Com luto e revolta, indígenas relatam assassinato de Isaac Tembé à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará

Comitiva ouviu relatos do povo Tembé na Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará, sobre o assassinato de jovem de 24 anos ocorrido no dia 12 de fevereiro

por Claudemir Monteiro, em Cimi

Revolta, luto e luta. Assim manifestaram-se os Tembé no dia 16 de fevereiro na Aldeia São Pedro, Terra Indigena (TI) Alto Rio Guamá, no Pará, para receber a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia legislativa do Estado do Pará (Alepa), presidida pelo deputado estadual Carlos Bordalo (PT), em diligência ao território após o brutal assassinato do indígena Isaac Tembé, de 24 anos, morto por policiais militares no dia 12 de fevereiro.

A reunião contou com 200 indígenas vindo das 13 aldeias do Guamá, com representantes do mandato da deputada Marinor Brito (Psol), da Funai e da Sociedade Paraense em Defesa dos Direitos Humanos, além da presença da ouvidora do estado, Cristina Carvalho. O Conselho Indigenista Missionário – Cimi, também representado na reunião, manifestou a solidariedade da entidade ao Povo Tembé.

As lideranças indígenas expressaram sua indignação e seu luto com danças, muitas lágrimas e discursos pedindo por justiça por Isaac. Criticaram o papel da polícia nessa abordagem aos indígenas na Fazenda Nédio, local do assassinato. Explicaram que a área do fato ocorrido, apesar de estar fora da terra indígena, sempre foi um espaço de caça dos Tembé, e que a polícia foi acionada pelo caseiro da fazenda que suspeitava tratarem-se de ladrões de gado.

Ao chegar, os policiais não deram aos indígenas o direito de que explicassem a presença na fazenda. Foram tratados à bala, e diante desta atitude bruta, o único recurso que os indígenas dispunham naquele momento era correr, embrenhando-se no mato. A mesma sorte não teve Isaac, que apenas se acuou numa pequena Ilha de mato, onde os policiais o detiveram e, conforme o relato feito pelos indígenas às autoridades presentes, o mataram de maneira cruel.

As lideranças denunciaram que os policiais levaram duas horas e quarenta minutos, das 19h às 21h40, para socorrer o jovem Isaac, num percurso que levaria cerca de 20 minutos – mesmo se o transporte não for feito em alta velocidade, o trajeto da fazenda Nédio à cidade de Capitão Poço leva no máximo 30 minutos. Os Tembé questionaram que se os policiais tivessem de fato a intenção de prestar socorro, como relataram no boletim de ocorrência, a remoção do jovem deveria ser imediata e não depois de quase três horas.

Além disso, os indígenas afirmam que os policiais mentiram ao relatar que o jovem foi encontrado com um revolver 38 ao seu lado no chão, vilipendiando a sua honra de jovem guerreiro e justo, como sempre foi conhecido. Também relataram que não conseguiram fazer um boletim de ocorrência naquela noite, porém os policiais envolvidos no caso tiveram acesso a esse procedimento relatando a ação conforme suas visões.

Diante disso, o povo Tembé questionou o papel da Polícia Civil em contribuir com o que classificaram como uma encenação da Polícia Militar. Os indígenas pedem, por isso, a federalização do caso na Justiça, por não confiarem na polícia do Estado do Pará. As lideranças pediram também proteção de vida aos sobreviventes, pois são os únicos que poderão testemunhar a ação dos policiais.

O deputado Carlos Bordalo, por sua vez, disse estar muito comovido com a situação que culminou com a morte de Isaac e, como representante de uma classe política, pediu desculpas aos Tembé. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepa informou que várias providências estão em andamento, tais como a abertura de um inquérito a pedido do Ministério Público Federal (MPF), um processo iniciado na corregedoria da Polícia Militar. Além disso, segundo o parlamentar, as armas dos policiais e a que foi encontrada junto ao corpo do indígena foram recolhidas para exames.

O parlamentar ainda comparou, na reunião, o caso de Isaac com o caso ocorrido em 2017 numa fazenda em Pau D’arco (PA), onde a polícia executou dez trabalhadores rurais, e garantiu que vai relatar a situação e externar suas opiniões no relatório da diligência, que será apresentado na Assembleia Legislativa na próxima segunda-feira (22).

A Ouvidora do estado do Pará explicou aos indígenas a sua condição, como representante eleita por um coletivo de movimentos sociais para exercer a função de fiscalizar as ações do Estado. Ela afirmou estar muito impressionada com os relatos que indicam a brutalidade da ação policial, sem direito de defesa para os jovens que estavam praticando sua cultura.

Depois da reunião, a comitiva se direcionou, acompanhada dos indígenas, para a área da fazenda onde ocorreu a morte de Isaac. Lá, puderam constatar a curta distância do percurso entre a fazenda e a cidade de Capitão Poço, assim como a presença de vários projéteis de armas tipo fuzil – chamando atenção para a aparente ausência de perícia nesse caso.

Na noite deste mesmo dia, a Comissão foi até a Aldeia Jacaré e conversou com familiares de Isaac. Foram ouvidos pela comitiva o cacique da aldeia e irmão do jovem, Neto Tembé, e com os seus pais, senhor Raimundo Ciro e dona Maria. Diante de todos os parentes ali reunidos, os integrantes da Comissão garantiram que irão trabalhar incansavelmente sobre o caso, até que seja feita a tão sonhada justiça pelo jovem Isaac.

Capitão Poço, Aldeia Jacaré, 17 de fevereiro de 2021

Manifestando luto e revolta, indígenas Tembé detalharam violações no assassinato do jovem Isaac Tembé, no dia 12 de fevereiro. Foto: Claudemir Monteiro/Cimi Norte 2

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