Juiz suspende despejo de mais de 280 famílias no município de Formosa (GO)

Suspensão do despejo do acampamento Dom Tomás Balduino ocorreu graças à solicitação dos Bispos da regional CNBB Centro-Oeste em carta enviada ao presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, desembargador Carlos França e ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado. As famílias que vivem no acampamento desde dezembro de 2015, estavam ameaçadas de despejo após liminar de reintegração de posse, deferida no último dia 10 de março. Confira a Nota na íntegra:

CPT

Em plena pandemia, mais de 280 famílias que vivem no acampamento Dom Tomás Balduino desde dezembro de 2015, estavam ameaçadas de despejo após liminar de reintegração de posse, deferida no último dia 10 de março. A ação de retirada das famílias foi suspensa devido a uma articulação da Comissão Pastoral da Terra regional Goiás (CPT/GO) com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – regional Centro-Oeste (CNBBCO), que resultou em uma carta enviada ao presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, desembargador Carlos França, e ao governador do Estado, Ronaldo Caiado, clamando pelas famílias e solicitando a suspensão de todas as reintegrações de posse que resultem em despejos nos meios rural e urbano durante a pandemia da Covid-19.

Na quinta-feira, 25 de março, após manifestação do Ministério Público de Goiás, o juiz da 1ª Vara Cível da Infância e Juventude da Comarca de Formosa-GO, Lucas Siqueira, observando a recomendação do Conselho Nacional de Justiça nº 90/2021 e a resolução nº10/2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, suspendeu os efeitos da liminar que concedia a reintegração de posse contra as famílias que lutam pelo direito à terra para nela viver e produzir alimentos saudáveis.

Vale dizer que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra em Goiás (MST/GO), não tem medido esforços para fortalecer a defesa das famílias acampadas e sua permanência na terra de forma pacífica e produzindo alimentos saudáveis.

A partir de agora, os advogados populares que representam as famílias vão buscar reverter a decisão judicial de forma definitiva, uma vez que foi o próprio governo federal que encaminhou estas famílias para a região, em ação do Incra junto aos proprietários dos imóveis rurais Fazenda Crixá; Cangalha; Maltizaria; Laranjeiras e Porteirinha. Na época, foi repassada ao órgão público, em regime de comodato, a posse de uma fração de 57 alqueires da Fazenda Crixá e outros 57 alqueires da Fazenda Cangalha, ambos em Formosa-GO, até que se concretizasse a fase burocrática de compra do complexo de fazendas para criar um assentamento de reforma agrária – o que até o momento não ocorreu.

Participaram da articulação inicial os bispos da Diocese de Formosa, Dom Adair; da Diocese da Cidade de Goiás, Dom Jeová e da Diocese de Luziânia, Dom Valdemar, que também é presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – regional Centro-Oeste (CNBBCO). Em reunião virtual conduzida por Dom Valdemar com todos os bispos, foi aprovado por unanimidade a confecção e envio da carta – escrita por Dom Jeová – às autoridades já mencionadas.

Em regime de urgência, o documento foi entregue pessoalmente pelo Arcebispo da Arquidiocese de Goiânia, Dom Washington, que conversou diretamente com várias autoridades para que observassem o ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (nº 90/2021) e solicitassem a suspensão imediata do despejo.

A CNBB – regional centro-oeste reúne as Arquidioceses de Goiânia e Brasília, além das Dioceses de Goiás, Ipameri, Itumbiara, Jataí, São Luís de Montes Belos, Rubiataba/Mozarlândia, Uruaçu, Luziânia e Formosa.

Sobre o Acampamento

O Acampamento Dom Tomás Balduino foi constituído a partir de um grupo de mais de mil famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra em Goiás (MST/GO), que ocuparam a fazenda Santa Mônica, município de Corumbá-GO, no ano de 2014. No ano de 2015, o governo Federal abriu edital público para comprar terras e assentar estas famílias.

Em dezembro de 2015, cerca de 300 famílias foram encaminhadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para o imóvel denominado “Fazenda Crixás – Cangalha – Maltizaria – Laranjeiras e Porteirinha”, localizada no município de Formosa, Goiás, com uma área total de 10.983 hectares, objeto das matrículas de nº 59.577, 59.576, 59.566, 59.120, 30.497, 9.920, e 9.919, todas do Livro 2, RG 134, conforme consta no processo do órgão federal.

Conforme acordo firmado entre o Incra e os proprietários das fazendas, as famílias foram encaminhadas na qualidade de comodatários, tendo o próprio Instituto como interveniente desse contrato de comodato.

Desde então, as famílias vivem e produzem alimentos saudáveis com muita fartura. Só no ano de 2020 foram produzidas mais de 6 toneladas de feijão, uma grande quantidade de hortaliças e verduras, além de milho, mandioca, farinha, doces e pimenta.

Parte desses alimentos foram doados a entidades filantrópicas e às famílias carentes do município de Formosa-GO, além de serem vendidos em feiras livres ou por meio de venda direta ao consumidor.

Mensalmente, o bispo Dom Adair promove uma celebração no acampamento, batizado de comunidade Nossa Senhora Aparecida. Há ainda o acompanhamento da Comissão Pastoral da Terra que, respeitando a organização e o modo de vida da comunidade, busca fortalecer a luta das famílias por justiça e acesso à terra, conforme prevê a Constituição.

Contexto em Goiás

Ao contrário do que muitos imaginam, os movimentos sociais e sindicais do campo são entidades que organizam o povo para cobrar que as autoridades responsáveis cumpram a lei e os critérios estabelecidos no Decreto nº 4887/2003 e no artigo 12º da lei Federal nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, também conhecida como Estatuto da Terra. Cobram ainda o cumprimento dos artigos 5º, 184º e 225º da Constituição Brasileira de 1988, que tratam do reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas e da criação de seus territórios, bem como do cumprimento da função social da terra e da reforma agrária no Brasil.

No entanto, existem situações em que famílias, que vivem nas terras há mais de 30 anos, são ameaçadas constantemente por advogados e fazendeiros que se dizem proprietários, ignorando o direito de posse (usucapião) das famílias posseiras. Ou ainda, famílias que foram encaminhadas pelo Incra há mais de 20 anos, sofrendo agora o risco de serem despejadas.

De acordo com levantamento preliminar realizado pela CPT/GO, mais de 10 áreas de comunidades rurais podem sofrer despejo por meio de liminares de reintegração de posse a qualquer momento, podendo chegar a mais de 30 áreas, atingindo, assim, mais de 2.000 famílias no estado de Goiás, o que contribui diretamente para o agravamento da situação de caos social e de saúde pública atualmente vivenciadas.

Trata-se de situações que afrontam a dignidade humana, na medida em que podem favorecer grandes empresas e grandes latifundiários que possuem dívidas bilionárias com bancos públicos, que desrespeitam a legislação trabalhista, que foram autuados por prática de trabalho escravo ou análogo à escravidão e/ou que foram autuados e/ou praticam grandes crimes ambientais.

Sem contar que a pandemia da Covid-19 tem o seu pior momento neste primeiro trimestre de 2021, o que torna mais grave a situação de vulnerabilidade social e econômica das famílias camponesas da agricultura familiar, sobretudo, as que estão na situação de acampadas ou em pré-assentamento.

Preocupada com este tipo de situação, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de seu presidente, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, propõe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que se evite realizar ações de despejo durante este momento de pandemia. Dessa forma, o Ato Normativo nº 0010578-51.2020.2.00.000, relatado pelo presidente do Conselho, ministro Luiz Fux, e aprovado pelo CNJ, representa uma inciativa de reafirmar o papel da Igreja em favor dos desfavorecidos, de garantir a dignidade humana e de preservar e valorizar a vida! Sobretudo neste momento tenebroso no qual o estado de Goiás, assim como ocorre em quase todo o país, está à beira de um colapso no sistema de saúde em função do agravamento da pandemia.

Goiânia, 29 de março de 2021.

CPT regional Goiás

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