Obras de linhão são iniciadas em quilombo de Tomé-Açu (PA) sem consulta prévia aos quilombolas

Associação de moradores do Quilombo Nova Betel ingressou com pedido de reconsideração de decisão liminar que autorizou início das obras.

Por Terra de Direitos

A chegada de trabalhadores, máquinas e caminhões marcou o início das obras de instalação de uma linha de transmissão de energia elétrica dentro do território quilombola Nova Betel, em Tomé-Açu (PA), nesta sexta-feira (11). A instalação do linhão faz parte de um projeto de expansão de 125 km das linhas de transmissão, que interligará a subestação Vila do Conde à subestação Tomé Açu. Apenas no quilombo de Nova Betel, mais de 50 famílias podem ser impactadas.

As obras foram autorizadas pelo Tribunal de Justiça do Pará em agosto, como resultado de uma ação movida pela Etepa, a Empresa Transmissora de Energia do Pará, responsável pela obra. A empresa buscou garantir o projeto na justiça, uma vez que não há autorização integral dos moradores para o empreendimento no território.

“Não teve consulta prévia”, denuncia um dos moradores do quilombo, que prefere não ser identificado. A consulta prévia, livre e informada é um dos processos previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esse tratado – ratificado pelo Brasil – determina que quilombolas, indígenas e povos e comunidades tradicionais sejam previamente consultados sobre obras, projetos e medidas administrativas que impactem seus territórios. Segundo o morador, apesar da reivindicação da comunicação para que houvesse um diálogo com todos os moradores do quilombo para discutir um processo de consulta efetivo, a Etepa optou por desmobilizar a comunidade. “Você sabe como é a empresa: ela tenta conversar particularmente, um por um, para conseguir o que ela quer. E com quem não negociou, eles fizeram uma liminar para passar por cima esse linhão”, conta.

Para reverter a decisão, a Associação de Moradores, Agricultores e Quilombolas Da Comunidade de Nova Betel (AMAQCNB) enviou, no dia 10 de dezembro, um pedido de habilitação como assistente litisconsorcial no processo e de reconsideração da liminar. No documento, a associação destaca que a decisão não considera o fato de que a área afetada é um território quilombola certificado pela Fundação Cultural Palmares desde 2015. Além disso, a qualidade de assistente no processo permitirá que a comunidade defenda o próprio direito.

Advogada popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Gabriele Gonçalves destaca que a instalação do linhão viola diretamente os direitos da comunidade. “Desde o início a empresa omitiu a informação de que se tratava de uma comunidade quilombola impactada”, destaca. “Ela feriu a Convenção 169, se utilizou de manobras para conseguir ter decisões favoráveis e induziu o juízo ao erro”, destaca.

Impactos

Os quilombolas de Nova Betel sabem bem que a obra impactará a comunidade. Os moradores já convivem com o linhão responsável pelo bombeamento do mineroduto da empresa mineradora Hydro e com a contaminação dos agrotóxicos utilizados pela empresa Biopalma na região. Para a instalação do linhão da Hydro, por exemplo, os moradores relatam que houve o assoreamento de rios. “[O linhão da Hydro] Não trouxe nada de bom”, revela o morador do quilombo. 

“O linhão que vai passar aqui na comunidade [da Etepa] vai prejudicar as florestas, os igarapés”, teme. Segundo ele, mesmo antes do início das obras os quilombolas já sentiram os impactos do empreendimento: em meio à pandemia de coronavírus, escondidos, representantes da empresa foram à comunidade para negociações – sem máscara, e em desacordo com as orientações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Um dos coordenadores da coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), Aurélio Borges lembra que a prática de instalação dentro de territórios quilombolas sem consulta prévia tem sido recorrente. Em junho, organizações e movimentos de todo o país denunciaram o aval da Fundação Cultural Palmares para a construção de uma linha de transmissão de energia que afetaria quatro quilombos na cidade de Óbidos (PA), sem que as comunidades fossem consultadas.

“O governo tem dado essas concessões”, ressalta. “Além dele dar essas concessões, a Fundação Cultural Palmares tem feito estudos de componentes quilombolas que apresentam dados para possíveis compensações aos territórios quilombolas que não contemplam o que as comunidades precisam”. Segundo Aurélio, também tem sido recorrente a prática de considerar o momento de apresentação do Estudo do Componente Quilombola – uma das etapas para o licenciamento das obras – como Consulta Prévia, Livre e Informada.

Tudo isso a um custo para as comunidades que não se reverte em retorno efetivo. “Esses linhões não trazem nenhum benefício para as comunidades, já que não vão fazer a distribuição de energia para melhorar a qualidade da energia nos municípios que tem comunidades quilombolas. Só trazem um grande impacto, como com a derrubadas de árvores centenárias. É um atropelo”, destaca.  

Imagem: Obras do linhão da empresa Etepa tiveram início nesta sexta-feira (11) – Reprodução: Terra de Direitos

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