Advogado dá detalhes sobre prisão de defensor de direitos humanos no Pará

Por Rafa Santos, na Conjur

O desaparecimento do presidente de uma associação de pessoas com epilepsia da cidade de Redenção (PA), um bloqueio de R$ 270 mil determinado por uma desembargadora e mensagens de WhatsApp.

Esses são os elementos que teriam levado à prisão preventiva do advogado José Vargas Sobrinho Junior. Ele está preso desde 1º/1, também em Redenção, sob a acusação de ter envolvimento no desaparecimento do ex-candidato a vereador Cícero José Rodrigues de Souza, que é o presidente da associação. Ele está desaparecido desde novembro do ano passado e é dado como morto pela polícia.

Além de José Vargas, também está preso o seu sócio, Marcelo Borges. Apesar de Vargas estar habilitado nas demandas quem atuava diretamente nas ações da associação presidida por Cícero era Borges. 

Segundo o advogado de Vargas, Marcelo Mendanha — que também é presidente da OAB do município paraense —, o pedido de prisão contra o ativista de direitos humanos é baseado em conversas de WhatsApp e piadas tiradas de contexto.

A polícia trabalha com a hipótese de que os dois sócios estão envolvidos na produção de um suposto contrato de venda da associação. O instrumento previa que ela se daria mediante pagamento em duas parcelas. Como a segunda estava perto do vencimento, os investigadores sustentaram a tese de que os sócios teriam contratado um policial militar para matar Cícero.

“O contrato tem uma série de dados falsos e não tem o nome da associação. A polícia fala que tem clareza sobre tudo, mas não tem. Os investigadores incluíram o policial militar porque eles têm imagens de câmeras de segurança que dariam a entender que Cícero teria entrado no carro do policial, mas as imagens não têm clareza. Não dá para identificar nem o Cícero”, sustenta.

WhatsApp e R$ 270 mil
A Polícia pediu a prisão temporária do sócio do ativista de direitos humanos, do policial militar e de um terceiro. Chegando perto do fim do prazo da prisão temporária, pediram a preventiva de Vargas e a conversão de temporária para preventiva dos demais.

Quando a polícia prendeu Marcelo Borges, apreendeu seu celular, encontrando conversas dele com Vargas. Os investigadores alegam que as mensagens antes do desaparecimento de Cícero foram apagadas. “Nessas conversas, eles falam sobre uma decisão da Justiça favorável à associação, do dia 24 de novembro, que determinava o sequestro de R$ 270 mil das contas do município para garantir o eventual pagamento da prefeitura para a entidade”, explica.

O montante se refere a um repasse da prefeitura da cidade à associação. A administração municipal teria descumprido um TAC firmado com a Defensoria Pública e, por isso, foi determinado o pagamento de multas, que seriam revertidas à associação. O valor total ultrapassa R$ 1 milhão.

“A partir daí a conversa entre eles se resume apenas a essa decisão. Detalhe que essa decisão é de um mês depois do desaparecimento do Cícero. Eles não sabiam dessa decisão quando Cícero sumiu”, explica Mendanha.

Segundo o advogado, alguns áudios usados no pedido de prisão têm clara conotação de piada. “Quem escuta o áudio percebe que é uma piada. A polícia não pontua as risadinhas da gravação e a juíza que fez audiência de custódia afirmou que os áudios não estão disponíveis nos autos. Essa decisão é muito absurda”, afirma.

O caso faz lembrar a obra ficcional A Brincadeira, de Milan Kundera. O protagonista da trama envia um cartão-postal ironizando o dogmatismo comunista. Acaba punido com anos de trabalho braçal. Mas o enredo se passa em ambiente claramente autoritário.

O advogado diz também que fez uma série de requerimentos que não foram analisados pela polícia. “A polícia seguiu essa linha de investigação por conta de uma sugestão do irmão do Cícero, mas não aventaram nenhuma outra possibilidade. Vargas está preso por causa das brincadeiras que ele fez”, afirma.  

No último dia 4 deste mês, a Justiça negou HC impetrado pela OAB. No pedido liminar, a ordem alegou que a prisão do advogado foi baseada em “premissas hipotéticas, sem comprovação nos autos”.

José Vargas Sobrinho Junior tem histórico de defesa dos direitos humanos no sul do Pará e se notabilizou por sua atuação no caso da chacina de Pau D’Arco, ocorrida em 2017. Na ocasião, dez trabalhadores sem-terra foram executados por policiais civis e militares.

Ele recebeu o prêmio João Canuto em 2017, concedido pelo Movimento Humanos Direitos (MHuD), e a medalha Paulo Frota, em 2018, outorgada pela Assembleia Legislativa do Pará.

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