Aruká Juma é transferido de ambulância para UTI em Porto Velho

Por: Luciene Kaxinawá e Kátia Brasil, em Amazônia Real

Por volta da 1h50 desta terça-feira (2), o Hospital Regional de Humaitá, no sul do Amazonas, informou que o ancião Aruká Juma – último guerreiro do povo e que só fala a língua Tupi Kawahiva -, teve uma piora no quadro clínico do tratamento da Covid-19. Ele “foi entubado e aguardava vaga para ser removido para (UTI) Porto Velho”, disse o boletim da unidade, destacando que o indígena é hipertenso e estava com febre e falta de ar, além de não aceitar a dieta hospitalar. O problema é que em nenhum dos 61 municípios do interior do Amazonas tem hospital com Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A partir daí começou uma mobilização de órgãos públicos estadual, federal e organizações de defesa dos povos indígenas para salvar a vida de Aruká.

Ainda nesta terça, às 12h30 (13h30 em Brasília), foi confirmada a transferência do indígena para um leito de UTI no Hospital de Campanha de Rondônia (HCAMP), em Porto Velho, mas a viagem está sendo feita em ambulância, UTI Móvel, com a Equipe Multidisciplinar de Saúde indígena (EMSI) do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Porto Velho. A viagem de 2 horas é por 205 quilômetros em rodovias federais 230 (a Transamazônica) e  319 (Porto Velho/Manaus). A ambulância chegou por volta das 16h20 (17h30) e Aruká foi internado no HCAMP.

“Eu estou aqui, não sei nem como dizer, estou tentando me acalmar, tentando pensar que vai dar tudo certo. Estou muito triste mesmo”, disse a Mandeí sobre a transferência do pai em rápida entrevista por telefone à agência Amazônia Real. 

Mandeí estava acompanhando as internações de Aruká Juma há 17 dias em Humaitá. Ela foi transferida às 2 horas da madrugada do Hospital Regional para a Casa de Atendimento de Saúde Indígena (Casai), onde permanecia em isolamento por causa da Covid-19, mas sem apresentar sintomas da doença. Ainda hoje ela e sua irmã Boreha Juma devem ser enviadas para a casa de saúde indígena de Porto Velho para acompanhar a evolução do quadro clínico do pai.

A articulação para transferir Aruká Juma para uma UTI em Porto Velho foi realizada pelo Hospital Sentinela, Hospital Regional de Humaitá, a Associação Etnoambiental Kanindé, o Governo de Rondônia, o Ministério Público Federal no Amazonas, em Rondônia e no Acre, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), e o Dsei Porto Velho, do Ministério da Saúde. “Graças a Deus e à luta de várias pessoas e órgãos se conseguiu o leito de UTI para Aruká. Isso é super importante para garantir um atendimento adequado para ele, que é muito velho e um símbolo para o povo dele”, disse Ivaneide Cardozo, coordenadora da Kanindé. 

A idade de Aruká Juma é imprecisa, pois a carteira de identidade aponta 86 anos, mas segundo familiares ele teria mais de 90 anos. O ancião apresentou sintomas de Covid-19 na primeira quinzena de janeiro. Na aldeia Juma, o primeiro teste para o novo coronavírus deu negativo, no dia 17, mas ele passou mal e foi encaminhado para a  Casai em Humaitá. Neste mesmo dia, 19 pessoas da aldeia foram submetidas a testes e houve 12 confirmações para a doença, mas não precisaram de internação. 

Dois dias após, Aruká foi transferido da Casai para a internação no Hospital Sentinela, ficando em observação, pois apresentou sintomas de gripe e febre .

No dia 22 de janeiro, o quadro de saúde do ancião apresentou melhoras e ele foi transferido do Hospital Sentinela para a Casai.

No dia 26, o ancião passou mal de novo e foi novamente internado no Sentinela, apresentando um quadro de pneumonia e problemas respiratórios. Na ocasião, o exame para o novo coronavírus foi confirmado, segundo a filha do ancião, Mandeí Juma.

No dia 27 de janeiro, os problemas respiratórios se agravaram e Aruká foi transferido do Sentinela para o Hospital Regional de Humaitá.

Em 29 de janeiro, Mandeí Juma disse à agência Amazônia Real que o pai apresentou melhoras. “Ele dormiu bem, acordou bem, tomou banho cedo e almoçou bem”, disse.

A enfermeira Nilcilene Jacob, coordenadora-técnica do Polo Base de Saúde Humaitá, explicou que o quadro de saúde de Aruká requeria muita atenção por causa da evolução da pneumonia. “Ele está sob os cuidados de assistência médica hospital, sendo monitorado e acompanhado pela equipe de saúde indígena daqui de Humaitá”, disse a enfermeira. Os hospitais Sentinela e Regional não têm Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

No dia 1º de fevereiro, o estado de saúde começou a piorar e o Hospital Regional de Humaitá emitiu o boletim médico informando que “o ancião regrediu ao quadro de saúde de saturação <90, dispneia (falta de ar), com estado febril e em uso de oxigenoterapia, com uso de máscara de venturi”. Com relação à alimentação, o hospital disse que o indígena “não aceitou a dieta oferecida” e continuava a receber fisioterapia respiratória três vezes ao dia.

Na madrugada desta terça-feira (2), o segundo boletim informou a necessidade da transferência de Aruká Juma para outro hospital com UTI. A reportagem da Amazônia Real questionou o Dsei Porto Velho sobre a transferência do indígena de ambulância em vez de aeronave, o que tem sido a prática no Amazonas para paciente de Covid-19. O assessor técnico indígena do gabinete do Dsei Porto Velho, Aurélio Tenharim, disse que a Sesai não tem contrato de aeronaves na região. “Se for para contratar aeronave, seria para outro estado. Ele vai ser transferido de ambulância UTI com uma equipe de médico e toda a estrutura. A vaga dele foi aberta com um leito de UTI no hospital de campanha de Porto Velho”, disse Aurélio, que é também assessor do Conselho Distrital Indígena (Condisi).

A coordenadora da Kanindé, Ivaneide Cardozo ,questionou a transferência em viagem do ancião em estado grave por rodovias. “Por que não usa o avião do Exército? O Dsei e a Funai são comandados por coronéis, por que não conseguem?”, disse.

Em nota, a Sesai em Brasília não comentou a transferência de Aruká Juma por via terrestre. “O indígena está sendo acompanhado pelo DSEI Porto Velho e sendo removido em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Móvel, acompanhado de médico e enfermeiro do Hospital Regional de Humaitá”, disse.

Em outro ponto da nota, a Sesai informou que a Equipe Multidisciplinar de Saúde (EMSI) do Dsei Porto Velho está levando familiares de Aruká Juma. sendo as filhas Boreha e Mandeí para a Casai, onde poderão acompanhar o tratamento do pai em Rondônia.  “O Dsei Porto Velho destaca que vem dando todo o apoio no acompanhamento do indígena, referenciando na Atenção de Média e Alta Complexidade, e continua prestando os serviços de saúde básica na aldeia e dando prosseguimento na imunização contra Covid-19”, disse a Sesai.

Aurélio Tenharim, assessor ténico do Dsei Porto Velho, acompanhou a transferência de Aruká Juma e falou sobre o estado de saúde do ancião. “Ele continua com a mesma gravidade, mas vamos torcer para ele se recuperar. Ele está na UTI e os médicos são capacitados, passaram muito segurança pra gente. Só que, como o pulmão dele está muito comprometido, falaram que temos que ter fé. Então vamos ter fé”.

Último guerreiro Juma

Aruká Juma é o pai também de Maitá e da cacica Boreha. Os quatro indígenas são as únicas pessoas da etnia Juma. Na metade da década de 1960, esse povo quase foi à extinção devido aos massacres que os demais parentes sofreram nas décadas anteriores de seringueiros, madeireiros e pescadores no território, que fica margeado no rio Assuã, em Canutama (AM).

Nos anos 1990, os Juma chegaram a viver em situação de vulnerabilidade sociocultural, sofrendo com o abandono dos órgãos públicos. Para evitar a extinção do grupo, casamentos interétnicos foram formalizados entres os Juma e os indígenas Uru-Eu-Wau-Wau, que são também do tronco linguístico Kawahiva, na Aldeia do Alto Jamari, em Rondônia. 

Por volta do ano de 2013, às famílias dos casamentos entre Juma e Uru-Eu-Wau-Wau retornaram da Aldeia Jamary ao território Juma em Canutama, pois era um desejo do guerreiro Aruká. 

Atualmente, como relatou um de seus netos, Puré Juma-Uru-Wau-Wau ao Blog Jovens Cidadãos da Amazônia, “na Aldeia Juma vivem cinco famílias. Minha mãe Boreha Juma é a cacique. Meu pai é Erowak Uru-Eu-Wau-Wau e tenho quatro irmãos, além do meu avó, minhas tias, meus tios e primos”, disse Puré.

Outro neto, Bitate Uru-Eu-Wau-Wau, destacou também no blog ter passado por uma quarentena de prevenção ao coronavírus para visitar Aruká Juma, no território em Canutama. “No tempo que fiquei com o meu avô Aruká aprendi várias coisas que eu não sabia sobre a cultura do povo Juma. A cultura que eu falo é sobre os casamentos, que minha tia vem falando. A juventude vem se fortalecendo para o crescimento de sua estrutura, no ensino da cultura”. 

O ancião teve piora no quadro clínico de Covid-19 e enfrenta uma viagem por UTI Móvel estimada em 205 quilômetros, ou 2 horas e meia de percurso por rodovias entre o Amazonas e Rondônia (Foto: Odair Leal/Amazônia Real)

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