Em carta ao Governo de Minas Gerais, bispos da CNBB reiteram posição contrária ao acordo firmado com a Vale S.A

CPT

A Comissão de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Presidência do Regional Leste 2 e o Grupo de Trabalho de Ecologia Integral e Mineração do Regional Leste 2 da CNBB emitiram uma carta sobre o acordo firmado entre o Governo de Minas Gerais e a Vale S.A para reparação dos prejuízos provocados pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.

No documento, os bispos reivindicam que “diante de tantas violações presentes neste acordo, apoiamos a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) nº 790, protocolada no dia 10 de fevereiro de 2021, uma vez que defendemos a suspensão da homologação na 1ª Instância, em função do descumprimento de uma série de preceitos fundamentais, sendo o principal deles o princípio da centralidade do sofrimento da vítima e o direito à participação das comunidades atingidas em todo o processo de negociação”.

Leia a carta na íntegra:

Belo Horizonte, 17 de fevereiro de 2021.
CT n°003/2021/CNBB 
1/

Exmo. Sr.
Romeu Zema Neto
Governador do Estado de Minas Gerais 

Exmo. Sr.
Antônio Augusto Brandão de Aras
Procurador-Geral da República 

Exmo. Sr.
Desembargador Gilson Soares Lemes
Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais 

Exmo. Sr.
Jarbas Soares Junior
Procurador-geral de Justiça de Minas Gerais 

Exmo. Sr.
Gério Patrocínio Soares Defensor
Público-Geral de Minas Geral

A Comissão de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Presidência do Regional Leste 2 da CNBB e o Grupo de Trabalho de Ecologia Integral e Mineração do Regional Leste 2 da CNBB expressam sua preocupação com o acordo firmado entre o Governo de Minas Gerais e a Vale S.A. na última quinta-feira (04/02/2021), referente aos danos e prejuízos coletivos provocados ao Estado em função do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).

O referido acordo judicial foi resultado de negociações, em caráter de sigilo de justiça, entre a Vale S.A., o Governo de Minas Gerais, na pessoa do Governador Romeu Neto Zema (Partido NOVO), o Ministério Público de Minas Gerais e a Defensoria Pública Estadual, no entanto, não contou com participação das comunidades atingidas por esta tragédia-crime. A violação do princípio da centralidade das vítimas é suficiente para o deslegitimar, uma vez que os principais interessados nesta ação não fizeram parte das rodadas de negociação.

Além disso, os processos judiciais que tramitavam na 2a Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, referentes aos danos coletivos provocados pelo rompimento da barragem, que foram dados como parcialmente resolvidos a partir da celebração deste acordo judicial, apontavam uma quantia (preliminar) de aproximadamente 56 bilhões de reais a serem pagos pela Vale S.A.. Porém, o teto global do acordo judicial firmado é de R$ 37,68 bilhões. Em outras palavras, a celebração desse acordo judicial significou a economia de pelo menos R$19 bilhões de reais pela Vale S.A. em relação aos valores até então já apurados nos processos judiciais referentes a danos e prejuízos coletivos. Mas, para, além disso, o valor acordado é ainda menor do que o anunciado, uma vez que, nos termos do instrumento, será descontado o montante já gasto pela mineradora na bacia do rio Paraopeba até a presente data – cerca de R$11 bilhões. Em outras palavras, somente cerca de R$ 26 bilhões serão investidos de agora em diante, menos da metade do que os estudos de agosto de 2020 consideravam ser necessários para o início da reparação preliminar dos danos da bacia.

A assinatura do acordo judicial também representou, contraditoriamente, a alta de 4,3% das ações da mineradora no Ibovespa, o que demonstra o evidente interesse mercadológico na assinatura do acordo, mesmo em face do fato da sua assinatura não garantir a devida reparação às comunidades atingidas. O aceno ao mercado foi claro, uma vez que a primeira manifestação da Vale S.A. relacionada ao fechamento do acordo não foi direcionada às comunidades atingidas, mas aos seus acionistas, através de nota assinada por seu diretor de relações com investidores, o que mostra claramente as reais motivações para o firmamento do acordo judicial.

Por fim, o conteúdo deste documento, conhecido pelos atingidos e pelas atingidas somente depois das negociações concluídas, levanta uma série de outras questões que nos preocupam e que, cada vez mais, nos fazem crer que este acordo não é o caminho para uma reparação integral e justa.

Entre outras questões, podemos citar, por exemplo: R$ 12 bilhões dos R$ 26 bi que sairão de fato dos cofres da Vale para o cumprimento das obrigações firmadas no acordo judicial serão destinados aos cofres do governo do Estado e, destes, R$ 5 bilhões serão aplicados em obras de mobilidade em Belo Horizonte e em sua região metropolitana que em nada beneficiarão as comunidades da bacia do rio Paraopeba, impactadas pelo rompimento da barragem. Exemplo disso é a ampliação do sistema metroviário da capital mineira e a construção de um rodoanel metropolitano que, como já denunciado por uma série de veículos de imprensa, provocará muitos impactos sociais e ambientais, inclusive em Brumadinho, além de ser obra da qual se beneficiará a empresa Ré, pois facilitará o escoamento do minério. Além disso, parcela significativa destas obras beneficiam as mineradoras com atuação na região, pois facilitará o escoamento de sua produção…

Enquanto isso, apenas R$ 3 bilhões serão destinados às ações de reparação edificadas a partir das demandas das comunidades, evidenciando o disparate entre o valor a ser investido fora da região atingida e o que de fato irá ser aplicado onde o mar de rejeitos destruiu uma série de modos de vida, inclusive ceifando 273 delas (incluindo dois nascituros e a morte de Júlio César, no dia 18 de dezembro de 2020, no Complexo da Mina Córrego do Feijão, durante obras relacionadas à reparação do crime-tragédia).

Além disso, o acordo exclui quase todas as perícias que vinham sendo realizadas no processo de reparação, substituindo-as por laudos e planos de recuperação e reparação elaborados por empresas privadas, muitas delas com histórico de serviços prestados à Vale, tal como ocorre com o plano de reparação da empresa Arcadis.

Diante de tantas violações presentes neste acordo, apoiamos a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) no 790, protocolada no dia 10 de fevereiro de 2021, uma vez que defendemos a suspensão da homologação na 1a Instância, em função do descumprimento de uma série de preceitos fundamentais, sendo o principal deles o princípio da centralidade do sofrimento da vítima e o direito à participação das comunidades atingidas em todo o processo de negociação.

Assim sendo, expressamos nosso repúdio a este acordo e nos colocamos, uma vez mais, ao lado das comunidades atingidas pelo crime-tragédia cometido pela Vale em Brumadinho, reafirmando também nosso compromisso em seguir denunciando as violações que foram feitas, exigindo justiça e punição para os responsáveis, garantias de não repetição e, com muita força, a construção e execução de fato de um processo de reparação, a saber: escutando as vozes e a dor de quem sofreu com a tragédia-crime.

Dom Sebastião Lima Duarte Presidente da Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração da CNBB 

Dom José Carlos de Souza Campos Presidente do Regional Leste 2 da CNBB 

Dom Vicente Ferreira de Paula Ferreira Presidente do Grupo de Trabalho de Ecologia Integral e Mineração do Regional  Leste 2 da CNBB

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