Maria Rita Kehl: ‘O pior que pode acontecer é o incentivo à morte e ao ódio nos contaminar’

“Vamos nos preparar, porque quando a pandemia acabar vamos pra rua brigar”, afirma a psicanalista.

por Rede Brasil Atual – RBA / IHU On-Line

Em entrevista à série A Destruição do Brasil, exibida na TVT, a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl comentou a situação atual do Brasil em meio à crise sanitária causada pela covid-19, quadro agravado num país governado por Jair Bolsonaro. “Vamos nos preparar, porque quando a  pandemia acabar vamos pra rua brigar”, prevê, em diálogo com o linguista Gustavo Conde, coprodutor da série. Enquanto isso não acontece, ela defende que as pessoas não se deixem contaminar pelo  ódio  disseminado no país nos últimos anos. “Gentileza gera gentileza”, disse, citando a frase mais famosa de um “pregador de rua” alcunhado Profeta Gentileza, cujo nome real era José Datrino (1917-1996).

“Entre nós, não vamos deixar isso (o ódio) nos contaminar. A pior coisa que pode acontecer é esse incentivo à morte, à maldade, ao ódio, nos  contaminar. Começarmos todos a nos odiar por mixaria, a brigar com o vizinho, no trânsito. Neste momento em que a gente não pode brigar, vamos nos tratar muito bem, estamos precisando disso.  Liberdadeluta  e  gentileza”, afirmou a psicanalista, que foi membro da Comissão Nacional da Verdade.

Segundo ela, o principal efeito do “fenômeno” Bolsonaro para a parcela da população que luta por direitos sociais é o aumento da violência, do desrespeito, dos casos de injustiça, de estupros. Nesse cenário, a polícia mata mais, principalmente inocentes, crianças e jovens nas periferias do país, com o triste destaque para as comunidades do Rio de Janeiro. “Depois da ditadura, a polícia continua sendo militar. A Polícia Militar é preparada para a guerra, mas dentro de seu próprio país.”

Para a psicanalista, denominar o atual governo de “genocida” pode não ser o mais adequado, apesar do cenário sombrio e da atuação do presidente brasileiro, com sua recusa à ciência, ao uso de máscara e à própria  vacinação. “Talvez seja mais fácil de ele se defender. Talvez precisemos achar outro termo.”

Se as políticas de Bolsonaro atingem principalmente os mais pobres, ao não implementar políticas de saúde fundamentais e não combater a  desigualdade, o termo “genocida” não se ajusta à cultura do brasileiro. “Aplica-se com mais rigor à África do Sul, com o apartheid, à  Alemanha  (de Hitler). Como entre nós está um pouco deslocado, fica fraco, embora o resultado final (da atuação do governo) seja genocídio.”

Esquerda x direita

Questionada por Conde se ainda considera adequada a divisão do espectro político entre esquerda e direita nos dias de hoje, Maria Rita responde afirmativamente. “Não quero diluir isso. O Centrão é isso, uma coisa diluída, que não é nada, é fisiológico, ‘não sou nem de esquerda nem de direita’. Você é o quê, então?”, respondeu.

Ela mencionou uma definição que considera “muito boa” do jornalista  Eugênio Bucci sobre esquerda e direita: “a esquerda se caracteriza por colocar os direitos do homem como prioridade em relação aos direitos do capital”, disse. “Ela não tem que ser anticapitalistaantilucro, não tem que ser antiburguesia no sentido de ‘forca, paredão para todo mundo.” Por outro lado, “a direita é aquela que coloca o direito do capital acima dos direitos dos homens”. O direito à dignidade, à alimentação, ao estudo, à moradia “tem que estar à frente dos direitos do capital.”

Para Maria Rita Kehl, o movimento que tomou as ruas do país em  2013  começou “como uma coisa até bonita”. Mas não se deu pelos “20 centavos” reivindicados nas mobilizações. “Aquilo desestabilizou (o governo de  Fernando Haddad), sem uma reivindicação clara. Me parece que aquilo tinha uma coisa de desestabilizar governos de esquerda. Foi o começo do impeachment (de Dilma Rousseff), o começo de 2018.”

Confira a íntegra da entrevista de Maria Rita Kehl a Gustavo Conde

Maria Rita: “A esquerda se caracteriza por colocar os direitos do homem como prioridade em relação aos direitos do capital. Não tem de ser anticapitalista, antilucro, antiburguesia no sentido de ‘paredão para todo mundo'”. (Foto: Reprodução RBA)

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