Um ano após primeira morte, Brasil vê covid-19 fora de controle

Infecções e mortes aumentam em ritmo acelerado, e especialistas temem que país supere recordes dos EUA, chegando a 5 mil mortes pelo coronavírus por dia nas próximas semanas.

Por Thomas Milz, Deutsche Welle

A situação da crise de coronavírus no Brasil está piorando dramaticamente. Nesta quinta-feira (11/03), 2.233 mortes em decorrência da covid-19 foram registradas em 24 horas, após o recorde de 2.286 mortes no dia anterior. Foram as primeiras vezes que mais de 2 mil pessoas morrem em um dia. A mídia veicula 24 horas por dia imagens de pessoas desesperadas que temem pela vida de seus entes queridos.

“É extremamente grave e trágico”, é como o médico e neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis classifica o que está ocorrendo. “É o pior momento do Brasil em toda a pandemia.”

O recente aumento no número de mortes e infecções (mais de 75 mil novos casos na quinta-feira) não deve ser interrompido por enquanto, afirma Nicolelis em entrevista à Deutsche Welle. O cientista conquistou recentemente o reconhecimento nacional com suas previsões precisas. Sobretudo por suas previsões feitas há algumas semanas de quase 3 mil mortes por dia. Mas ele estava errado.

“Essa minha previsão era para o final de março e, infelizmente, é muito provável que a gente atinja esse número na semana que vem, em meados da semana que vem – ou até mais rápido.”

Três mil mortos nos próximos dias

Agora se torna realidade algo para o qual cientistas vinham alertando incansavelmente há um ano. “É uma pandemia fora de controle, e é muito difícil de contabilizar, pois vários estados estão tendo um colapso do seu sistema de saúde. E isso pode acarretar uma aceleração nas mortes pela ausência de leitos de enfermaria e leitos de UTI.”

Ele ressalta ser difícil fazer uma previsão exata. “Mas podemos bater os recordes dos americanos de mortes diárias nas próximas semanas.” Isso significaria até 5 mil mortos por covid-19 em um dia.

De muitas regiões, chegam más notícias sobre hospitais superlotados. Mesmo caras clínicas privadas estão superlotadas. No estado mais populoso, São Paulo, alguns hospitais registraram aumentos de mais de 300% nas admissões em unidades de terapia intensiva em uma semana. Já na próxima semana, existe a ameaça de colapso.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não está nem aí. “Não colapsou nem vai colapsar”, disse o general, que tem perdido credibilidade nos últimos tempos. Atualmente, ele é alvo de investigações por causa do colapso do fornecimento de oxigênio nos hospitais de Manaus em meados de janeiro. Ele teria tido conhecimento antecipado sobre o assunto, mas não tomou nenhuma providência. Em vez de oxigênio, ele enviou cloroquina para os hospitais. Atualmente, Pazuello também tem que corrigir diariamente para baixo o número de doses de vacina previstas para o país.

Por muito tempo, o governo confiou apenas na chamada vacina de Oxford, da fabricante sueco-britânica de vacinas AstraZeneca, que, no entanto, tem problemas de entrega. Por outro lado, Bolsonaro tentou sabotar, por motivos políticos, a iniciativa do estado de São Paulo de importar a vacina CoronaVac independentemente da China. A CoronaVac é atualmente a única vacina disponível em grandes quantidades no Brasil. No final de 2020, Bolsonaro, que até poucos dias atrás ainda era categoricamente contra a vacinação, recusou uma oferta da Pfizer-Biontech de mais de 70 milhões de doses de vacina.

“Este país não tem governo”

Na quarta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao cenário político com críticas mordazes à gestão de pandemia de Bolsonaro. “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República e do ministro da Saúde, tome a vacina”, aconselhou. Ele pediu aos brasileiros que se vacinem e atribuiu a culpa pelas mais de 270 mil mortes a Bolsonaro, que se recusou a formar uma equipe de crise, de acordo com o ex-líder sindical. “Este país não tem governo.”

Pouco depois, Bolsonaro apareceu em público usando máscara, item que ele já havia rejeitado categoricamente. Observadores acreditam que a pressão pública pelas críticas de Lula o fez ceder.

O sociólogo Demétrio Magnoli contradiz essa versão. “Estão superestimando os efeitos do discurso do Lula”, pondera, em entrevista à DW. Para Magnoli, Bolsonaro mudou sua política há cerca de duas semanas em decorrência da aceleração da segunda onda de coronavírus.

Os assessores de Bolsonaro constataram na época, segundo o analista, um declínio da popularidade do presidente. Além disso, os governadores e o Congresso também sugeriram uma iniciativa conjunta e independente do governo para comprar vacinas.

“Bolsonaro teme não só pelas eleições de 2022, mas pela estabilidade do seu governo”, avalia Magnoli. O governo está com água até o pescoço, na opinião do especialista. “A água está subindo, e a água pode afogar o governo”, diz. Até porque atualmente quase não há vacinas para se comprar no mercado mundial.

Especialistas pedem lockdown

Devido à escassez de imunizantes, especialistas estão pedindo um lockdown rigoroso em todo o país. “Não tem mais solução se não adotar um lockdown nacional”, diz Nicolelis. Além disso, devido à rápida disseminação da variante P.1 de Manaus, mais contagiosa, o país teria que ser isolado.

“O Brasil é neste momento o maior laboratório a céu aberto para que o vírus tenha chance de sofrer mutações”, afirma. Diante do perigo para o mundo todo, a comunidade internacional deveria fornecer vacinas ao Brasil, acredita Nicolelis.

Um lockdown severo e de vários meses baseado no modelo europeu não pode ser feito no Brasil, na avaliação do sociólogo Magnoli. Ele argumenta que não há consenso político necessário nem polícia suficiente para fazer cumprir as restrições nas gigantescas áreas pobres. E, de fato, um número significativamente menor de pessoas nas periferias das grandes cidades aderem a determinações como uso de máscara.

O presidente Bolsonaro serve de mau exemplo para muitas pessoas. Na quinta-feira, ele descreveu o toque de recolher noturno imposto por prefeitos e governadores como um “estado de sítio”. Ele também afirma que os efeitos colaterais econômicos do lockdown também são mais prejudiciais do que o próprio coronavírus, e que milhões de empregos foram perdidos. Segundo o presidente, as medidas restritivas mostram “como é fácil impor uma ditadura no Brasil”.

Imagem: Unidade de terapia intensiva em hospital de Porto Alegre: lotação atinge clínicas públicas e privadas – Diego Vara/Reuters

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