Cristiano Vale (PL-PA) possui ao menos três propriedades em situação irregular no bioma; ele votou a favor da MP da Grilagem e é irmão do vice-governador do Pará, Lúcio Vale (PL-PA); ambos foram denunciados por corrupção e lavagem de dinheiro
Por Mariana Franco Ramos, em De Olho nos Ruralistas
Eleito para presidir a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia (Cindra) da Câmara, o pecuarista Cristiano Vale (PL-PA) possui propriedades rurais irregulares no próprio bioma que pretende proteger. As informações constam da declaração entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou seja, são oficiais e públicas.
Ele informou em 2018 um patrimônio de R$ 938 mil, sendo R$ 151 mil em terrenos, R$ 290 mil em benfeitorias nas fazendas e o restante em aplicações e outros bens. O valor total é 202% superior ao apresentado em 2012 e 526% maior que o declarado em 2008. Nos dois pleitos anteriores, Vale disputou e venceu a corrida para a prefeitura de Viseu (PA), município de 18 mil habitantes localizado no nordeste do Pará, divisa com o Maranhão.
A lista mais recente inclui um terreno de 250 hectares no valor de R$ 6 mil que aparece como “a ser regularizado”. Ele está situado no km 87 da BR-316, que liga o Pará ao estado de Alagoas, passando pelo Maranhão. O parlamentar informou ainda possuir mais duas glebas no km 81 e uma área de 325 hectares no km 145 da mesma rodovia, esta última avaliada em R$ 120 mil. Ele adquiriu uma parte em 1997 e outra, de Marília Siqueira Rebelo, em 2001, por R$ 20 mil.
Marília é assessora jurídica e membro da diretoria geral do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, uma organização social criada em 1999 e fomentada e supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. A Mamirauá desenvolve suas atividades na região do Médio Solimões, no Amazonas.
O pecuarista é dono também de um terreno agrícola de 50 hectares, dos quais a metade está em área devoluta — isto é, terras públicas. Os lotes, comprados (não se sabe de quem), ficam na margem direita da BR-316, Colônia Pitoro, em Viseu. Há no local pastagens e uma casa de madeira.
Ele possui, ainda, duas glebas irregulares de 50 hectares cada, no sentido Santa Luzia do Pará/Cachoeira do Piriá, avaliadas em R$ 6 mil, e mais três lotes de terrenos agrícolas, todos na mesma estrada. Os últimos foram adquiridos de José Renildo Azevedo dos Santos.
A deputada federal reeleita Iracema Portella (PP-PI), casada com o senador reeleito Ciro Nogueira (PP-PI), e o ex-prefeito de Curitiba Gustavo Fruet (PDT-PR), ambos eleitos em 2018, também declararam propriedades dentro de terras públicas, como mostrou reportagem do De Olho Nos Ruralistas.
No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por sua vez, a única fazenda de Vale registrada é a Rio das Pedras, de 549 hectares, em Peixe-Boi, no nordeste do Pará, onde ele realizou uma série de benfeitorias. Em 2012, investiu R$ 52,5 mil em uma casa, R$ 35,4 mil em cerca, R$ 50,7 mil em pastagem e R$ 37,6 mil em galpões. Já em 2013 gastou R$ 58,7 mil no total.
Essa fronteira entre o público e o privado, em especial na Amazônia, foi tema de uma série de reportagens do observatório publicada pelo El País durante as eleições de 2020. São histórias de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador — alguns latifundiários e donos de várias fazendas — que informaram ao TSE propriedades em áreas devolutas.
Em outra reportagem, De Olho tratou da incidência de terras da reforma agrária nas mãos de políticos que concorreram a vagas nos 5.570 municípios do país. Muitos protagonizam casos relacionados a crimes ambientais, conflitos no campo e exploração de trabalho escravo.
PARLAMENTAR VOTOU A FAVOR DA MP DA GRILAGEM
Cristiano Vale é um dos 341 deputados que votaram, em maio de 2020, a favor da Medida Provisória 910/2019, depois convertida no Projeto de Lei (PL) 2633/2020, que facilita a regularização de terras sem averiguações.
Entre os pontos da proposta, apelidada de “MP da Grilagem”, por facilitar o roubo de terras públicas, estão a ampliação do tamanho de áreas passíveis de regularização sem vistoria, apenas como autodeclaração do proprietário; a dispensa de assinatura de contraditório e a ausência de garantia de checagem de conflitos em bases de dados do governo como o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Em 2017, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito para apurar se o ex-prefeito de Viseu recebeu verbas para construção de estradas destinadas a assentados da reforma agrária. Segundo o órgão, durante a gestão de Vale, o município obteve mais de R$ 2 milhões para recuperação/construção e complementação de vias, que nunca saíram do papel. A denúncia se refere a dois convênios firmados com o Incra.
“Os fatos, em tese, se enquadram como atos de improbidade administrativa de competência federal, bem como há
necessidade de realização de diligências para melhor avaliar as possíveis ilicitudes na execução dos mencionados convênios”, escreveram os promotores.
No ano seguinte, ele foi investigado pela Polícia Federal (PF) na operação que desarticulou um esquema de desvio de recursos públicos referentes a programas do governo federal na saúde e na educação. De acordo com a corporação, os suspeitos usavam empresas de fachada para fraudar processos de licitação. A estimativa é de que R$40 milhões foram desviados, sendo 80% destinados à merenda escolar.
Na época, o advogado do deputado, Clodomir Araújo, negou as acusações e disse que Vale colocou à disposição da PF toda a documentação de quando foi prefeito.
EX-PREFEITO INTEGRA DINASTIA POLÍTICA
Nascido em Manhuaçu (MG), em 1970, o ex-prefeito é irmão do atual vice-governador do Pará, Lúcio Vale (PL-PA), que também responde a acusações de corrupção. O estado é governado por outro membro de uma dinastia política, Helder Barbalho (MDB), filho do ex-governador e ex-presidente do Senado Jader Barbalho (MDB) e da deputada federal Elcione Barbalho (MDB).
Cristiano e Lúcio viraram réus por desvio de dinheiro dos cofres públicos em janeiro de 2020. Além dos dois, os promotores denunciaram à Justiça outras trinta pessoas, incluindo os prefeitos de Cachoeira do Piriá, Leonardo Dutra Vale, e de Viseu, Isaias José Silva Oliveira Neto.
Conforme o MPF, o dinheiro era destinado à alimentação de estudantes e ao suporte de famílias de dez municípios paraenses. Consta na denúncia que o vice-governador integra um grupo que trabalhou sistematicamente na fraude de licitações entre 2013 e 2017. Os acusados respondem por corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e peculato.
Cristiano Vale atuava anteriormente na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara. Ao ser escolhido para o novo cargo, lembrou ser filho de Aninaldo Vale, também ex-deputado federal e “um dos criadores dessa comissão”. O parlamentar afirmou que “quer contribuir para a Amazônia no momento difícil de pandemia de Covid-19”.
A Cindra debate e vota questões relativas a planos regionais de desenvolvimento econômico e social para a região, como assuntos indígenas e exploração dos recursos minerais, vegetais e hídricos. Em 2019, a comissão foi presidida pelo deputado Átila Lins (PP-AM) e em 2020 não funcionou devido à crise sanitária.
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Imagem principal (Reprodução/ De Olho nos Ruralistas): patrimônio de deputado saltou de R$ 148,8 mil para R$ 938 mil