Povos pressionam e governo do Maranhão estende vacinação aos indígenas em contexto urbano

Após se erguerem contra a negligência do Estado, indígenas em contexto urbano começam a ser imunizados nesta terça (2)

por Nanda Barreto, em Cimi

Semana passada, seis povos indígenas do Maranhão criticaram duramente os governos federal e estadual pela exclusão de parte significativa da população indígena do grupo prioritário para a vacinação contra a covid-19. Em carta aberta, os Tremembé, Akroá Gamella, Anapuru Muypurá, Kariri e Tupinambá ressaltam que “o plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil”.

A pressão fez o governo do Maranhão se mobilizar para atender a reivindicação. Também em manifestação pública, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular garantiu que irá cuidar da imunização de todos os povos que assinaram a carta. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acompanha a situação de perto. “Esta é uma importante vitória dos povos contra a negligência do Estado”, sustenta Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi Regional Maranhão.

A vacinação dos Akroá Gamella está marcada para começar nesta terça-feira (2). O povo Tremembé é o segundo da fila. Na avaliação de Rosa Tremembé, a exclusão imposta pelo poder público reforça a necessidade de valorizar a identidade indígena. “Nós precisamos lembrar e relembrar o tempo inteiro que nós somos indígenas, independente do lugar que a gente esteja. Para nós foi uma surpresa não ver o nome do nosso povo no plano de vacinação”, salienta. 

Pandemia da desinformação
Para Lidiane Kariri, embora positiva, a manifestação do governo estadual é lenta diante da gravidade da situação, especialmente no que diz respeito à informação de qualidade. “A imunização dos povos indígenas é urgente. Por isso, pretendemos continuar na luta, em diálogo com os responsáveis. Outro ponto no qual precisamos avançar é a comunicação, não só sobre as etapas da vacinação, mas sobre a vacina em si. Muitos parentes não estão querendo se vacinar, pois estão com medo e, infelizmente, estamos vivendo este momento de fake news”, alerta a estudante. 

Luta pelo território e combate ao racismo
De nome indígena Tüny Cwe, Rosa evoca a força dos antepassados para vencer a batalha contra o descaso. “Quando meus ancestrais pisaram neste chão, aqui era tudo mata e floresta. Os invasores destruíram nossos modos de vida, mas nós já estávamos aqui quando a cidade chegou. Muitos de nós estão espalhados porque nossos espaços foram tomados. Então, nós recebemos esta posição do governo do Maranhão de nos considerar na vacinação com a expectativa de que nos considerem em outras políticas públicas e direitos”, pontua. 

Lidiane afirma que diferenciar indígenas aldeados e não aldeados é uma postura “racista e genocida”. “A nossa identidade não está acorrentada em nenhuma aldeia e muito menos ao reconhecimento do governo. Não é o Estado que define quem é indígena e quem não é, porque nossa identidade está ligada à memória, à nossa ancestralidade, ao parentesco, à luta política e também aos territórios. É perverso se utilizar de um só critério para definir quem tem direito e quem não tem, principalmente se este critério for a terra demarcada, pois nós, povos indígenas, fomos saqueados, violentados e expulsos das nossas terras desde a invasão do Brasil”. 

Vulnerabilidade 
Um estudo realizado pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) revelou que a prevalência do coronavírus Sars-Cov-2 entre a população indígena urbana (5,4%) é cinco vezes a encontrada na população não indígena (1,1%). 

Na visão do Cimi, a limitação gerada pelo Ministério da Saúde à imunização contra a covid-19, prioritária somente para índios “aldeados”, é um absurdo político e humanitário.

De acordo com o levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), já são mais de 47,5 mil indígenas infectados pela covid-19, sendo que 900 perderam a batalha contra o vírus.

Robson, liderança Tremembé do Engenho, fala da luta de seu povo por demarcação de território tradicional no Maranhão. Foto: Tiago Miotto/Cimi

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