Fake news se espalham entre indígenas e dificultam vacinação: “Medo de virar jacaré”

Relatos sugerem que a desinformação chega às comunidades por meio de pastores evangélicos, rádio e mensagens no Whatsapp

Daniel Giovanaz, Brasil de Fato 

Profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) que atuam no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Rio Tapajós, no Pará, vêm relatando a suas chefias dificuldades na imunização de comunidades indígenas contra a covid-19. Os relatos descrevem que os indígenas estariam se recusando a tomar a vacina com argumentos baseados em fake news – termo em inglês que significa notícias falsas.

Brasil de Fato teve acesso a quatro cartas em que profissionais responsáveis pela vacinação nas aldeias pedem orientações sobre como proceder diante das recusas. A fonte que enviou os materiais pediu que os textos não sejam publicados na íntegra para evitar a identificação dos médicos e enfermeiros e das comunidades.

Em uma das cartas, a equipe de saúde relata que, em uma das aldeias do Dsei, “todos se recusaram a tomar a vacina.”

“Estão com medo, devido a informações errôneas via rádio, que iriam morrer 15 dias depois de tomar a vacina”, diz o texto. “Mesmo a equipe explicando, através de Educação em Saúde, sobre os benefícios da vacina, não houve acordo.”

Segundo outra carta, enviada do mesmo Dsei, “há alguns relatos de indígenas que falam que esta vacina veio para matar a população, que ao ser administrada será implantado um chip na pessoa vacinada.”

Uma profissional de saúde que atua no oeste do Pará e não quis se identificar disse à reportagem que os indígenas recebem as informações incorretas via Whatsapp e rádio. Segundo ela, pastores evangélicos também contribuem para a desinformação e chegam a recomendar medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

Na ponta

“Historicamente, sempre existiu resistência ao remédio ‘de branco’. Mas, o que a gente está vendo agora é uma recusa muito acima da média, colocando os indígenas como vítimas de campanhas de fake news”, diz Caetano Scannavino, coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria.

Com sede em Santarém (PA), a ONG atua desde 1987 em comunidades ribeirinhas. Durante a crise do coronavírus, a organização tem priorizado dois eixos: apoio ao SUS, para aprimorar a infraestrutura de saúde, e suporte direto às comunidades indígenas, garantindo kits de higiene e proteção, além de fazer campanhas educativas e informativas sobre a pandemia.

Scannavino cita algumas das mentiras que circulam nas comunidades.

“São histórias absurdas, que dizem que quem toma vacina fica amarelo, ou vai morrer em 15 dias. Ou que vai ser implantado um chip no corpo de quem for vacinado, para ser monitorado pelos chineses, ou que a vacina é feita por embriões de aborto. Ou mesmo que, se tomar vacina, vai virar jacaré”, conta.

Esta última mentira foi propagada em dezembro pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Essa informação gera medo e mata”, ressalta o coordenador da ONG. “A vacinação não é obrigatória e não cabe a nós decidir pelos indígenas. Cabe apoiar os caciques e os órgãos de saúde indígena ao menos para uma campanha esclarecedora, comprometida com a verdade. Uma campanha que tire dúvidas e coíba essa onda”.

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de 965 indígenas já morreram em decorrência do novo coronavírus no país.

“Isso circula pelo Whatsapp, e a gente ouve relatos de que isso vem de pastores evangélicos também. O movimento evangélico tem gente muito séria, então seria muito bem vindas manifestações em áudio de Whatsapp, ou mesmo em vídeo, de pastores comprometidos com a verdade, para que a gente pudesse circular nas aldeias e fazer contraponto a essa minoria propagadora de fake news”, finaliza Scannavino.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Atenção Primária a Saúde (SAPS) e com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para saber se a situação é recorrente em outras comunidades indígenas pelo Brasil e qual a orientação aos profissionais nesses casos. O texto será atualizado assim que houver retorno.

Edição: Rogério Jordão

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