Por Tiago Angelo, em ConJur
O procurador João Gabriel Morais de Queiroz, da Procuradoria da República no Distrito Federal, se manifestou na noite desta quinta-feira (21/1) para arquivar um inquérito aberto contra o advogado Marcelo Feller, por manifesta atipicidade da conduta apurada.
A investigação foi iniciada a pedido do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, com base na Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83), depois que Feller criticou na CNN a atuação de Jair Bolsonaro na condução do combate à epidemia de Covid-19. O pedido do MPF foi feito no âmbito do IPL1051043-75.2020.4.01.3400.
“Apesar dos arroubos antidemocráticos e da proliferação de defensores da ditadura observada nesses últimos anos, (ainda) vivemos, no Brasil, um sistema democrático de direito e, portanto, é com base nesse contexto democrático que a LSN deve ser interpretada e aplicada”, afirma a manifestação do MPF.
Ainda de acordo com o procurador, “a LSN não pode ser empregada com o objetivo de constranger ou perseguir qualquer pessoa que se oponha licitamente, externando críticas ou opiniões desfavoráveis ao governo, por mais ásperas que elas sejam, uma vez que tais condutas, por si sós, não põem em risco a segurança do Estado, ainda que possam trazer descrédito aos seus governantes por meio de contraposição de ideias e argumentos”.
Durante o programa da CNN, o Feller disse que Bolsonaro era parcialmente responsável pelas mortes por Covid-19 no Brasil. Na ocasião, o advogado comentava uma declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Referindo-se à falta de ações eficientes do governo Bolsonaro no combate à Covid-19, Mendes disse que o Exército estava se associando a um genocídio.
“Não é o Exército que é genocida, é o próprio presidente, politicamente falando. E de fato, as Forças Armadas estão, perigosamente, se associando, dia após dia, ao presidente”, disse Feller.
O advogado também citou um estudo feito por professores de Economia das universidades de Cambridge e da Fundação Getúlio Vargas. Os especialistas apontaram que atos praticados pelo presidente influenciaram comportamentos arriscados da população frente à epidemia.
Habeas corpus
Mais cedo, também nesta quinta-feira, a defesa de Feller, feita pelo advogado Alberto Zacharias Toron, ajuizou, no Superior Tribunal de Justiça, um pedido de Habeas Corpus solicitando o trancamento do inquérito.
“A hipótese deduzida neste autos revela, a mais não poder, a completa falta de justa causa para a instauração de inquérito policial contra o paciente, advogado militante, sério e competente, e então comentarista da CNN“, diz a peça.
Ainda segundo Toron, “criticar o governo Bolsonaro, ou mesmo tachar de criminosa sua política, é parte do debate político que, longe de ameaçar o Estado, engrandece-o; engrandece a democracia”. “Só mentes autoritárias não enxergam isso. Daí porque o inquérito policial instaurado mediante requisição deve ser trancado como medida de justiça.”
No HC, a defesa argumenta que a declaração feita por Feller na CNN tem teor parecido com muito do que foi dito na imprensa nos últimos meses. O documento cita como exemplos os editoriais da Folha de S.Paulo e do Estado de S. Paulo que criticaram duramente o presidente e qualificaram sua conduta com relação à epidemia como criminosa.
Toron também lembra no HC que a própria declaração de Mendes, objeto da discussão na CNN, teve teor parecido com a fala de Feller e não foi alvo de inquérito.
“Sabemos que nem o Ministro da Justiça, nem o da Defesa, tomaram qualquer medida contra o cidadão Gilmar Ferreira Mendes ou órgãos de imprensa. E com razão! A opinião do ministro do STF, malgrado a enorme repercussão que teve, se insere no direito de crítica, na liberdade de expressão e de pensamento, que é um dos direitos fundamentais mais caros à cidadania. Idem, os editoriais dos jornais.”
O documento, por fim, cita uma série de precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a mera crítica, mesmo que feita contra autoridades, não configura ofensa à Lei de Segurança Nacional, norma que foi editada durante a ditadura militar.
Isso porque, segundo o Plenário do STF, para que haja crime político é necessário lesão ou perigo de lesão contra a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático; a Federação e o Estado de Direito; e os chefes dos poderes da União.
“A política de governar intimando por meio de requisição de procedimento investigatório foi uma das marcas da ditadura de 1964. O fato retratado nestes autos relembra o lado mais triste e assombroso da nossa história recente”, conclui o HC.
De janeiro de 2019 até junho de 2020, a Polícia Federal abriu 30 inquéritos com base na LSN. Esse é o maior número dos últimos 20 anos de período democrático.
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IPL 1051043-75.2020.4.01.3400
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Pedido de investigação foi feito pelo ministro André Mendonça (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)