Coordenador do Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias pede mais apoio internacional à vacinação no Brasil diante da situação “dramática” do país na pandemia. Ele espera mudanças sob novo ministro da Saúde.
Por Malu Delgado, Deutsche Welle
Coordenador do Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias (PT), governador do Piauí, tem passado os últimos meses em sucessivas reuniões com a classe política brasileira, empresários, religiosos, centrais sindicais e representantes de organismos internacionais e laboratórios para tentar não apenas aumentar o ritmo de vacinação no país, mas também buscar uma coordenação nacional para o combate ao coronavírus e ao colapso do sistema de saúde do país.
A atitude desesperada dos governadores, diante da inação do presidente Jair Bolsonaro, levou 23 gestores de estados brasileiros a subscreverem e enviarem, na semana passada, cartas com apelos dramáticos ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e ao presidente da China, Xi Jinping.
Dias vem participando de reuniões e buscando pontes com laboratórios, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Organização das Nações Unidas (ONU). “O mundo precisa ajudar o Brasil”, disse o governador àDW Brasil.
O Consórcio Nordeste, que reúne os noves dos nove estados da região, também presidido por Dias, anunciou na semana passada ter fechado contrato para adquirir 37 milhões de doses da vacina russa Sputnik V.
Diplomático e não afeito ao confronto, Dias admite surpresa com atitudes de Bolsonaro, que na última semana acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra medidas restritivas de circulação tomadas pelos governadores da Bahia, do Distrito Federal, e Rio Grande do Sul. Nesta terça-feira (23/03),o ministro do STF Marco Aurélio Mello rejeitou os pedidos de Bolsonaro para suspender os decretos dos governadores.
Ainda assim, Dias diz manter alguma esperança sobre a reunião que ocorrerá nesta quarta-feira com chefes dos Poderes, representante de Estados e municípios e o presidente Bolsonaro. “Eu espero, pelo amor ou pela dor, que haja alguma mudança”, afirma na entrevista a seguir:
DW Brasil: Há forte pressão sobre os governadores no Brasil devido ao confronto direto e sistemático alimentado pelo presidente da República. O sr. tem feito vários esforços diários, o Consórcio Nordeste conseguiu fechar a compra de milhões de doses de vacina. Há novas perspectivas? Os governadores parecem estar à beira do desespero.
Wellington Dias: Compramos 37 milhões da Sputnik. O Brasil tem hoje uma situação em que é o epicentro da pandemia no mundo. É visto por outros países e pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) como um propagador de variantes, de vírus com mutação. Estamos tratando com vários países, especialmente os produtores de vacinas ou de IFA [Insumo Farmacêutico Ativo]. O mundo precisa ajudar o Brasil, assim como precisa ajudar outros países em que há situação de risco para a sua população.
Em 20 de outubro, havia um Plano Nacional de Imunização. Só em 17 de fevereiro conseguimos outro passo importante, que foi o cronograma de entrega de vacinas. Queríamos que o cronograma estivesse calçado em contratos com os fornecedores, no caso de IFA, da AstraZeneca para a Fiocruz, e da China, da Sinovac, para o Butantan. Agora no começo de março passamos a ter o cronograma da OMS para o primeiro lote da AstraZeneca da Coreia. Que bom que temos contratos com a Pfizer, com a Jansen, e outras, mas há a necessidade de entregas mais emergenciais.
Por conta da decisão dos Estados Unidos, de focar até maio toda a vacina para o povo americano, foi adotada a medida de não exportação de vacina. Encaminhei um documento pelo Fórum de Governadores do Brasil ao Joe Biden, foi aberto um diálogo do presidente do Congresso Brasileiro [o senador Rodrigo Pacheco, do DEM] com a vice-presidente Kamala Harris para que vacinas que não estão sendo usadas nos EUA, como a da AstraZeneca, possam ser compradas e vendidas ao Brasil. O contato está sendo acompanhado pela Embaixada dos EUA. Nesta semana podemos ter alguma definição sobre uma quantidade de vacinas não só para o Brasil, mas para outros países de elevado risco e baixa vacinação.
Essa decisão se refere ao governo dos Estados Unidos?
Sim, do governo dos Estados Unidos. Enviamos o documento ao Joe Biden. Mandamos também para o Reino Unido, para a Índia, para a OMS, para a Opas na semana passada. Temos que garantir o cumprimento de contratos. Esse caso da AstraZeneca, por exemplo: pelo contrato com a Fiocruz, firmado ainda no ano passado, o Brasil compraria 100 milhões de IFA, e a primeira entrega de 15 milhões seria em janeiro deste ano. A entrega já foi a partir de fevereiro. Passamos a pedir o cumprimento do contrato, aí veio a proposta de ser entregue pela Serum [Institute of India], na parceria da AstraZeneca com a Índia. Eles chegaram a entregar 2 milhões de doses, a primeira [entrega] para a Fiocruz, depois mais 2 milhões em 28 de fevereiro. Logo em seguida o governo da Índia proibiu exportação. Em março, teríamos mais 4 milhões, em abril mais 4 milhões e 5 milhões em maio.
Estamos pedindo à Universidade de Oxford, AstraZeneca e ao Reino Unido: se o contrato é com a AstraZeneca, é verdade que fomos avisados e a Fiocruz, pela Índia. Só que existe um contrato, a situação do Brasil é grave, então pedimos que o Reino Unido e em outros lugares em que há produção de AstraZeneca possam fazer um esforço para o cumprimento do contrato.
Cito outro exemplo de problema real: houve uma reunião da GAVI [a aliança mundial pela vacina], o comitê de países que compõem o consórcio Covax Facility, com a OMS. A previsão acertada era que o Brasil receberia um lote no último domingo, de 1 milhão de doses, e outro em 26 de março para completar aproximadamente 2 milhões. A Opas informou que somente em abril vão entregar esse outro lote. De novo: é a OMS que reconhece a situação grave do Brasil, mais que o dobro da média de óbitos do mundo. Temos aqui um esforço de estados, municípios e com dificuldades de coordenação do poder central para medidas preventivas e restrições. Mas queremos também ter a vacina na estratégia não só para salvar vidas, mas para controlar a pandemia no Brasil.
O sr. acabou de mencionar algo óbvio e reconhecido mundialmente: não temos coordenação mundial e temos um presidente que boicota diariamente as ações dos governadores. Para além dessas dificuldades políticas locais, o sr. enxerga alguma restrição mundial ao Brasil, exatamente pelo fato de o país ter essa condução nacional negacionista, sem medidas preventivas?
Não sei se tem. Se tiver, punir o Brasil é levar à piora da situação. Não acredito que haja essa insensibilidade mundial. O fato é que não adianta só ficar registrando o problema. Precisam nos ajudar na solução. E a ideia é que a OMS cumpra o contrato para esta semana, até o dia 26, que a gente tenha o lote de abril e o lote de maio, cumprindo o previsto para o Brasil, no cronograma de entrega. Outra relevante: conseguimos, e o Ministério da Saúde autorizou, que pudéssemos usar as vacinas desta entrega para a primeira dose. O Brasil vinha fazendo reserva para os 28 dias (a segunda dose). Ora, se já estamos com boa regularidade na entrega do Butantan, com entregas a várias semanas, e há um cronograma semanal, então não faz sentido ter estoque elevado, podendo ampliar agora a vacinação, que salva vidas. Então cerca de 4 milhões de entregas desta semana, vamos trabalhar com estoque, em vez de quatro semanas, de 3 semanas, e com isso ampliar a vacinação. Pactuamos com municípios e estados para que acelerem a vacinação.
A meta é alcançar mais 2% da população vacinada em uma semana, para a gente sair de 6% da população vacinada para 8,5% ao final desta semana e chegar a 31 de março com 10% da população vacinada, aproximadamente 21,5 milhões de brasileiros, para a gente cumprir a meta da estratégia nacional que é até abril alcançar toda a fase 1, esse grupo acima de 60 anos, com comorbidades, indígenas, etc. Como esse grupo corresponde a mais de 70% dos óbitos, essa estratégia vai permitir que a gente possa sair do colapso e reduzir o número de mortes.
Mas para alcançar esses 10% da população vacinada precisa haver a entrega da OMS em 26 de março e haver uma mudança de política para não ficar fazendo tanto estoque para a segunda dose. É isso?
Veja, a desta semana está resolvida. Só que não podemos ficar com estoque baixo. Vamos precisar deste cronograma para a semana seguinte. Aí precisamos da entrega do dia 26 e da semana seguinte.
O sr. tem feito uma série de articulações internacionais, com EUA, Reino Unido, e internamente, com governadores, prefeitos, Congresso, empresários. O sr. está vendo alguma mudança de comportamento do governo federal, algo reverbera positivamente, ou nada muda?
Hoje [na segunda-feira, 22] eu fiz uma reunião com as centrais sindicais, que fizeram nota pública em apoio às medidas restritivas preventivas e em favor de mais vacinas. E também estamos conversando para que possam encaminhar isso a outros países. A mesma coisa com a Frente Nacional de Prefeitos. Participei também de reunião, e estão organizando um consórcio para compra de vacinas. O que orientamos é para que tenha acompanhamento de embaixadas dos países e que a gente mantenha a regra de toda vacina ser para o Plano Nacional de Imunização. Houve também a carta da CNBB, da OAB. Dialogamos com eles. É importante acionar internamente e dialogar com o Congresso, o Poder Executivo, para acompanhamento do cronograma do Plano Nacional de Imunização. Temos um plano e temos que fazer com que seja cumprido. Um outro ponto que conversamos, com as igrejas, a OAB, a ABI: é importante que a gente volte com essa onda de solidariedade. Tem muita gente que não está usando máscara e não é por desobediência. É porque elas não têm dinheiro para comprar máscaras. Há muitas pessoas passando fome. Então há a necessidade de não esperarmos só por governos, é importante haver essa solidariedade nacional. Organizamos, nesta pactuação, uma reunião com os presidentes da Câmara, do Senado, e do Judiciário. Foi criado o que denominamos de “Pacto pela Vida”. A ideia foi criar um grupo de trabalho com os Três Poderes, Estados e municípios. Pedimos a organização de uma agenda para reunião com o chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, cuja previsão é nesta quarta-feira. Sugerimos também alguém representando empresários, trabalhadores, Estados e municípios. Pelos Estados será um governador de cada região. Pelo Nordeste, será o governador de Alagoas, o Renan Filho. O que a gente mais precisa é de uma coordenação nacional para seguirmos todos na mesma direção.
O sr. tem a expectativa de que Jair Bolsonaro participará da reunião na quarta-feira [24/03], com os representantes dos Três Poderes e governadores?
Eu acho importantíssimo ele participar. Se pegarmos os 50 países de economias fortes, democracias, é o presidente que está na linha de frente das ações. Dentro do Pacto pela Vida queremos ampliar o máximo de setores, a ciência, os comitês científicos, a Sociedade Brasileira para a Ciência, conselhos da área de saúde, de medicina, academia. E os trabalhadores, empresários unidos por vacinas. Esse caminho numa mesma direção está permitindo o número de pessoas que querem se vacinar, que apoiam medidas restritivas. Ou seja, a proposta é de colocar o Brasil, ou pelo amor, ou pela dor, numa decisão de que quem é a favor da vida. Com o contrário disso, o vencedor é o coronavírus e a morte. Todo brasileiro vai ter que escolher o seu lado. Não tem separação entre as consequências para a saúde e para a economia. Ou resolve a vacinação, que é o que nos dará a solução, ou paramos o coronavírus para reduzir a transmissibilidade, internações e óbitos, ou será ruim para todo mundo.
O sr. citou que todos os mandatários no mundo inteiro precisam se envolver no combate ao vírus. No caso do Brasil, Bolsonaro não só não se envolveu nisso no último ano, como adotou posturas negacionistas, além de apostar no confronto aberto com os governadores. Foi ao STF contra três governadores que adotaram medidas restritivas. Como ter expectativa que esse presidente possa dialogar?
Ver o presidente, pelo menos por alguns momentos, utilizando máscara, acho que já é um passo. A esperança é a última que morre. Como eu disse, ou pelo amor, ou pela dor, o Brasil precisa dessa coordenação centralizada. Veja o exemplo dos Estados Unidos. Em 2020, tínhamos o presidente Donald Trump e ele trabalhava negando o coronavírus e as medidas que a ciência pregava. Meio milhão de óbitos. Perdeu a eleição. Assume Joe Biden, que segue a ciência, recomenda e usa máscara, recomenda distanciamento, trata de medidas que diminuem a circulação de pessoas. Ele reuniu todos os laboratórios de vacinas para os americanos, deu todas as condições de contrato e para acelerar a produção de vacinas e vacinação. Resultado: está trabalhando para concluir a vacinação em maio. Agora tem a média diária de 1.200 óbitos. Acredito que esse exemplo dos EUA mostra o efeito que tem quando o chefe de Estado assume a direção. Precisamos do presidente da República ligar para o presidente da China, da Rússia, o apoio aos laboratórios brasileiros, Fiocruz e Butantan, União Química, que ele ligue para a OMS, o Reino Unido.
Governador, os EUA resolveram esse problema com uma eleição e mudança de presidente. O Brasil só terá eleição em 2022. A não ser que ocorra um impeachment. Ninguém da comunidade internacional tem mais expectativa positiva com Bolsonaro. Como esperar alguma coalizão nacional? Seria via Congresso Nacional?
Temos dois caminhos. O caminho que estamos, sem a coordenação nacional e central do governo federal. O Brasil que tem 2,7% da população mundial alcançando 11% dos óbitos no mundo. E tem o caminho diferente, que é o presidente coordenando. Agora, a gente está dando passos. Ou seja, não são mais só os governadores. Os municípios estão mais integrados. Temos decretos de medidas preventivas em 27 Estados, há 21 dias, para prevenir a transmissibilidade. Mas o efeito sem o Poder Executivo é menor. Tem uma hora, nem que seja alguma coisa na alma, no coração, que vai ter que tocar. Apesar de tudo o que aconteceu, situações impensáveis, como essa de uma ação (do governo federal) contra os estados que adotaram medidas restritivas, no STF, eu espero, pelo amor ou pela dor, que haja alguma mudança. Tem um ministro novo.
Ministro que não havia tomado posse até essa segunda-feira. Ele participará da reunião na quarta?
Eu tenho esperanças. O ministro [Marcelo Queiroga, que só tomou posse na tarde de terça-feira] é um médico, formado segundo a ciência, aplicada à pandemia. Eu quero acreditar que alguém que dedica tantos anos à sua profissão, salvando vidas, pela ciência, possa ter o apoio do presidente e ajudar a salvar vidas no momento em que o Brasil mais precisa na sua história.
O sr. tem alguma nova articulação politica, alguma nova reunião nesta semana para debater a pandemia no Brasil?
Temos uma reunião para acompanhar essa crise de desabastecimento de medicamentos no Brasil, que é muito, muito grave. Falta oxigênio e medicamentos para intubação. Eu vi nesta semana o quanto foi dolorosa a situação no Rio Grande do Norte, Rondônia, Acre. É gravíssimo. Estou vivendo aqui no Piauí, temos pacientes internados em várias regiões do Estado. Os hospitais têm a armazenagem maior e até produção de oxigênio. O problema é que, com o colapso, as pessoas que estão na chamada fila de atendimento, elas não estão sem atendimento. Estão num hospital que não é UTI, ou é leito de estabilização, ou leito clínico, aguardando vaga de UTI. Essa imagem que precisa estar na mente das pessoas. Pessoas que chegam à rede de saúde não terão vagas em UTI. Tentem imaginar, neste momento, o desespero das famílias em centenas e milhares de hospitais, públicos e privados, e dos profissionais da saúde. Quando eu falo no amor e na dor, estou me lembrando dessas pessoas.
Converso com a Opas, e com a OMS, que demonstrou sensibilidade em ajudar o Brasil também neste campo. A ONU também quer falar conosco. O Brasil sempre foi um país solidário. Essa é a hora em que o Brasil está precisando. Quero levar essa palavra à ONU. Nossa situação é realmente dramática. Nos sentimos muito impotentes.
—
Imagem: Wellington Dias, governador do Piauí: “Nossa situação é realmente dramática. Nos sentimos muito impotentes”