constituição, no Estatuto da Igualdade Racial. É preciso que o país faça reparações. O racismo estrutural se acentua de tal forma que está naturalizando e banalizando qualquer coisa que se faça contra a população negra. Nós vamos botar pra quebrar e não vão calar a nossa voz, não queremos mais sangue derramado como o de Marielle Franco”, conclui Benedita da Silva (PT/RJ).

Também participaram representantes do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), Artigo 19 e assessores parlamentares.

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