DPU pede ao STF suspender despejo de indígenas ordenado na semana do Natal. Por Rubens Valente

No Uol

A DPU (Defensoria Pública da União) protocolou neste sábado (26) uma reclamação no STF (Supremo Tribunal Federal) a fim de tentar impedir o despejo de indígenas xokleng ordenado na quarta-feira (23), antevéspera do Natal, pela 3ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS) e confirmado pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região. A ordem diz que a reintegração de posse deve ser executada por forças policiais em até quatro dias.

Na reclamação, a DPU afirma que o TRF “afrontou diretamente a ordem do Supremo Tribunal ao ignorar os termos da decisão” tomada pelo ministro Edson Fachin em maio passado no bojo de numa reclamação originada de Santa Catarina sobre outra ocupação indígena da etnia xokleng.

O ministro determinou então “a suspensão nacional dos processos judiciais, notadamente ações possessórias, anulatórias de processos administrativos de demarcação” até o término da pandemia do novo coronavírus ou do julgamento final do recurso extraordinário (nº 1.1917.365). O ministro apontou que a paralisação é “razoável, com base no princípio da precaução”.

“Evidente que ações desta natureza [despejos] estão suspensas por ordem expressa do STF”, afirmou a DPU em petição subscrita pelos defensores Tiago Vieira Silva e Bruno Vinicius Batista Arruda. Eles pedem a suspensão da ação de reintegração de posse até o julgamento final do processo. Por causa do recesso forense de final de ano, o pedido deverá ser apreciado pelo presidente do tribunal, Luiz Fux. A DPU representa a indígena Cunllugn Vei-Tcha Teie, filha do líder falecido Veitcha Teie.

As famílias xokleng, que incluem 14 crianças, começaram a ocupação no último dia 12 em um pedaço da Flona (Floresta Nacional) São Francisco de Paula, no município homônimo localizado a cerca de 115 km de Porto Alegre (RS). De acordo com um agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, a reivindicação “é conhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) ao menos desde 2011, contudo ainda não foi exarada decisão definitiva, estando paralisada indevidamente”.

Os indígenas afirmam que essa parte da Flona, que tem ao todo 1,9 mil hectares, é terra tradicional indígena. Por isso, pedem a sua demarcação imediata. Desde que tomou posse, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro não demarcou nenhuma terra indígena no país e os processos de demarcação estão todos paralisados na Funai e no Ministério da Justiça.

A ação de reintegração de posse da Flona contra os indígenas foi ajuizada na Justiça Federal pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). O órgão argumentou que “o grupo indígena está dificultando ou impedindo a plena gestão da unidade de conservação, trazendo insegurança aos servidores que lá residem, à visitação pública e o desenvolvimento dos trabalhos de pesquisa, ensino e educação ambiental. Além disso, há risco de arrombamento e ocupação do patrimônio público, dos mais de 30 imóveis no interior da unidade, cinco hospedarias, alojamento, casa de apoio ao visitante, museu, auditório, etc”.

Os argumentos do ICMBio, contudo, foram rebatidos pelo MPF, ao dizer que o órgão não apresentou “elementos concretos de que o grupo indígena ‘traz insegurança’ às pessoas ou oferece ‘risco de arrombamento’ no local”. Além disso, a Polícia Federal esteve no local e produziu uma informação “na qual consigna que não houve ameaças físicas contra o vigilante durante a entrada, apenas uma solicitação para que ele saísse, e que 14 crianças acompanham o grupo”.

O MPF lembrou que num caso análogo, ocorrido na Floresta Nacional de Canela, “não houve nenhuma notícia de incidentes durante os mais de 10 meses em que o grupo indígena permanece no local”. Foi adotada “uma solução intermediária e bem sucedida, consistente na imposição de condicionantes para a permanência na área: não utilização da rede elétrica de forma improvisada, não disposição de resíduos no solo e não utilização de fogueiras no interior da mata”.

“Ao contrário do que quer fazer crer a autarquia ambiental [ICMBio], os indígenas não são inclinados a praticar atos de vandalismo ou violência, mas a retomar pacificamente as terras de seus antepassados”, afirmou o MPF.

Em nota, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) manifestou “apoio à retomada São Francisco de Paula, do povo Xokleng”, ao lado da “Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ArpinSul) e de todas as organizações indígenas que compõem a APIB”. A organização indígena disse que “exige o reconhecimento do território do povo Xokleng, que é uma reparação ao histórico de violências que sofrem a séculos e seguem resistindo”.

“A retomada do povo Xokleng integra um importante movimento de retomada das terras indígenas invadidas na região Sul do país, que foi iniciada na década de 1970. Por séculos os Xokleng foram vítimas de um brutal processo de colonização que quase levou ao completo desaparecimento do povo, que tradicionalmente ocupavam os territórios que estavam localizados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Devido às inúmeras invasões e violências os Xokleng foram expulsos dos seus territórios fazendo com que hoje estejam mais concentrados no estado de Santa Catarina”, afirmou a APIB.

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