O Brasil viu uma explosão de casos de violência contra jornalistas em 2020. Foram registrados 428 episódios, 105,77% a mais do que em 2019. E o principal agressor foi… o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Sozinho ele foi responsável por 175 casos – 40,89% do total! Das agressões, 145 foram ataques genéricos a veículos de comunicação e jornalistas; 26 casos de agressões verbais, um caso de ameaça direta a jornalistas, uma ameaça à TV Globo e dois ataques à organização dos jornalistas.
por Edelberto Behs, em IHU On-Line
O levantamento é da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) no relatório Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, divulgado na terça-feira, 26 de janeiro. “A postura do presidente da República, que inegavelmente não condiz com o cargo que ocupa, serviu de incentivo para que seus auxiliares e apoiadores também adotassem a violência contra jornalistas como prática”, destaca o documento.
A descredibilização foi a violência mais praticada em 2020 contra a imprensa. Dos 428 casos, 152 – 35,51% – foram de discursos que buscavam desqualificar a informação jornalística, com afirmações como “a mídia mente o tempo todo”, “a mídia é uma fábrica de fake news”, “vocês são lixo”, tão típico do desgastado presidente da República.
Ataques à imprensa ocorrem para descredibilizá-la “para que parte da população continue se informando nas bolhas bolsonaristas, lugares de propagação de informações falsas ou fraudulentas”, disse a presidenta da Fenaj, Maria José Braga, quando do lançamento do relatório.
A censura também ganhou fôlego sob o governo Bolsonaro. A prática institucionalizou-se na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em 2020, com o registro de 76 casos de censura e mais nove envolvendo outros veículos de comunicação, o que representa um aumento de 750% em relação ao ano anterior.
As agressões verbais e ataques virtuais cresceram na esteira dos incentivos de Bolsonaro à violência contra jornalistas. Em 2020, aponta a Fenaj, foram 76 casos – 17,76% – 56 a mais do que os 20 registrados em 2019. É muito provável que haja subnotificação dos casos, porque muitos profissionais não denunciaram ataques sofridos.
Excluído o agressor-mor, os políticos cometeram 39 agressões a jornalistas em 2020, perfazendo 9,11% do total. Também figuram na lista de agressores juízes, procuradores, promotores, com 17 casos – 3,97% do total; policiais militares e civis, com 14 casos (3,27%), dirigentes de clubes de futebol e torcedores, com sete casos (1,64%), empresários da comunicação com sete ocorrências.
O Centro-Oeste foi a região brasileira com o maior número de atentados à liberdade de imprensa no ano passado, com 130 casos, totalizando 48,55% do total. Em seguida vem a Região Sudeste, com 78 ocorrências – 28,26% dos casos. Depois vem a Região Sul, com 10,87%, a Região Nordeste, com 6,88%, e a Região Norte, com 15 ocorrências ou 5,44% do total.
Do total de jornalistas agredidos, censurados, ameaçados ou intimidados 147 eram do sexo masculino, o que corresponde a 65,34% do total, e 64 mulheres – 28,44%. Em 14 casos profissionais agredidos não foram identificados ou a violência ocorreu contra equipes.
Os jornalistas que trabalham em televisão foram os que mais sofreram agressões diretas em 2020, com 77 casos, 24,44% do total de vítimas. A seguir vêm os jornalistas que trabalham na EBC com 76 dos casos (24,31%), os jornalistas que trabalham em portais, sites e blogs, com 61 casos de agressão, representando 19,37% do total. Jornalistas ativos em jornais tiveram 54 episódios de agressões, o que representa 17,14% dos total de casos.
Dois jornalistas brasileiros foram mortos em 2020: Léo Veras, na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, divisa com Ponta Porã, onde o jornalista mantinha o Porã News, e Edney Antunes, assassinado na cidade de Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso, onde atuava como assessor de político. As duas mortes, arrolou Maria José Braga, “é evidência concreta de que há insegurança para o exercício da profissão no Brasil”.
O relatório registra também a agressão sofrida pelo jornalista Felipe Boff, professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, na solenidade de formatura de egressos do curso de Jornalismo, realizada no Anfiteatro Pe. Werner no dia 7 de março de 2020.
“Como paraninfo da turma, o professor discursava e, em seu discurso, denunciava os seguido ataques do presidente à imprensa e aos jornalistas. Foi interrompido por vaias e agressões verbais vindas de parte da plateia de convidados. Os 21 jornalistas formados se levantaram e aplaudiram o professor, que também foi apoiado pelos demais professores presentes, que se levantaram e se colocaram ao lado dele no púlpito”.
O documento pode ser acessado na íntegra aqui.
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Foto: UESLEI MARCELINO / REUTERS